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Foto do escritorGuilherme Cândido

Roteiro indeciso de "O Favorito" ofusca esforços de Hugh Jackman

Atualizado: 28 de jul. de 2022

Em 1988, a eleição americana estava sendo liderada pelo senador Gary Hart com larga vantagem. Carismático e desenvolto com as palavras, sua campanha parecia caminhar para uma inevitável vitória, até que um escândalo surgiu e tomou conta dos tabloides. Por mais que Hart negasse seu envolvimento com uma amante, reportagens detalhadas com relatos e fotos aos poucos desgastaram sua imagem perante os eleitores, minando a candidatura daquele que viria a ser reconhecido como o homem que quase foi presidente da república.


Para cumprir as demandas do papel, seria difícil imaginar alguém mais adequado do que Hugh Jackman (Logan), que não só tira de letra o papel de cafajeste carismático como também brilha nas sequências mais intensas, trazendo peso dramático e fazendo frente a nomes consagrados como J.K. Simmons (vencedor do Oscar por Whiplash - Em Busca da Perfeição) e Vera Formiga (indicada ao Oscar por Amor Sem Escalas). Há uma cena, inclusive, envolvendo uma discussão entre Gary (Jackman) e Bill (Simmons) que já seria o bastante para levar o astro australiano a sua segunda indicação ao Oscar.


Porém, em seu caminho está um roteiro falho, sem muito pulso para lidar com as polêmicas do congressista, evitando dar uma resposta definitiva para questões fundamentais da trama. Afinal de contas, Hart relacionou-se ou não com a tal mulher? E mesmo que se argumente a favor de uma abordagem mais abrangente, isso só evidencia a falta de foco do projeto.


Há uma discussão bastante enfatizada pelo texto sobre a questão da privacidade das figuras públicas, com direito a uma célebre citação a Warren Beatty, que não enxergava a possibilidade de conciliar fama e vida particular. “Uma pessoa pública não tem o direito da privacidade”, argumenta, Beatty. O problema, na verdade é outro: a vida particular deveria ser importante para um Presidente da República?


Essa é questão-chave de O Favorito, mas que não é encarada de forma séria pelo diretor Jason Reitman. Consagrado por comédias cínicas como Obrigado Por Fumar e Amor Sem Escalas, Reitman claramente tenta imprimir humor na narrativa, mas ao falhar solenemente, acaba diluindo a densidade da trama. Para piorar, a estrutura irregular da projeção é dividida por três atos completamente distintos entre si. Se no primeiro, o humor (ou as tentativas de) é abundante, no segundo ato as coisas ficam mais sérias, até que o roteiro entrega-se finalmente a um festival de diálogos expositivos que dinamita qualquer possibilidade de dinamismo.


Com problemas de ritmo, o filme passa a depender demais de uma história cujos personagens são deveras desinteressantes, com exceção (parcial) de Gary Hart. Some a isso o desperdício de nomes como J.K. Simmons e Alfred Molina (o eterno Dr. Octopus) e temos uma decepção que só não é maior graças à presença de Vera Farmiga: embora subaproveitada como os colegas citados acima, a atriz exala segurança, especialmente na cena em que sua personagem resolve confrontar Gary, seu marido.


E é nesse ponto que voltamos à discussão inicial, pois assim como Gary foge de perguntas sobre sua vida pessoal, O Favorito jamais justifica seus acontecimentos: Afinal, qual foi o papel da imprensa em sua derrocada? Presidentes devem ser indagados apenas por suas propostas? Até onde devemos nos importar com a vida de quem governa nosso país? Essas e outras questões ficam no ar. Ao menos Jason Reitman pode se orgulhar de Tully, seu filme anterior e que também foi lançado em 2018. Esse, sim, merece todos os elogios.


NOTA 5


Crítica originalmente publicada como parte da cobertura do Festival do Rio 2018

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