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Foto do escritorGuilherme Cândido

Oscar 2024 | Noite previsível e de piadas fracas acaba salva pelas estrelas do show

Como já era de se esperar, a noite deste domingo, a mais aguardada por amantes da Sétima Arte, foi dominada por “Oppenheimer”, adaptação do livro que conta a história do pai da bomba atômica. Coincidentemente, a produção levou o mesmo número de estatuetas (sete) do maior vencedor do ano passado (o divisivo “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo”), coroando mais uma temporada morna em termos de surpresas.

Uma das raras exceções aconteceu justamente na categoria mais disputada da noite, com Emma Stone conquistando seu segundo Oscar de Melhor Atriz aos 35 anos. Em discurso bem humorado, no qual fez questão de brincar com o fato de seu vestido ter rasgado durante a apresentação de “I’m Just Ken” (cantada pelo amigo Ryan Gosling, par romântico no filme que lhe rendeu sua primeira estatueta), Stone enalteceu o trabalho das quatro outras atrizes que concorreram, especialmente Lily Gladstone. Favorita ao prêmio após ter sido escolhida pelo Sindicato dos Atores (maioria dos votantes da Academia), a estrela de “Assassinos da Lua das Flores” contrariou as expectativas e não se tornou a primeira nativa americana galardoada com o careca reluzente.

Em contrapartida, “Assassinos da Lua das Flores” acabou amargando um feito histórico pouco lisonjeiro, já que encerrou a noite como o terceiro filme dirigido por Martin Scorsese a conseguir 10 indicações ao Oscar e sair da cerimônia de mãos vazias, o que acabou acontecendo com o celebrado “Vidas Passadas” e o polêmico “Maestro”, que apesar de estar presente nas principais categorias (incluindo Melhor Ator e Melhor Atriz), representou um tremendo fracasso para a Netflix, segundo estúdio mais premiado no ano passado.

Dessa vez, foi a Universal quem se saiu melhor, graças ao desempenho arrasador de “Oppenheimer”. Curiosamente, o filme demorou a receber seu primeiro prêmio, que só veio com a confirmação do favoritismo de Robert Downey Jr., finalmente um “vencedor do Oscar” em sua terceira indicação. Arrancando aplausos de pé ao subir ao palco gesticulando como Tony Stark, seu papel mais famoso, Downey surpreendeu ao incluir seu advogado na lista de agradecimentos, relembrando os tempos difíceis que passou numa carreira de altos e baixos que mudou radicalmente após se tornar o Homem de Ferro da Marvel em 2008, ano em que também conseguiu sua segunda nomeação ao prêmio da Academia, pela comédia “Trovão Tropical”. Aliás, o próprio apresentador Jimmy Kimmel não resistiu em provocar o astro, fazendo referência aos seus famigerados problemas com drogas nos anos 90.

Por falar em Kimmel, apresentador da cerimônia pela quarta vez (a segunda seguida), sua queda de produção em relação à edição passada é assustadora. Se no monólogo de abertura em 2023 reservou um belo espaço para piadas mais ácidas, esse ano o comediante não conseguiu fugir do óbvio. Voltou a ironizar as durações cada vez maiores das produções (“’Assassinos da Lua das Flores’ tem três horas e meia, é praticamente o tempo que eu levaria para ir a Oklahoma e ver os crimes com os meus próprios olhos”), criticou a ausência da protagonista e da diretora de Barbie em suas respectivas categorias (“vocês estão me aplaudindo, mas foram vocês que deixaram de votar nelas, não finjam que não tiveram nada a ver com isso!” e, claro, abordou o motivo que levou atores, diretores e roteiristas a entrarem em greve: o uso de Inteligência Artificial (“não se preocupem com a IA, vocês continuarão sendo substituídos por gente mais nova e mais bonita que vocês”). Sem repertório, Jimmy Kimmel passou a recorrer a trocadilhos constrangedores no restante da noite (incluindo um envolvendo as palavras “Adaptado” e “Adotado”, durante a entrega do prêmio de Melhor Roteiro). A fraca performance de Kimmel foi notada também pelo ex-presidente Donald Trump, que publicou numa rede social duras críticas à transmissão, sendo respondido ao vivo pelo próprio apresentador “já não passou da hora de o senhor ir para a cadeia?”.

Para a sorte do humorista e do evento, a cerimônia acabou sendo salva por suas estrelas, a começar pelo cachorro Messi, que nas últimas semanas esteve no centro de uma controvérsia das mais bobas. Isso porque sua presença nos eventos relacionados à premiação acabou irritando produtoras e distribuidores, que alegaram que o border collie, astro do francês Anatomia de Uma Queda, roubava a atenção de todos, sendo um possível e desonesto chamariz de votos. A Academia, então, emitiu um comunicado desconvidando o intérprete de Snoop e fazendo a internet entrar em erupção. A revolta foi tamanha, que os próprios organizadores tiverem de rever a decisão e não demorou para Messi ser fotografado já acomodado no interior do Teatro Dolby.

Além da ilustre presença do ator canino, é impossível falar do Oscar 2024 sem mencionar a mais aguardada apresentação da noite. Afinal de contas, se Barbie foi o maior fenômeno do ano passado, arrecadando mais de 1.4 bilhão de dólares nas bilheterias mundo a fora, muito se deve também a presença de Ryan Gosling, que além de ter recebido uma merecida indicação na categoria de Melhor Ator, acabou roubando os holofotes ao cantar “I’m Just Ken”, hit do filme e que também concorreu ao Oscar. A grandiosidade da apresentação contrastou com o intimismo da performance de Lady Gaga em 2023, quando cantou “Hold My Hand”, sucesso de “Top Gun: Maverick” outro fenômeno de bilheteria. Enquanto a cantora surgiu de cara limpa, roupas casuais e praticamente sem cenário, Ryan Gosling caprichou no figurino (referência esperta a Os Homens Preferem as Loiras, com Marilyyn Monroe) e participou de uma coreografia que incluiu dezenas de dançarinos. Balada romântica que ganha traços dançantes, “I’m Just Ken” fez jus a toda expectativa criada pelos fãs do filme, que ainda foram brindados com a participação surpresa do rock star Slash, guitarrista da banda Guns’n’Roses. Tenho dificuldades não apenas de encontrar um momento melhor que este durante a noite, mas também nos últimos anos, pois faz tempo que a cerimônia de entrega do Oscar não oferece um número musical tão vibrante, ainda mais vindo da produção mais popular do último ano (nem “We don’t talk about Bruno”, de Encanto, conseguiu se aproximar).

Por outro lado, a política não deixou de marcar presença e a previsível vitória de 20 Dias em Mariupol, documentário sobre a Guerra na Ucrânia, permitiu a seu diretor, o fotojornalista Mstyslav Chernov, fazer um discurso poderoso (“eu provavelmente sou o único que não queria estar aqui recebendo esse prêmio, pois preferiria que meu país não tivesse sido invadido”). Da mesma forma, o cineasta britânico Jonathan Glazer pediu por um cessar-fogo em Gaza, fazendo um paralelo com o Holocausto, assunto de seu “Zona de Interesse”, eleito Melhor Filme Internacional. Por falar em política, chamou a atenção a ideia de exibir um trecho do documentário Navalny, premiado em 2023, antes do segmento In Memoriam. Alexey Navalny, ativista russo conhecido pela oposição a Vladimir Putin, morreu há quase um mês e abriu as homenagens, que esse ano foi embalada pela canção italiana “Com Te Partirò”, cantada por Andrea Bocelli e seu filho Matteo. Apesar de uma bem-vinda variação, a performance foi ofuscada por um desnecessário número de dança, com uma dúzia de dançarinas se movendo entre os cantores e a tela.

As vitórias de Da'Vine Joy Randolph (Melhor Atriz Coadjuvante por "Os Rejeitados") e Cillian Murphy (Melhor Ator por "Oppenheimer"), foram tão merecidas quanto protocolares. Randolph, que fez um pronunciamento emocionado, liderou a temporada de premiações de ponta a ponta, enquanto o irlandês, mais contido, chegou a perder algumas estatuetas importantes para Paul Giamatti (também de "Os Rejeitados"), mas encaminhou seu primeiro Oscar após levar o Sindicato dos Atores. Duas categorias, diga-se de passagem, conquistadas por novatos da Academia.

Na reta final, com Oppenheimer finalmente enfileirando prêmios, coube a grandes nomes do Cinema entrarem em cena. Os organizadores resgataram a antiga tradição de trazer cinco vencedores passados para apresentaram os indicados aos prêmios de atuação. Mas o destaque acabou sendo o lendário Steven Spielberg, encarregado de entregar a estatueta de Melhor Direção a Christopher Nolan. O gesto é muito mais simbólico do que parece, pois reúne titãs de momentos distintos da Indústria. Em sua época, Steven, duas vezes vencedor na categoria, revolucionou os blockbusters ao apresentar Tubarão para o mundo e influenciou a linguagem dos maiores sucessos do Cinema ao lançar e produzir outros sucessos, ao passo que Nolan já cravou seu nome na história ao reinventar o Batman e contagiar a Indústria com sua abordagem “sombria e realista”. O prêmio é absolutamente merecido, pois consagra um profissional que trabalha incansavelmente para oferecer sempre a melhor experiência cinematográfica possível. Aliás, é difícil de encontrar hoje em dia alguém mais empenhado em levar as pessoas aos cinemas como Christopher Nolan, mesmo em tempos pandêmicos (não nos esqueçamos que ele apostou em Tenet como o filme que ressuscitaria os cinemas). Sem contar o fato de já ter no currículo obras excepcionais como Amnésia, A Origem e O Grande Truque.

Desesperada para incluir sucessos de público em seu evento, a missão finalmente está cumprida. Foram sete prêmios para um drama parcialmente em preto e branco, de três horas de duração e sobre um cientista atormentado... mas que levou multidões aos cinemas ao ponto de quase quebrar a barreira do bilhão de dólares em arrecadação. É o “Melhor Filme” de maior bilheteria em 20 anos (O Senhor dos Anéis – O Retorno do Rei faturou 1.1 bilhão em 2004 e levou 11 estatuetas, incluindo a principal). Em última análise, apesar de uma cerimônia de altos e baixos, esse é o recado que o Oscar 2024 passa para o mundo: enquanto segue acenando para os jovens (e a vitória de Oppenheimer serve também a esse propósito), a Academia valoriza, mais do que nunca, a comunhão entre Arte e Entretenimento, coroando alguém que se notabilizou por unir essas duas vertentes, que erroneamente sempre se acreditou serem opostas.


Observação: Cabe uma menção desonrosa à emissora encarregada pela transmissão no Brasil, que apresentou diversos problemas, desde uma vexatória queda de sinal (impedindo os brasileiros de verem "War is Over" levar o prêmio de Melhor Curta Animado) até longas passagens em que alguém falava por cima dos discursos, atrapalhando, inclusive, o trabalho dos tradutores simultâneos.


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