'Chefes de Estado' funciona como um filme de ação dos anos 80
- Guilherme Cândido
- 3 de jul.
- 3 min de leitura

Por algum motivo obscuro, o pessoal da Amazon/MGM se sente particularmente atraído por filmes capitaneados por chefes de estado. Quase três meses depois do irregular G20, o Prime Video volta a receber em seu catálogo um longa-metragem focado numa aliança global. Ambos os roteiros utilizam tropos clássicos do Cinema de Ação, mas enquanto a produção estrelada por Viola Davis pecou por se levar demasiadamente a sério, Chefes de Estado (sim, direto ao ponto), triunfa ao trilhar o caminho oposto.
Também é difícil negar a sagacidade da escalação de John Cena e Idris Elba como os líderes de seus respectivos países. Ou quase isso, já que, apesar de Cena encarnar o presidente dos Estados Unidos, Elba é o Primeiro-Ministro da Inglaterra, e não o Rei. Beneficiando-se da química testada e comprovada no ótimo O Esquadrão Suicida, a dupla não poderia ser mais exótica, e fica melhor quando Priyanka Chopra-Jonas, na pele de uma agente casca grossa, entra em cena para formar o trio mais improvável dos últimos anos.

Nesse tipo de projeto, a narrativa compreensivelmente fica em segundo plano, assim como os mecanismos do roteiro escrito por Josh Appelbaum e André Nemec (responsáveis pelos scripts de Missão: Impossível - Protocolo Fantasma e dos dois As Tartarugas Ninja estrelados por Megan Fox), servem como meros facilitadores. Os roteiristas sequer demonstram preocupação em disfarçar artifícios, escancarando a inspiração em várias das mais famosas convenções da década de 80. A relação interracial forjada em prol de um objetivo em comum, a conspiração megalomaníaca, o traidor infiltrado, os opostos que se odeiam e passam a nutrir confiança mútua e até mortes falsas fazem parte do repertório.

Cena e Elba se adaptam ao desenvolvimento à moda antiga do script, divertindo-se no processo ao explorarem as diferenças de seus personagens, mirando (claro), o choque cultural entre estadunidenses e ingleses. A canastrice rasgada do primeiro combina com a elegância circunspecta do segundo, servindo como um espelhamento jocoso de ambas as sociedades, ao passo que Chopra-Jones (da série Citadel e de Matrix Resurrections) surpreende ao emular (bem) o arquétipo dominado por titãs como Kevin Costner, Bruce Willis e Pierce Brosnan. Já o texto, verdade seja dita, não vai muito além do óbvio, chegando a incorporar piadas exaustivamente utilizadas para satirizar costumes. No entanto, a régua do streaming é baixa e os próprios assinantes já chegaram a transformar filmes inferiores em hits (vide Netflix e seus ‘originais’), aumentando a tolerância graças não apenas à entrosada dupla protagonista, mas também a sequências de ação verdadeiramente bem concebidas, cortesia de Ilya Naishuller, cineasta que ao longo dos anos se aprimorou na arte de misturar ação e comédia.

Após despontar com o espetacular Hardcore: Missão Extrema (2015) e conseguir a proeza de transformar o comediante Bob Odenkirk em astro de ação no divertidíssimo Anônimo (2021), o russo vai além do equilíbrio entre explosões, tiros e gargalhadas, encontrando um meio-termo igualmente eficiente na natureza gráfica dos set-pieces. Ao contrário de seus hiperviolentos filmes anteriores, Chefes de Estado encontrará um público mais abrangente, pois adota uma coreografia menos brutal e mais centralizada em elementos mainstream (espere por gloriosas tomadas em câmera lenta, por exemplo). Por outro lado, se aprecio a homenagem ao subestimado Mandando Bala (2007) - alguém pular num cabo descendo de um edifício ao som de Kickstart My Heart não pode ser coincidência -, o uso de músicas populares para embalar a ação, marca registrada do diretor, mostra-se excessivo e até gratuito em alguns momentos, como a breve e inofensiva corrida para pegar um trem ao som de Total Eclipse of the Heart (um trecho, na verdade).

O que se revela pouco para desabonar um produto concebido sob medida para desanuviar a mente de um espectador pós-trabalho ou embalar um sábado à noite em família. O fato de ser bem dirigido (e utilizar com perfeição o carisma de seu elenco) é um luxo raro nos streamings.
NOTA 6