top of page
  • Foto do escritorGuilherme Cândido

Festival Varilux 2023 | "O Astronauta" narra busca por sonho sob um olhar frio


Jim Desforges é um engenheiro aeronáutico que apesar de cumprir funções administrativas na Arianespace, alimenta desde criança o sonho de ir ao espaço. Para isso, chegou a se candidatar a um programa da empresa responsável por uma vaga na próxima missão, mas não passou do terceiro lugar. Um feito e tanto se considerarmos os quase 4.500 que ficaram para trás, mas não para o obstinado Desforges. Inspirado pelo cosmonauta russo Alexey Leonov, que em 1965 se tornou o primeiro humano a caminhar no espaço, o francês busca a ajuda do compatriota Alexandre Ribbot para buscar outro feito: realizar o primeiro voo espacial tripulado amador.


A história é fictícia, mas Nicolas Giraud, protagonista e diretor que também assina o roteiro, se cerca de elementos reais (como a empresa por trás do programa espacial Ariane) para dar credibilidade a essa típica jornada em busca de um sonho aparentemente impossível. É curioso notar também a presença do veterano Mathieu Kassovitz, provavelmente uma inspiração de Giraud já que construiu uma carreira bem-sucedida não só como cineasta (é dele o marcante O Ódio, de 1995), mas também como ator (esteve no adorável O Fabuloso Destino de Amélie Poulain). Aqui, Kassovitz interpreta justamente Ribbot, o astronauta que cumpre papel fundamental na empreitada do protagonista.

O Astronauta, no entanto, encontra sérias dificuldades para se encaixar no competitivo subgênero dos filmes espaciais, principalmente aqueles mais realistas e com menos foco no espetáculo. Seu diferencial, por outro lado, é conseguir soar verossímil sem sacrificar a compreensão do público ou demandar um esforço maior do espectador casual. Diferente de Interestelar, por exemplo, não há diálogos (expositivos) sobre Física Quântica, tampouco os inúmeros cálculos orbitais de Estrelas Além do Tempo. Giraud fecha sua narrativa em torno de Jim Desforges e sua obsessão, o que se torna simultaneamente seu ponto fraco e sua maior força.

Se por um lado merece elogios por se ater ao lado humano, priorizando os relacionamentos de Desforges e os meios utilizados para alcançar seu objetivo, por outro peca por um distanciamento involuntário. Embora eficiente, O Astronauta jamais deixa a superfície, pois o roteiro não se interessa pelos desdobramentos dramáticos. Essa escolha traz à produção uma atmosfera linear, sem qualquer nuance. Para constatar isso, basta perceber o conflito que surge entre o engenheiro e a matemática encarregada de determinar as probabilidades de sucesso da missão. Há uma discordância séria entre os dois e que poderia resultar numa discussão moralmente pertinente dentro da narrativa, mas Giraud se contenta com a mera menção.

Aliás, menções são recorrentes no filme, pois Nicolas Giraud até apresenta uma série de subtramas repletas de potencial, mas não demonstra interesse em desenvolvê-las. A exceção fica por conta do relacionamento entre Desforges e o pai, mas que serve para lembrar ao espectador sobre os riscos envolvendo a realização de seu sonho e nada mais. Sequer sabemos como o protagonista reagiu após um intenso embate, pois na cena seguinte lá estava o engenheiro observando seu foguete com um olhar infantil acompanhado de um largo sorriso.

Essa frieza acaba contaminando praticamente todo o elenco, graças à direção burocrática de Giraud, que quando não está limitado ao protocolar plano/contraplano, está exagerando nos flares (aquele brilho na direção da câmera). O próprio Giraud, como ator, também não dá muita brecha para enxergarmos o interior de Desforges, que acaba se tornando um personagem definido por seu objetivo. Da mesma forma, os demais personagens parecem existir apenas para apoiarem ou reprovarem as atitudes do protagonista, o que não deixa de ser uma pena.

Por outro lado, a produção merece créditos por dar vazão às demandas do roteiro sem deixar a peteca cair. Sim, fica perceptível o uso do CGI em alguns momentos (a diferença da iluminação evidencia o uso de chroma-key em determinadas sequências), mas nada que comprometa a experiência, pelo contrário. Já a trilha sonora do jovem compositor conhecido como Superpoze, mesmo que nada original (a despeito de todo o filme), é eficiente ao pontuar a narrativa sem cair na tentação de guiar os sentimentos do espectador. E se a fotografia do requisitado Renaud Chassaing (Golias) talvez exagere nos tons frios (corroborando o distanciamento dramático), ao menos exibe bons enquadramentos, especialmente em função das belas (e gélidas) paisagens.

Pecando também na falta de sutileza ao sugerir alguma intenção de fugir do óbvio (“observar o espaço é bom, mas não deixe de olhar o que está na Terra”), O Astronauta segue fielmente a cartilha dos filmes sobre sonhadores obcecados, mas esquece do componente fundamental para o sucesso: emoção. E por mais que consiga simplificar um tema habitualmente complexo, a indiferença perante os esforços heroicos de todos os envolvidos é o pior sentimento que uma história como essa pode despertar.


* Crítica publicada durante a cobertura do Festival Varilux de Cinema Francês 2023


NOTA 6

bottom of page
google.com, pub-9093057257140216, DIRECT, f08c47fec0942fa0