"Star Wars: Os Últimos Jedi" aposta nas surpresas para cativar os fãs
Há dois anos, quando O Despertar da Força chegava estrondosamente aos cinemas, muito falou-se sobre a estrutura de seu roteiro assemelhar-se em demasia ao do primeiro filme da série, Uma Nova Esperança, lançado 38 anos antes. Os méritos eram exaltados, com amplo destaque à bem-sucedida estratégia de apresentar personagens novos sem esquecer das icônicas e clássicas figuras da primeira trilogia, mas a estrutura narrativa era sempre tema de calorosos debates, com um lado argumentando sobre uma “cópia” e outro enxergando no roteiro o ponto de vista de contar uma história nova, porém com elementos familiares.
Independentemente de ser, ou não, uma “cópia” (e há, de fato, elementos que embasem esse argumento), este Episódio VIII passa muito longe de ser considerado uma mera repetição, tomando atitudes inesperadas que, além de amplificarem o alcance da mitologia, contribuem para o enriquecimento de um enredo mais complexo do que se supunha.
Logicamente, grande parte da eficácia dessas corajosas decisões passa pelo diretor/roteirista Rian Johnson, cujo magnum opus é a excepcional ficção científica Looper: Assassinos do Futuro, onde demonstrou um notável talento como roteirista, além de comprovar um olhar sofisticado para a ação.
E é justamente isso que ele traz para Star Wars: Os Últimos Jedi. Equilibrando-se com maestria entre o humor e a reverência, Johnson oferece um repertório vasto, ao conseguir divertir através de gags físicas (como a que envolve o General Hux logo no início), recorrentes (as criaturas encapuzadas do planeta de Luke Skywalker) e, principalmente, através de diálogos afiados, que também se tornam frases de efeito graças à performance marcante de Mark Hamill (comentarei mais adiante).
Ademais, o cineasta resgata o lado solene dos filmes clássicos, alcançando resultados irregulares, já que ora acerta no contexto (“a esperança é como o Sol: se você só acredita nele quando o vê, então não sobreviverá à noite”), ora flerta com o piegas (“não vencemos enfrentando o que odiamos, e sim salvando a quem amamos”).
Além disso, Johnson demonstra dificuldade em lidar com uma gama tão vasta de personagens (leia-se “elenco inchado”), por vezes apelando para recursos que juntam quase todos num só lugar, falhando ao desenvolvê-los apropriadamente em meio a situações complexas, o que gera efeitos colaterais, como o fato de não conseguirmos nos importar com Holdo (personagem de Laura Dern), devido ao seu limitado tempo de tela, e ao ritmo arrastado que acaba por atingir o segundo ato, que não dá conta de tantos personagens em tantas situações diferentes.
Felizmente, essas imperfeições são pecadilhos perto dos acertos da produção, e nesse sentido, as batalhas aéreas vistas aqui são, provavelmente, as melhores de toda a série, com direito a sequências vertiginosas que empolgam não só por meio dos excelentes efeitos visuais, mas também em função da elaboração e da criatividade delas, como, ainda no prólogo, ao ilustrar uma capacidade de manobra dos X-Fighters até então inédita. Todas as sequências de ação, vale ressaltar, são espetaculares e, além do prólogo supracitado, os combates que acontecem no terceiro ato são um verdadeiro primor de design de produção.
Por falar em design de produção, o trabalho suntuoso de Rick Heinrichs impressiona ao conseguir utilizar o vermelho em diversas composições, mas atribuindo um significado diferente a cada uma delas, com destaque para o imponente aposento do Supremo Líder Snoke (dublado por Andy Serkis) que, completamente tomado por um vermelho-sangue, serve brilhantemente para ilustrar o contexto no qual está inserido.
Já a fotografia de Steve Yedlin (também de Looper: Assassinos do Futuro) destaca-se pela ótima composição de quadros (meu favorito é aquele que mostra Luke meditando com o Sol ao fundo), decepcionando apenas se comparado com os ótimos resultados alcançados por Dan Mindel em O Despertar da Força.
Enquanto isso, o mestre John Williams comprova ainda estar em plena forma, encantando com os acordes clássicos, reaproveitando as belas melodias criadas para o filme anterior, e compondo outros bons temas, como aquele que acompanha as cenas entre Finn e Rose e a sacada genial de incluir acordes que remetem aos faroestes para conduzir um determinado duelo durante o terceiro ato. E a fotografia de Yedlin entra na brincadeira ao focar os personagens de baixo para cima e investir no plano americano.
Além de referenciar os faroestes, Os Últimos Jedi também emula a estética dos filmes de guerra ao filmar parte da batalha final adotando a câmera na mão e sempre próxima dos personagens, num momento apropriado onde a própria ambientação, que inclui homens entrincheirados em meio ao ataque de um exército, já gritava por tal ideia. Sem esquecer das tradicionais cortinas de transição (marca registrada de Star Wars), o montador Bob Ducsay se desdobra para conferir dinamismo a uma trama complexa e abarrotada de personagens, mas acerta em cheio mesmo ao sugerir precisamente a ligação de dois deles apenas através da montagem, numa solução correta e até mesmo sofisticada em alguns momentos.
Em relação ao elenco, Os Últimos Jedi presenteia Mark Hamill com a honrosa oportunidade de viver o mesmo papel em idades completamente distintas. Aliás, é particularmente comovente (e impactante) ver um ícone como Luke Skywalker agora com barba grisalha e rugas. E Hamill se entrega com vigor: hábil ao conferir uma aura cansada a Skywalker, o ator é especialmente eficaz ao ilustrar a transformação do herói em uma lenda, tendo plena consciência do que isso significa.
Com um arco dramático bem delineado, o (agora) velho Skywalker é um sujeito que aprendeu a controlar e ampliar seus poderes, mas que se encontra traumatizado com um incidente em que tentava transmitir seus conhecimentos. E como é bom ver Luke Skywalker finalmente confiante e seguro de si, arriscando até mesmo provocações a rivais. Eis que surge Rey, heroína do filme anterior, mais uma vez interpretada pela encantadora Daisy Ridley, que, com seu carisma juvenil, tem a chance de explorar o lado bravo da mais nova aprendiz de Luke Skywalker. Confortável em cena, Ridley exibe flexibilidade e impressiona pela agilidade de seus movimentos, saindo-se admiravelmente bem nas lutas e entregando uma atuação convincente nos momentos de maior densidade dramática.
Entretanto, do elenco recém-renovado, o destaque fica mesmo por conta de Adam Driver, que aqui consegue explorar com exatidão as nuances e os conflitos de seu personagem. Mesmo com um timbre forte, Driver profere seus diálogos sempre com uma voz cadenciada, tranquila, como se contrastasse diametralmente ao que se passa em sua mente, dominada por dilemas e o peso de decisões sombrias.
Também convencendo nas sequências de ação, Driver comprova o tamanho do acerto do casting da produção, que, por outro lado, ousou ao apostar em Benicio Del Toro para o curioso papel de um enigmático “decodificador” (leia-se ladrão). Exibindo uma fascinante gagueira, Del Toro mostra que poderia perfeitamente encarnar papéis maiores, ao que o Supremo Líder Snoke, ponto fraco do longa anterior em função da natureza artificial dos efeitos digitais empregados em sua construção, aparece incrivelmente realista, denotando a absurda evolução do CGI da franquia (e consequentemente, a fragilidade da criação anterior), esbanjando naturalidade nos movimentos e na expressão facial, essencial, por exemplo, para adicionar drama numa cena-chave que ocorre mais perto do final.
Densidade dramática que, por sinal, é o que não falta a Star Wars: Os Últimos Jedi (e é interessante notar como a ação da série sempre vem acompanhada de um forte componente emocional). Apesar da habitual atmosfera aventuresca, e que aqui ganha um tom fanfarrão que deixa tudo ainda mais divertido, o longa-metragem se permite criar momentos onde a intensidade vista em cena é quase palpável, e o teor de algumas passagens aproveita-se desse clima leve para que possamos sentir o peso de determinadas atitudes, fazendo com que as surpresas da produção ganhem ainda mais impacto.
Pecando ao incluir pouquíssimos duelos de sabres-de-luz (um aspecto também criticado do Episódio VII, mas que aqui soa ainda mais frustrante se considerarmos os esticados 152 minutos de projeção), Star Wars: Os Últimos Jedi ao menos conta com mais uma participação do adorável droide BB-8, que rouba a cena e conta com alguns dos melhores momentos de um filme já extremamente divertido e que comprova a Força de uma série que não demonstra o menor indício de chegar ao fim.
Autêntica e repleta de personalidade, essa nova fase tem tudo para continuar fazendo jus ao legado de George Lucas, não devendo em nada à primeira trilogia.
NOTA 8
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