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Foto do escritorGuilherme Cândido

"Cafarnaum" conta história arrebatadora com atuação mirim extraordinária


Estamos no Líbano. O ano é 2018. Em um tribunal, vemos um casal na faixa dos cinquenta anos de um lado e uma criança algemada do outro. Um menino contra seus pais. O motivo? Ter sido colocado no mundo. Não bastasse essa premissa forte, o novo filme da cineasta libanesa Nadine Labaki (do bom Caramelo) revela-se uma verdadeira montanha-russa de emoções, com subidas e descidas cada vez mais intensas.


O tal garoto é Zain, que aos 12 anos trabalha numa mercearia e ajuda em casa com seus irmãos mais novos e sua irmã Sahar, um ano mais nova e que inspira cuidados por estar “desabrochando”. Vivendo num bairro pobre e sem perspectiva, Zain toma a decisão de iniciar os estudos, mas é imediatamente repreendido pelo pai. “Ele ganha mais trabalhando, aprender algumas palavras não adiantará de nada”, diz o homem em certo momento. Para piorar, a mãe só manifesta interesse pela ajuda de custo que viria a ser dada pelo governo. E mais: num belo dia, Zain descobre que seus pais estão negociando o casamento de Sahar, que renderá algumas galinhas e algum prestígio com o dono da mercearia local. Sim, a situação se agrava ainda mais, com Zain fugindo de casa à procura de condições melhores, não encontrando muito além de miséria e solidão pelo caminho.


Como é possível perceber, Nadine Labaki não economiza as lágrimas do espectador, ao mergulhar Zain num profundo caos. A cineasta, acostumada a alfinetar os costumes de seu país, volta sua câmera afiada para as condições de vida de seu próprio povo, que não se incomoda de ter suas crianças trabalhando e famílias crescendo desproporcionalmente ao seu sustento.


Por falar em criança, Zain Al Rafeea é o destaque inquestionável do projeto, revelando-se um verdadeiro achado, uma pérola do Cinema recente: extremamente expressivo e exibindo uma naturalidade que deixa veteranos no chinelo, Al Rafeea carrega todo o filme sem o menor sinal de intimidação ou hesitação, ganhando força com os diálogos poderosos do roteiro. E vê-lo lamentar o casamento da irmã ao argumentar que “ela é só uma criança” é tão doloroso quanto a constatação de que ele há muito tempo perdeu o direito de ser uma.


Emocionando com pequenos gestos que incluem uma preocupação legítima em ajudar a irmã a esconder os sinais de sua primeira menstruação, Zain também é capaz de provocar fortes emoções apenas através da expressão facial, o que não deixa de ser impressionante. E o que dizer do bolo (ou dois terços de um) que é roubado para a singela comemoração de um aniversário?


Construindo um ritmo que acompanha a trajetória do menino rumo ao fundo do poço, a produção é inteligente ao exibir uma estrutura que se divide entre o grande flashback da história principal e breves sequências do presente (no tribunal), rendendo aplausos a Nadine Labaki pelo invejável domínio da narrativa. Para chegar a esta constatação, basta notar que a cada vez que a narrativa parece se perder, surge uma informação no tempo presente que automaticamente indica outra pista para uma possível correção de curso.


Afastando qualquer traço de leviandade ao dar voz a todos os lados da história, Capharnaüm é a estrondosa confirmação de Nadine Labaki como uma das grandes cineastas contemporâneas, chegando à maturidade em seu terceiro filme. Verdade seja dita, só pela descoberta de Zain Al Rafeea, Labaki já merece todos os prêmios possíveis.


NOTA 9,5


Crítica originalmente publicada como parte da cobertura do Festival do Rio 2018


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