Pretensioso e caótico, 'June e John' mantém Luc Besson no fundo do poço
- Guilherme Cândido
- 13 de jun.
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Gravar filmes com celulares não é novidade alguma. Steven Soderbergh, por exemplo, já o fez duas vezes (High Flying Bird e Distúrbio), assim como Sean Baker (Tangerina), atual vencedor do Oscar de Melhor Diretor, e semana que vem ainda teremos Extermínio: A Evolução. Em June e John, no entanto, esse artifício vai além de objetivos meramente estéticos, revelando-se uma necessidade em meio às limitações impostas pela pandemia de Covid-19. As dificuldades de trabalhar num cenário de incertezas e dificuldades logísticas, serviram de combustível para o cineasta Luc Besson buscar um retorno às próprias origens, quando ainda não havia alcançado o estrelato.
Famoso por nos presentear com criatividade ao arrebatador O Profissional (1994) e ao divertidíssimo O Quinto Elemento (1997), o francês chegou a fazer filmes menores no início da carreira, como o subestimado Imensidão Azul (1988) e o instigante O Último Combate (1983). Todavia, seu mais novo projeto, nem de longe remete a seus primeiros acertos, estando mais próximo do recente Dogman, o terrível longa-metragem que jogou o cineasta no fundo do poço, onde infelizmente permanece.
Sem compromisso com qualquer traço de originalidade, a história concebida por Besson acompanha John (Luke Stanton Eddy, do protocolar Alto Knights – Máfia e Poder), um daqueles jovens com dificuldades para se tornarem adultos que vivem infelizes ao reprimirem os próprios sonhos enquanto trabalham num emprego enfadonho. Sem amigos, ele precisa recorrer a remédios para amenizar o estresse da rotina, até que encontra June (Matilda Price, debutando no Cinema). Revelando-se o exato oposto do protagonista, a moça exibe uma intensidade febril, encarando cada dia como se fosse o último e ostentando um estilo de vida puramente epicuriano. Ela, inclusive, é quem finalmente convence John a jogar tudo pelos ares e juntos embarcam numa jornada catártica.
As semelhanças com dois terços dos filmes românticos produzidos no cenário independente das últimas décadas são os menores problemas. Os clichês, no entanto, não tornam John e June particularmente memoráveis, muito pelo contrário. Ele não passa de um arquétipo batido, enquanto ela é pouco mais do que o elemento disruptivo que faltava à vida do rapaz pelo qual se apaixona tão vorazmente que quase acreditamos se tratar de um delírio proveniente da mente sobrecarregada do protagonista.
Mas não, apesar da fotografia supersaturada, que estranhamente pinta o cotidiano frustrado de John com cores vívidas, Luc Besson tenta ao máximo fazer o espectador levar sua trama a sério, dispensando o caráter fantasioso que o ajudaria a driblar os furos que pipocam na trajetória dos nubentes, especialmente quando a polícia entra em cena. Nesse aspecto, o cineasta mais parece um adolescente deslumbrado, entregando-se a frases de autoajuda e monólogos pretensamente profundos, quando na realidade só escancaram a própria natureza derivativa.
Nem no campo do humor, o filme prospera: além de desperdiçar o potencial do contraste oferecido pela presença de June, Besson é incapaz de construir uma única gag sequer. Aliás, a ambiguidade que surge como efeito colateral, torna problemática uma sequência envolvendo um caçador esportivo sendo punido por tirar vidas animais. Falta ao diretor um desprendimento semelhante ao de June, concebendo uma estrutura tão rígida que inviabiliza outras interpretações por parte do público. O desequilíbrio no tom, gritante, é outro ponto fraco do roteiro também assinado pelo francês, mas passa por uma montagem que até tenta refletir o espírito anárquico da mulher, mas só viabiliza o caos.
É cristalina a inspiração em clássicos como Bonnie e Clyde – Uma Rajada de Balas (1967) e Thelma & Louise (1991), mas até sucessos contemporâneos como O Procurado (2008), Scott Pilgrim Contra o Mundo (2010) e A Culpa é das Estrelas (2014) podem vir à mente durante a projeção, o que, em comparação, só reforça o constrangimento de ver alguém do calibre de Luc Besson fracassar miseravelmente com uma obra tão óbvia quanto vazia. E pela segunda vez consecutiva.
NOTA 3