Animação "A Mais Preciosa das Cargas" traz Hazanavicius claudicante
- Guilherme Cândido
- 19 de abr.
- 3 min de leitura
*Filme visto durante o Festival do Rio 2024

A Mais Preciosa das Cargas tem mais aparência de futuro material didático, com professores se esbaldando com seu conteúdo, do que de um competidor pela Palma de Ouro em Cannes. Michel Hazanavicius, vencedor do Oscar pelo fenômeno adorável O Artista (2011) volta ao Festival do Rio um ano depois de nos presentear com o hilário Corta!, uma de suas melhores comédias em anos. Por mais que envolva uma pauta espinhosa como o Holocausto, o novo filme de Hazanavicius parece menor, não apenas em duração (apenas 81 minutos), mas também em escopo. E se A Mais Preciosa das Cargas não decola, grande parte da culpa deve ser creditada ao próprio diretor e sua condução claudicante.
A história gira em torno de um casal de lenhadores vivendo no limite da extrema pobreza, tanto que o desejo da mulher (o casal jamais é identificado) de ter um filho é recusado de pronto pelo marido. Como eles alimentariam um bebê se mal conseguem alimentar a si mesmos? Mas ela não perde a esperança, sempre rezando para o Deus-Trem lhe agraciar com uma bênção. O que a personagem não sabe é que a tal locomotiva transporta judeus diretamente para Auschwitz. E não é que suas preces realmente foram atendidas? Num belo dia, um bebê acaba sendo descartado no meio da neve e é prontamente acolhido pela lenhadora, embora desperte a fúria do lenhador. Aos poucos, porém, o coração do homem abrutalhado vai se amolecendo e transformando-o num protetor ferrenho.

Adaptada do livro homônimo escrito por Jean-Claude Grumberg, a premissa é promissora, mas Michel Hazanavicius tem dificuldade para acomodar seu tom tradicionalmente leve numa trama essencialmente pesada. E quando o francês finalmente resolve abraçar a natureza sombria da obra, erra feio, pesando a mão numa sequência tão grotesca quanto gratuita (as imagens dos rostos das vítimas num quadro expressionista por excelência). São altos e baixos dentro de um filme tecnicamente primoroso. A animação, fluida e elegante, se aproveita de traços grossos que refletem a dureza daquele universo.

No elenco de vozes, Gregory Gadebois (A Sindicalista), normalmente o gigante gentil, aqui desfruta de um tempo maior para trabalhar a figura do lenhador como presença ameaçadora e o emblemático Jean-Louis Trintignant (Amour), falecido recentemente, serve como o narrador, sempre enfatizando o formato lúdico do longa. Dominique Blanc (Destemida), incute bondade e fragilidade na lenhadora, características essenciais tanto para gerar empatia, como para enriquecer sua relação com o marido. Quase esqueço de registrar a passagem do veterano Denis Podalydès (do razoável Cinema é Uma Droga Pesada), emprestando sua voz para um personagem surpreendente e cativante.

Caso estivéssemos num ano pouco inspirado em termos de animações, talvez essa obra francesa tivesse melhor sorte. Mas com Divertida Mente 2 arrebatando corações e quebrando recordes de bilheteria e Robô Selvagem se avizinhando, o espaço vai ficando cada vez mais curto e uma indicação ao Oscar de Melhor Animação torna-se mais improvável do que possível.

Num dia marcado pelo desfile de tragédias perpetrado por A Garota da Agulha, A Mais Preciosa das Cargas até tenta fazer a sua própria, recorrendo à poesia a fim de apelar para o lado mais suave de seu diretor, que sabota os próprios esforços no exercício de mesclar duas propostas distintas.
NOTA 6