"O Contador 2" investe no humor para superar o primeiro filme
- Guilherme Cândido
- 23 de abr.
- 4 min de leitura

Numa indústria ainda dominada pelos super-heróis, cuja supremacia é desafiada por derivações nostálgicas na linha de Top Gun: Maverick e Os Fantasmas Ainda Se Divertem, o sucesso de O Contador em 2017 foi uma surpresa das mais agradáveis. Orçado em 40 milhões de dólares, o thriller com Ben Affleck na pele de um assassino autista faturou quase o dobro em sua turnê pelo mundo. Isso mostra que o público ainda se interessa pelo bom e velho Cinema de Ação, sem rompantes megalomaníacos, apenas escapismo objetivo. O grande trunfo do filme de Gavin O’Connor, no entanto, foi justamente a entrada de Jon Bernthal em cena, como o irmão explosivo do personagem-título. Claro, o cineasta nova-iorquino tinha algumas cartas na manga (além da originalidade) especialmente sobre a natureza dos ajudantes do protagonista, mas o final de O Contador nos deixava com um gosto de quero mais em relação à dupla Affleck/Bernthal. De forma inteligente, esta continuação dá ao espectador exatamente o que prometeu, concebendo uma história sob medida para que os atores possam brilhar ao explorarem o choque de personalidades.

Menos sisudo, O Contador 2 deixa o suspense de lado para explorar o potencial cômico da reunião entre Chris e Braxton, assassinos de métodos tão díspares quanto a forma com que se relacionam com o mundo. O resultado é um filme mais leve, capaz de divertir principalmente por não se levar a sério. Se o longa anterior sofria com uma trama mais complexa do que deveria e que, ao focar nos maneirismos de Affleck acabava flertando com um olhar problemático sobre o autismo (quase um superpoder), dessa vez somos convidados a acompanhar uma jornada mais convencional, humilde ao comprovar que menos, em alguns casos, é mais.

Respeitando os oito anos que se passaram desde a estreia do longa original, a produção não perde tempo explicando o que aconteceu a Chris Wolff nesse ínterim. Os fãs de Anna Kendrick, intérprete do interesse amoroso de Wolff, talvez fiquem desapontados com sua ausência por aqui, mas a verdade é que o Contador Assassino seguiu em frente e, felizmente, seu desprendimento é um traço orgânico dentro da narrativa. O que não funciona tão bem, no entanto, é a dinâmica que ele estabelece com Marybeth (Cynthia Addai-Robinson, a Míriel da série de O Senhor dos Anéis), policial que pede sua ajuda para solucionar um caso de desaparecimento. O roteiro novamente escrito por Bill Dubuque (criador da extraordinária série Ozark) tenta vender a personagem como uma espécie de bússola moral, mas todos sabemos que ela só está ali para possibilitar a reunião entre Chris e Braxton. Tanto que a dupla não demora a esnobá-la, ridicularizando seu lado “certinho”.

É aí que O Contador 2 decola, dando sumiço em Marybeth para que a química entre Bernthal e Affleck domine cada segundo da projeção. O primeiro diverte-se com Braxton, um provocador nato e facilmente irascível, enquanto o segundo se redime ao não definir Chris por sua condição. Mantendo a fala rápida (ilustrando o raciocínio) e o semblante sério, Affleck faz um bom trabalho, absorvendo o humor ao incorporar o sorriso falso como marca registrada das tentativas de Chris em mostrar simpatia. Apesar das dificuldades, ele é perfeitamente capaz de dar o primeiro passo num relacionamento (mesmo que por meios ortodoxos) desde que não seja com o irmão, que por sua vez é vivido com segurança por Jon Bernthal (o Justiceiro da Marvel na TV), agarrando mais uma oportunidade de mostrar carisma e talento.

E quando surgem discordâncias mais profundas, o texto não pesa a mão no melodrama, atendo-se ao simples. Ao fazê-lo, O Contador 2 acaba funcionando ainda melhor que o primeiro, seja na bem-vinda adição do humor, ou nas sequências de ação, ainda extremamente ágeis e bem coreografadas. E até as armas servem para ilustrar as diferenças entre os irmãos (Brax escolhe uma metralhadora, ao passo que Chris prefere armamento cadenciado).

Também é interessante perceber como os figurinos de Isis Mussenden (indicada ao BAFTA em 2007 por As Crônicas de Nárnia: O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa) complementam o entendimento sobre os personagens, refletindo, por exemplo, a desconexão de Chris ao vestí-lo com trajes irregulares. Não apenas em função das camisas adolescentes, mas também por combinar tênis chamativos com camisas sociais e calças cáqui. Já Braxton chega a ser visto apenas de cueca num determinado momento, sempre usando preto. Da mesma forma, só a sequência de um combate brutal já justifica a escolha de Bryce Dassner para compor a trilha sonora. Acostumado a assinar melodias melancólicas (vide Cyrano e o recente Todo Tempo Que Temos), Dassner é brilhante ao empregar o piano para sugerir o desfecho potencialmente trágico do confronto supracitado.

Pecando ainda ao se escorar na Síndrome de Savant Adquirida para afastar a vilã de comparações com Jason Bourne, o longa ainda apresenta um ritmo claudicante, vítima de uma trama que se estende por notáveis 2 horas e 12 minutos, com transições nem sempre sutis. O clímax, aliás, é preparado às pressas, lançando Chris e Braxton numa operação de resgate com motivos altamente suspeitos, mas que acabam desculpados graças à habilidade de Gavin O’Connor em oferecer todas as ferramentas possíveis para o elenco manter a engrenagem funcionando, fazendo com que O Contador 2 soe como um aprimoramento do primeiro filme, mantendo a tradição de deixar um gostinho de quero mais.
Que não tenhamos de esperar outros oito anos para vermos Chris e Brax juntos novamente.
NOTA 7