'Extermínio - A Evolução' é devorado pelo próprio legado
- Guilherme Cândido
- 19 de jun.
- 3 min de leitura

Herdeira do legado de George A. Romero ao apresentar os seres humanos como os verdadeiros monstros ao invés dos zumbis, a franquia Extermínio também revelou-se um divisor de águas nesse subgênero, ao exibir mortos-vivos mais rápidos e perigosos, influenciando toda a indústria e renovando seu fôlego. Não é exagero afirmar, inclusive, que a série (de TV e em quadrinhos) The Walking Dead e o jogo de videogame The Last of Us só existem graças ao sucesso do longa dirigido por Danny Boyle e escrito por Alex Garland, que retornam vinte e três anos depois para retomar a franquia.
Na verdade, mais do que simplesmente retomar, já que as ambições da dupla fazem deste novo filme o primeiro de uma almejada trilogia, ignorando os eventos de Extermínio 2, subestimada continuação comandada por Juan Carlos Fresnadillo que trazia os até então desconhecidos Jeremy Renner e Rose Byrne no elenco. Apesar de carecer da contundência do original, a produção foi bem-sucedida ao focar no espetáculo, trazendo momentos verdadeiramente tensos como a aquele que abre a projeção.

Já este A Evolução, ou 28 Years Later, seguindo o título oficial em inglês, mantém a epidemia do vírus da raiva exclusivamente na Grã-Bretanha, posta em quarentena e deixada à própria sorte pelos demais países. Nesse cenário, após outra chocante sequência de abertura (com Teletubbies passando ao fundo), somos apresentados a uma família vivendo numa ilhota de acesso complexo, visto que a única ligação com o continente é através de uma passagem acessível por apenas quatro horas, estando submersa no restante do tempo (artifício também utilizado na boa minissérie The Third Day). A natureza remota, aliada a defesas diligentes, fazem do lugar um santuário em meio a uma terra repleta de perigos escondidos, servindo de lar para uma comunidade consciente da limitação de recursos e afeita a tradições.

Como rito de passagem pelo qual o jovem Spike (Alfie Williams, em seu primeiro grande papel no Cinema) está prestes a encarar. Seu pai, Jamie (Aaron Taylor-Johnson, de Trem-Bala) mal consegue conter o entusiasmo por estar prestes a testemunhar seu filho executando seus primeiros infectados. Diferentemente do longa de 2002, porém, e como o título brasileiro antecipa, os zumbis passaram por modificações, indo além dos habituais “Runners” (corredores, em tradução literal). Assim como Zumbilândia 2 (2019), mas de forma séria, Jamie nos apresenta aos frágeis rastejantes e aos temíveis Alfas, seres maiores, mais inteligentes e implacáveis ao caçarem suas presas.

Do ponto de vista puramente estético, a produção caminha de mãos dadas com o original, trazendo a mesma imagem digital que aproximava Extermínio de um clipe da MTV. Gravado com câmeras de celular A Evolução também marca o retorno do bom e velho Danny Boyle (vencedor do Oscar pelo extraordinário Quem Quer Ser Um Milionário?), aquele cineasta vigoroso e avesso a estruturas convencionais. Para isso, o britânico conta com a montagem precisa de Jon Harris (do remake de Não Fale o Mal) e juntos adotam um ritmo propositalmente irregular. Introduzindo imagens de arquivo e uma declamação do poema “Boots”, de 1903, a dupla se sai bem ao transformar este no capítulo mais estilizado da franquia. Repare, por exemplo, como Boyle capta a ação empregando freeze frames, imagens aceleradas e até mudando a angulação da câmera.

Em contrapartida, o roteirista Alex Garland se sai melhor quando se atém ao básico da trama. Mesmo que isso signifique manter Extermínio preso ao seu próprio legado (que se transformou no padrão da Indústria). As ideias apresentadas, afinal, já foram exploradas em diversas mídias e é Boyle quem acaba salvando o dia ao explorar o suspense, que no final das contas é o que justifica nosso engajamento. Quando tenta inovar, Garland, no mínimo, divide opiniões ao tatear em circunstâncias polêmicas.

Há uma sequência específica, que manterei em segredo para evitar spoiler (mas você saberá qual assim que uma personagem entrar sozinha num ônibus abandonado), que beira o ridículo quando paramos para analisar a situação. Do mesmo jeito, o encontro de Spike com o Kelson de Ralph Fiennes (Conclave), que deveria soar emocionante, acaba resvalando na autoparódia, provocando gargalhadas involuntárias diante do que é imposto ao pobre menino. Além disso, o fato de os demais países (ao menos os europeus) não prestarem qualquer tipo de ajuda soa inverossímil, assim como ninguém cogita procurar auxílio (dessa vez, nem rádios marcam presença).

No geral, porém, Extermínio – A Evolução é devorado pelo legado da própria franquia, uma vez que é incapaz de oferecer algo além do que já é considerado padrão na mesma Indústria que ajudou a moldar. Menos vanguardista em relação ao primeiro filme, mas logrando êxito no âmbito do espetáculo, acaba se equiparando justamente ao tão desprezado longa anterior. Que ao menos sirva para fazer justiça à obra de Juan Carlos Fresnadillo.
NOTA 6,5