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Ryan Coogler faz de "Pecadores" um blockbuster de alto nível

  • Foto do escritor: Guilherme Cândido
    Guilherme Cândido
  • 16 de abr.
  • 5 min de leitura

Atualizado: 17 de abr.



Do autor responsável pelo excepcional Fruitvale Station – A Última Parada (2013) e pelos ótimos Creed – Nascido Para Lutar (2015) e Pantera Negra (2018), era de se esperar um uso inteligente do horror, reverberando a obra de mestres como George A. Romero e John Carpenter. Em sua primeira incursão nesse subestimado gênero, Ryan Coogler mostra, uma vez mais, que tem não apenas voz, mas também muito a dizer. E o faz seguindo o caminho das pedras deixado pelos supracitados autores de A Noite dos Mortos-Vivos (1968) e O Enigma de Outro Mundo (1982) respectivamente, elaborando um discurso rico e eloquente através de alegorias narrativas.

 

O roteiro também assinado por Coogler coloca seu inseparável parceiro Michael B. Jordan para cumprir duplo expediente na pele dos gêmeos Fumaça e Fuligem. O ano é 1932 e os irmãos estão no segregado Mississipi para adquirir uma velha, mas ampla serraria. A ideia é transformá-la num clube de blues, proporcionando algumas horas de escapismo e liberdade. Inicialmente pouco sabemos sobre os protagonistas além da ambição de melhorar a vida dos negros que vivem na região. Afinal, a Ku Klux Klan está forte e o racismo é praticado sem qualquer pudor pelas ruas da cidade. O primeiro ato é conduzido de modo a impedir que a busca dos irmãos pelos futuros funcionários do clube soe episódica, repetitiva e arrastada. Para isso, Coogler investe numa atmosfera descontraída, sem deixar de aproveitar o contraste proveniente das personalidades de Fumaça e Fuligem.

É nesse ponto que devemos tirar o chapéu para Michael B. Jordan, cujo talento é facilmente constatado na forma como os gêmeos são diferenciados: enquanto Fumaça é o mais sensato, de olhares fixos, gestos calculados e fala objetiva, Fuligem se destaca pela postura despojada e pelo sorriso fácil, corroborando sua irreverência. Observe como Fumaça, literalmente, atira primeiro para perguntar depois, adotando uma retórica sem rodeios, ao passo que Fuligem se deixa levar pelo bom humor, conquistando seus objetivos na base da jocosidade. Versátil, Jordan se sai bem tanto nos momentos mais leves, como nas sequências mais dramáticas, sobressaindo pelo carisma e pela presença de cena, responsáveis por convertê-lo num astro de ação irrepreensível.

 

E caso você não tenha visto os trailers, sugiro ler o próximo parágrafo apenas após assistir ao filme.


Ryan Coogler abandona o clima leve do primeiro terço para paulatinamente construir uma atmosfera tensa, sugerindo uma tragédia iminente. É precisamente nesse momento que Pecadores passa a beber da fonte de outra obra de John Carpenter: Vampiros (1998), abraçando as características mais populares dos chupadores de sangue. Como é bom ver um filme tratá-los da forma mais tradicional possível (com direito a água benta e alho), sem recorrer a bizarrices (nada de pele brilhante por aqui) ou invencionices (eles só querem sangue e nada mais). Mas o diretor californiano utiliza as criaturas da noite como um vetor para atacar as práticas colonialistas. Repare como o líder vivido por Jack O’Connell (de Invencível) entoa canções associadas a brancos e é acompanhado por seus asseclas (negros) recém-convertidos. Inglês de ascendência irlandesa, sua escalação é perfeita para ilustrar as diferenças culturais que marcam os conflitos da narrativa (as tais canções são irlandesas).

A Música, vale dizer, está no centro do roteiro. É através dela, por exemplo, que a população negra se expressa e encontra refúgio, do mesmo jeito que os “espíritos malignos” (vampiros) são atraídos pelas melodias. De acordo com a breve narração que abre a projeção, essa forma de Arte é poderosa a ponto de conjurar entidades, transcendendo tempo e espaço ao estabelecer uma conexão direta entre passado, presente e futuro, algo ilustrado por Coogler numa sequência que beira o sublime ao mostrar diferentes ritmos e instrumentos dividindo espaço com as músicas contemporâneas, por meio de um longo plano em que a câmera passeia pelo ambiente. Mais do que uma herança cultural, a Música é a identidade de seu povo e, também, um traço de resiliência dos negros oprimidos pelo sul estadunidense. Eles podem perder o poder e até a liberdade, mas nada eliminará aquilo que os torna únicos.

No final das contas Coogler vai muito além do típico conto sobre discriminação (e a presença de nativos americanos reforça a amplitude do escopo), elevando a discussão para debater o status da Arte (Música, no caso), sem deixar de oferecer o espetáculo que se espera de um blockbuster de estúdio. Duplamente vencedor do Oscar (por Pantera Negra e Oppenheimer), o compositor sueco Ludwig Göransson encara com segurança o desafio de refletir a importância da Música na história. Indo de violões a guitarras elétricas, as composições de Göransson fazem mais do que acompanhar a temperatura das cenas. Assim como já havia feito em Pantera Negra, ele mescla melodias de raízes africanas com sons modernistas, refletindo Um Drink no Inferno (1996), outro longa cuja influência é fortemente sentida.

Para além da maquiagem e dos efeitos visuais, cujos méritos ficam mais evidentes, o design de som é o grande destaque da produção. Sem se distrair com subtramas paralelas ou flashbacks, o longa exigirá atenção dos espectadores. Enquanto Fumaça está na cidade, por exemplo, é possível entreouvir comentários racistas feitos por populares, ao passo que uma história ganha vida por meio de efeitos sonoros, alimentando nossa imaginação. Filmado com câmeras IMAX, a fotografia de Autumn Durald Arkapaw (de Pantera Negra: Wakanda Para Sempre) fica ainda mais opulenta com os planos abertos das paisagens do Mississipi, rendendo quadros prontos para serem emoldurados, como aquele envolvendo um vasto campo de algodão e outro focando o ataque aéreo de um vampiro enquanto o céu é cortado por um raio. No entanto, o excesso de escuridão atrapalha a mise-en-scène em alguns momentos. É possível argumentar sobre a necessidade de uma paleta mais escura com o intuito de potencializar o efeito presente nos olhos dos vilões, mas isso cai por terra durante as sequência mais bem iluminadas.

E já que estamos falando sobre pontos negativos, o terço final se revela o mais frágil da narrativa: Sóbrio na concepção da ação e implacável no suspense, Ryan Coogler recorre a clichês enferrujados no clímax, submetendo-se a questionamentos bobos (como Fumaça conseguiu chegar tão rapidamente para salvar Sammie e bem na Hora H?). Para piorar, o cineasta inclui diversos “finais”, passagens que serviriam para encerrar adequadamente a história, mas que antecedem momentos idênticos, soando redundante especialmente ao amarrar as pontas soltas referentes a Sammie.

Estreando no Cinema, Miles Caton era apenas uma promessa da Música antes de ser convencido pela cantora H.E.R. a fazer uma audição para Pecadores. Apesar de encantar com suas habilidades vocais, é sua atuação que acaba surpreendendo, ao canalizar o imenso potencial adormecido de Sammie. É impressionante como o novato consegue soar, ao mesmo tempo, vulnerável (por sua aparente fragilidade) e forte (graças à determinação que transmite). Não à toa, ele é o escolhido para guiar a história, sendo o primeiro do elenco a aparecer e o responsável por encerrá-la.

Provocando alguns sustos potentes (o da cobra na caminhonete talvez seja o maior de todos justamente por induzir que o público o subestime), Ryan Coogler assegura-se como um dos mais eloquentes contadores de histórias em Hollywood, provando também ser capaz de criar um blockbuster de alto nível, oferecendo a mistura perfeita de entretenimento e reflexão.


NOTA 8


Observação: Há uma sequência após os créditos finais protagonizada por uma lenda da Música

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