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'Confinado' esvazia debate moral com ação invasiva

  • Foto do escritor: Guilherme Cândido
    Guilherme Cândido
  • 30 de mai.
  • 3 min de leitura


Depois de encarnar o palhaço demoníaco Pennywise nas duas partes de It: A Coisa e o Conde Orlok do recente Nosferatu, dessa vez Bill Skarsgård é quem sofre nas mãos de uma figura vilanesca, embora nada primitiva ou sobrenatural. Em Confinado, o sueco interpreta Eddie Barrish, um criminoso de quinta categoria em apuros financeiros tão grandes que mal consegue pagar o conserto do próprio carro, com o qual trabalha para sustentar a filha pequena. Um subterfúgio simples, mas que o roteirista Michael Arlen Ross emprega com eficiência para mostrar o lado humano do criminoso e que será tão questionado quando a voz de Anthony Hopkins ecoar pela primeira vez.


Desesperado, Barrish tenta roubar um luxuoso SUV estacionado num local pouco frequentado. Parecia um alvo perfeito até o sujeito perceber que não consegue sair do veículo, pois as portas foram trancadas misteriosamente. Após tentar de tudo, incluindo a péssima ideia de atirar no vidro blindado (lhe rendendo graves consequências), ele é surpreendido com uma chamada de áudio feita pelo próprio dono do possante e recebida pelo sistema interno. Atendendo pelo nome de William, que se apresenta como um vingativo médico pronto para evitar ser assaltado pela enésima vez, concebendo, para isso, um engenhoso plano sob medida para torturar o desafortunado que conseguisse acesso ao seu precioso bem.

Locked (no original), na verdade é o segundo remake de 4x4, longa argentino de 2019 dirigido por Gastón Duprat (dos excelentes O Cidadão Ilustre e Concorrência Oficial) e que ainda rendeu A Jaula (2022), subestimada versão brasileira com Chay Suede e Alexandre Nero. Seguindo as tradições hollywoodianas, o filme atualiza a trama de Duprat com valores de produção dignos de um blockbuster, incluindo movimentações de câmera e modificações pontuais no enredo a fim de injetar alguma ação em meio à narrativa de cenário único.

Embora nem sempre funcione quando decide colocar o carro em movimento, Confinado se beneficia de uma atuação intensa de Bill Skarsgård, que não economiza nos modos abrutalhados para refletir a decadência psicológica do protagonista, paulatinamente engolido por seus instintos mais primitivos. Já Anthony Hopkins se esforça para resgatar a dicção perfeita e as falas calculadas de Hannibal Lecter, mas sucumbe a um discurso que mais parece saído de um perfil raivoso e reacionário de uma rede social qualquer.

É verdade que alguns argumentos são bem pontuados e a situação crítica de Barrish impõe um dilema moral ao espectador nos momentos mais conflitantes, mas a ânsia pela ação dilui o caráter cerebral da obra, que no final das contas se resolve à base da mesma violência que há tanto tempo domina a Indústria, sobrando pouco para reflexão.

O design de produção, óbvio chamariz através do carro, um fictício “Dolus” construído especialmente para o projeto e modificado de acordo com as necessidades da equipe técnica, sobressai sem precisar recorrer aos famosos Teslas, tão em voga, mas marcados pela sequência assustadora do fraco O Mundo Depois de Nós (2023), sucesso da Netflix.

Diferente de A Jaula, que soube articular seus pontos de vista com a vantagem de ter sido lançado no auge da polarização política no Brasil, Confinado acaba sabotado pelas limitações de Michael Arlen Ross, roteirista de poucos, mas sofríveis filmes como Turistas (2006) e Fallen: O Filme (2016) e cuja narrativa depende de estímulos sensoriais para não perder o público de vista, tendo algum sucesso ao brincar com as nossas percepções em sequências pontuais, como aquela da jovem que se aproxima do carro apenas para aproveitar o reflexo do vidro, ou o momento escatológico protagonizado por um Eddie Barrish atordoado pela sede.

Alternando entre digressões intermináveis e passagens que servem para mostrar o quão expressivo e comprometido Bill Skarsgård pode ser mesmo sem estar na pele de um vilão, quem sai ganhando mesmo é Hopkins, que ao atuar majoritariamente através de sua voz, provavelmente recebeu o cheque mais fácil de sua invejável carreira.


NOTA 4,5

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