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Foto do escritorGuilherme Cândido

Novo 'O Conde de Monte Cristo' surpreende com aventura sombria


Um dos autores mais adaptados da História do Cinema, o francês Alexandre Dumas (1802-1870) talvez seja o maior nome por trás das aventuras “capa e espada”. Você que está lendo talvez se lembre de Os Três Mosqueteiros, obra-prima que jamais deixará de ser levada às telonas (ou telinhas), mas o clássico do momento é O Conde de Monte Cristo, cuja versão mais fresca na memória é aquela dirigida por Kevin Reynolds (o mesmo do Robin Hood com Kevin Costner) e protagonizada por Jim Caviezel (de O Som da Liberdade) em 2002. E embora faça com perfeição o seu trabalho como blockbuster hollywoodiano, certamente comerá poeira quando futuramente for comparada a este longa-metragem que está chegando aos cinemas brasileiros após passagem de sucesso pelo Festival Varilux de Cinema Francês.

Também exibido em Cannes, a nova aventura caseira de Edmond Dantés tem status de superprodução, com orçamento superior até mesmo ao da já citada produção norte-americana. É possível perceber cada centavo dos quase 43 milhões de dólares gastos, principalmente através dos cenários e dos figurinos. Quando é para ilustrar a ostentação do Conde, mansões opulentas são exploradas aposento por aposento, com direito a drone jogando luz sobre os campos verdejantes que compõem o lar do protagonista. Os figurinos, bem desenhados e com um nível de detalhamento que faz jus aos mais recentes vencedores do Oscar, são praticamente uma extensão da personalidade de cada um que os veste. Perceba, por exemplo, como as vestimentas simples, mas confortáveis (e claras) de Dantés dão lugar a trajes elaborados, com várias camadas negras que refletem a natureza sombria de suas intenções.

Esse, aliás, é o maior diferencial desta nova versão de O Conde de Monte Cristo, pois apesar de se apresentar como uma aventura, oferecendo visuais estonteantes e uma trama envolvente, não mede esforços para retratar a trajetória de Dantés como a tragédia que é. Nesse ponto, Pierre Niney, cujos talentos admiro desde que o vi pela primeira vez no tenso Caixa Preta, é hábil ao construir essas duas facetas do protagonista. Se começa a narrativa deixando escapar sorrisos e adotando uma linguagem corporal mais solta e jovial, na segunda metade passa a caminhar com passos firmes e uma postura enrijecida e taciturna. O rosto frequentemente sério estabelece um contraste essencial para notarmos que aquele homem feliz e bondoso de outrora sucumbiu ao ódio e ao desejo de vingança. Os amantes dos blockbusters “capa e espada”, porém, não precisam se preocupar, pois esse véu sombrio cobre apenas o personagem central.

A fotografia de Nicolas Bolduc (O Homem Duplicado) tira proveito não só dos imensos cenários, mas também das paisagens paradisíacas que servem de palco para Edmond. Praias de águas cristalinas, montanhas pedregosas feitas para serem escaladas e uma França meticulosamente recriada para fazer jus ao período retratado são um luxo à parte. Balduc é outro a pontuar a transição do protagonista, levando-a para a tela, com a paleta ensolarada da primeira metade perdendo o brilho na segunda, até ser tomada por sombras. Enquanto isso, a trilha sonora de Jérôme Rebotier (Uma Vida Sem Ele) chama atenção por trocar as fanfarras aventurescas por acordes graves que pontuam a seriedade das situações, permanecendo fiel às mudanças experimentadas por Edmond Dantés.

Afinal de contas, este O Conde de Monte Cristo é inteligente não por saber colocar o espectador para torcer por seu protagonista, pois essa seria uma tarefa fácil por si só. A proeza do roteiro escrito pelos próprios diretores Alexandre de La Patellière e

Matthieu Delaporte (os mesmos do recente Os Três Mosqueteiros), consiste em fazer com que sigamos ao lado de Dantés, mesmo sabendo das mudanças psicológicas que experimentou ao longo das quase três bem aproveitadas horas de projeção. Justamente por sabermos quem é Edmond, aquele jovem idealista do primeiro ato, é que percebemos que ele está indo longe demais com sua vingança.

Com menos duelos de espada, La Patellière e Delaporte mostram-se mais interessados pela mente de Dantés do que por sua força. Assim, ao acompanharmos cada detalhe de seu planejamento, a dupla permite que vislumbremos suas habilidades de persuasão, destacando por tabela como o sujeito consegue facilmente manipular todos à sua volta, o que não deixa de ser fascinante. Os realizadores são generosos ao conferirem o mesmo grau de complexidade ao triunvirato de vilões, todos figurando em áreas cinzentas ao invés do preto e branco típico das narrativas hollywoodianas.

É uma pena, portanto, mas não deixa de ser compreensivelmente inevitável, que os instantes finais revelem um compromisso maior com os anseios do público do que propriamente com o arco dramático de seus personagens (é preciso seguir o conto original, convenhamos). O que passa longe de ser um problema para essa ambiciosa, multifacetada e envolvente adaptação de um dos maiores e mais amados clássicos da Literatura.


NOTA 8

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