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Festival do Rio 2025 | Dia 2

  • Foto do escritor: Guilherme Cândido
    Guilherme Cândido
  • há 14 minutos
  • 6 min de leitura

A Cerca (The Fence, França)

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A emblemática cineasta francesa Claire Denis, autora do atemporal Bom Trabalho (1999), está de volta ao Festival do Rio três anos após apresentar o bom Stars at Noon (2022). Seu mais novo trabalho, desembarca na capital Fluminense após fazer uma carreira sólida no circuito de festivais, com exibições em Toronto, San Sebastián e Nova York.


A Cerca é baseado na peça do dramaturgo Bernard-Marie Koltès entitulada Combat de nègre et de chiens (“Luta de Negros e Cães”, em tradução livre) de 1979 e adaptada ao Cinema pela própria Denis em parceria com Suzanne Lindon e Andrew Litvack. A primeira cena, dedicando longos minutos a um personagem cantando dentro de um carro, já dá o tom do que virá.


Na trama ambientada na África Ocidental, uma empresa estrangeira registra um acidente fatal envolvendo um de seus funcionários locais num canteiro. É quando chega Horn (Matt Dillon), mestre de obras e espécie de faz-tudo que fica encarregado da solução do problema, uma mancha na imagem dos “bondosos” exploradores forasteiros. Confiando na própria lábia, ele logo assume a frente da empresa, mas se depara com um resiliente aldeão. Trajado elegantemente e ostentando uma retórica cuidadosa, Alboury (Isaach De Bankolé) só tem um pedido: pegar o corpo do falecido (seu irmão) e levar para ser velado com seu povo. Mas o tal acidente é mais complexo do que parece e também envolve o grosseiro Cal (Tom Blyth), encarregado de transportar a recém-chegada esposa de Horn do aeródromo até a instalação da corporação.


A natureza que fez de A Cerca um célebre conto anticolonialista nos palcos, é a mesma que condena sua adaptação cinematográfica, pois o script, ao tentar manter-se fiel ao texto de Koltés, acaba limitando o filme. O componente teatral não está apenas na troca incessante de diálogos, mas na necessidade de manter todos os personagens confinados num mesmo espaço.


Ferindo a verosimilhança, as figuras vistas no longa raramente soam como pessoas de carne e osso, pois não dormem e não possuem necessidades fisiológicas, por exemplo. Além disso, a entrada em cena, bem como sua saída, torna tudo ainda mais artificial, com Horn participando de conversas externas logo após se retirar para seus aposentos, para ficar em apenas um exemplo. Isso para não mencionar o momento em que o mestre de obras deixa a esposa sozinha com um sujeito sabidamente perigoso.


Pouco acontece nos 109 minutos de projeção, cabendo ao espectador se contentar com simbolismos sutis salpicados por Denis, como o instante em que Alboury se comunica com os porteiros da empresa em Iorubá, sendo prontamente atendido, o que mostra a união daquele povo mesmo estando em lados opostos da cerca (outro componente metafórico).


Para piorar, tanto a postura firme de Alboury, quanto a insistência de Horn em algum momento esgotam a paciência do espectador, obrigado a ver a situação se repetir indefinidamente até a chegada do epílogo, onde Tom Blyth (destaque como o Snow de Jogos Vorazes: A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes) brilha precisamente por ter a sorte de interpretar o único personagem verdadeiramente imprevisível da história.


NOTA 4,5



Alpha (Idem, França)

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Depois de chocar o mundo do Cinema ao se tornar a segunda mulher a levar a Palma de Ouro, Júlia Ducournau, claro, recebe todos os holofotes possíveis no lançamento de seu filme seguinte, este Alpha, com o qual competiu pelo bicampeonato em Cannes. Além do triste componente machista, sua vitória ainda contou com o bônus pelo tipo de filme que dirigiu, o singular Titane (2021). Trabalhando uma rica sucessão de alegorias surreais, o longa-metragem serviu para mostrar a predileção de Ducournau por elementos de body horror, remetendo imediatamente ao mestre David Cronenberg. Em Alpha, o horror corporal está de volta, embora dessa vez seja mais uma ferramenta estético do que propriamente narrativa.


Aliás, ainda que volte a mostrar personalidade e segurança como diretora, infelizmente suas habilidades de roteirista decepcionam quando percebemos a natureza dispersa da narrativa. Entre as tramas brigando pela atenção de Ducournau está um coming of age e uma metáfora escancarada sobre a epidemia de AIDS nos anos 80, por exemplo. Há também drama de relacionamento entre tio e sobrinha, um personagem lutando contra o vício em heroína e uma médica paranóica afetando a vida de sua família.


O que acaba chamando mais atenção, claro, é o tal vírus misterioso: funcionando como a já citada alegoria sobre a AIDS, a condição também oferece um prato cheio para Ducournau explorar sua criatividade. Num exemplo prático de economia narrativa, a artista usa apenas um movimento de câmera, passando por uma ala de infectados, para mostrar vários estágios da doença, exemplificando sua progressão. O ótimo trabalho de maquiagem transforma seres humanos em verdadeiras estátuas de mármore num nível, e deixa a pele com a textura de um solo árido quebradiço em outro, o que rende um dos momentos mais aflitivos da obra quando um infectado é submetido a uma biópsia.


Contando com uma fotografia inteligente que faz uma perfeita distinção entre os flashbacks e o presente (algo fundamental dada a mistura de elementos feita por Ducournau), Alpha infelizmente soa repetitivo ao ilustrar os efeitos da paranóia sobre a protagonista e a reação de suas colegas de escola, invariavelmente incorrendo no bullying. Essas passagens inclusive podem gerar um outro significado, mais condizente ao coming of age e a relação das meninas com o sangue gera uma imagem evocativa envolvendo uma piscina.


Pecando mais clamorosamente em seu desfecho, quando apela para imagens gráficas e gera múltiplos finais, Alpha pode até ser um trabalho irregular de Júlia Ducournau, mas a cineasta tem crédito suficiente para permanecer no radar dos cinéfilos.


NOTA 6,5



Sonhos (Dreams, EUA/México)

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Jennifer McCarthy (Jessica Chastain) é executiva de uma empresa do tipo que realiza ações filantrópicas para passar uma imagem progressista ao público. Uma dessas ações envolve uma filial na Cidade do México, prestando auxílio aos locais e fomentando a economia do lugar. É justamente onde ela conhece Fernando (Isaac Hernández), um jovem sem rumo cujo talento único parece aquele voltado para o balé. Desse encontro inesperado, brota uma relação tão fulminante quanto inesperada, a ponto de o rapaz imigrar ilegalmente para os Estados Unidos a fim de se unir à amada.


A partir daí, o roteiro escrito por Michel Franco (que também dirige) ironiza o próprio título ao focar na obsessão de Jennifer por Fernando, que com a evolução da relação, passa a demandar mais do que efêmeros encontros sigilosos.


Vencedora do Oscar por Os Olhos de Tammy Faye (2021), Jessica Chastain constrói Jennifer como uma mulher poderosa e desacostumada a ter seus desejos negados. Talvez por isso, sinta uma atração quase maníaca por Fernando, sabendo se tratar de uma união impossível por diversos tabus. Além disso, pelo segredo, é ela quem tem de ir atrás do sujeito para ter seu apetite saciado.


Aos poucos tudo vai pelos ares à medida que as desigualdades vão se ampliando. Não em termos financeiros ou sociais, mas na forma com que Jennifer trata Fernando: um mero brinquedo sexual. E a Isaac Fernandez cai bem tanto o arquétipo do amante latino, quanto do jovem fogoso.


Se por um lado a narrativa desperta curiosidade por evitar convenções (nada de perseguições ao sonho americano por aqui), por outro, entrega-se a joguetes sexuais mais apropriados à franquia Cinquenta Tons de Cinza (2015-2018), com destaque para a sequência de sexo que, rodada numa escada, consegue ocultar os genitais do casal através da presença conveniente dos degraus.


Franco também é competente ao estabelecer os contrastes entre Jennifer, uma solitária e Fernando, um menino simpático e querido por todos à sua volta. Até por isso, a escolha por tons frios para banharem as cenas protagonizadas pela mulher e o amarelo quente que envelopa as sequências com o rapaz, representa um toque sutil e adequado da parte do diretor de fotografia Yves Cape.


Infelizmente, Franco parece tão enebriado pelo thriller erótico em mãos, que se esquece para onde estava indo em primeiro lugar. Tal distração cobra um preço alto, ocasionando uma brusca mudança de tom com o objetivo de se encaminhar para o final. Que apesar de frustrante tematicamente, ao menos merece pontos por permanecer fiel ao arco da protagonista, que jamais se apresentou como uma santa. Longe disso, ela é a personificação perfeita da hiprocrisia que rege o capitalismo estadunidense.


NOTA 6

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