"Thunderbolts*" surpreende com autocrítica e alerta para a saúde mental
- Guilherme Cândido
- 30 de abr.
- 4 min de leitura

Quando Yelena Belova (Florence Pugh) começa o filme relembrando a morte da Viúva Negra, citando estar perdida e entediada, até parece vocalizar os roteiristas da própria Marvel. Caso este Thunderbolts* tivesse sido lançado há três anos, quando a Casa das Ideias atingiu o fundo do poço criativo, poderíamos dizer que o Marvel Studios estava levando para as telas os seus próprios dramas da vida real. O mais novo lançamento do MCU, porém, chega numa época em que o estúdio parece ter se reencontrado. Ao contrário do que a narração expõe, a Marvel não apenas já sabe o que fazer, mas como fazer. O longa chega para sepultar de vez a desconfiança que pairava em meio a polêmicas de bastidores e uma crise imaginativa que parecia não ter fim. Ou ao menos é o que o produtor Kevin Feige busca desesperadamente, torcendo para o fraco Capitão América: Admirável Mundo Novo (referenciado aqui) ter sido um ponto fora da curva.

A trama escrita por Eric Pearson (Viúva Negra) e Joanna Calo (da série The Bear) não traz grandes inovações, pelo contrário, reaproveita a boa e velha fórmula de anti-heróis com personalidades distintas e explosivas tendo de deixar as diferenças de lado para se unirem contra um inimigo em comum. Esse mesmo modelo já se provou eficiente não apenas na casa, com Guardiões da Galáxia (2014), mas também na concorrência, com O Esquadrão Suicida (2021).

Mas se a Marvel correu um risco tremendo ao adaptar as histórias estreladas por Peter Quill, Rocket e companhia - longe do prestígio e da popularidade de Vingadores originais do quilate de Homem de Ferro e Capitão América – como fazer um filme protagonizado por John Walker e pelo Guardião Vermelho, figuras do quarto escalão do MCU? Afinal, eles sequer são protagonistas, vindos de uma série de TV (Falcão e o Soldado Invernal) e um fracasso de bilheteria (Viúva Negra), respectivamente.

Para enfrentar esse desafio, Pearson e Calo aumentam a aposta, lançando mão de questões de saúde mental e jogando a imprevisível Valentina Allegra de Fontaine (vivida pela sempre brilhante Julia Louis-Dreyfus) para o segundo-plano. Não é todo dia que vemos um blockbuster multimilionário investir num clímax em que seus heróis precisam ajudar o vilão a superar a depressão para conseguirem salvar o dia. E mesmo que o roteiro não sustente essa ideia por muito tempo, pois em Hollywood tudo se resolve na base da pancadaria, a surpresa não deixa de ser impactante.

Nada surpreendente, porém, é ver Lewis Pullman mais uma vez sendo sacaneado por se chamar Bob, exatamente como aconteceu no ótimo Top Gun: Maverick. Mas se no sucesso bilionário de Tom Cruise, isso não passou de uma boa piada, aqui, Bob é a personificação daquele tipo de pessoa cuja resignação talvez signifique uma batalha interna. Ele é quem catalisa o discurso em prol da atenção ao estado psicológico, que muitas vezes pode passar batido. É uma pena que as demandas superpoderosas do papel tenham impedido Pullman de adotar uma caracterização mais verossímil, pois apesar de surgir cabisbaixo, monossilábico e com cabelos desgrenhados, há uma cena em que vemos nitidamente seu físico definido, num deslize semelhante ao Batman de Robert Pattinson.

No restante do tempo, Thunderbolts* se encarrega de servir o pastiche super-heroico de sempre, mas com um ou outro set-piece mais bem temperado, como a primeira aparição do Soldado Invernal (Sebastian Stan, mais à vontade que nunca), a longa sequência de Florence Pugh emulando o estilo de luta acrobático de Scarlett Johansson antes de explodir um andar inteiro ou o momento-chave em que o heroísmo finalmente é abraçado pelos membros da equipe. Tudo isso intercalado com um humor mais equilibrado, já que o diretor Jake Schreier (Cidades de Papel) felizmente sabe a definição de “alívio cômico”.

Por outro lado, o roteiro pesa a mão no melodrama ao tentar se aprofundar nas rusgas entre Yelena e o Guardião Vermelho (David Harbour, sob toneladas de canastrice), reciclando um dos conflitos de Viúva Negra (2021). Esses personagens, aliás, são pivôs de um problema que há anos afeta as produções norte-americanas, pois, mesmo sendo russos, mantém conversas privadas em inglês, o que não faz sentido e ainda acaba expondo a natureza artificial dos sotaques de Pugh e Harbour.

Beneficiando-se de uma autocrítica cujas benesses são potencializadas pelo teor satírico do texto, Thunderbolts* sabe tirar sarro do desgaste de sua própria fórmula: note por exemplo, como não passa batido o fato de que, a essa altura, qualquer personagem pode ostentar um “escudo bumerangue”, ou as piadas envolvendo os diferentes detentores do título “Capitão América”. Schreier e os roteiristas tomam ciência dos dezessete anos de produção cinematográfica da Marvel, lançando mão de artifícios que vão além dos easter-eggs (é bom ter o primeiro Vingadores fresco na memória).

Não resistindo ao impulso de fazer campanha para o próximo produto a ser comercializado, Thunderbolts* representa um passo reflexivo da Marvel rumo a um futuro que, agora sim, dá motivos para seus fãs terem esperanças por uma nova era de glórias.
NOTA 7
Observação: Obviamente, há (duas) sequências adicionais.