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Foto do escritorGuilherme Cândido

'Gladiador II' cumpre o que promete e traz Denzel Washington brilhante


Indicado em doze categorias no Oscar 2001, sagrando-se vitorioso em cinco delas (incluindo Melhor Ator para Russell Crowe e Melhor Filme), o primeiro Gladiador é um retrato perfeito da velha Academia, admiradora contumaz de épicos “capa e espada”. Na esteira do sucesso de clássicos como Quo Vadis (1951), Ben-Hur (1959) e Spartacus (1960), o megalomaníaco filme do tradicionalmente megalomaníaco cineasta Ridley Scott arrebatou os velhinhos do Oscar com a mesma facilidade com que encantou o público ao redor do mundo (fez quase meio bilhão de dólares em bilheteria).


Além da grandiloquência, Scott também é famoso pelo desapego à fidelidade histórica e o recente Napoleão (2023) mostra que o britânico continua o mesmo. As duras críticas sofridas em função de suas incongruências, no entanto, empalideceram diante de uma narrativa que soube potencializar suas maiores virtudes. O talento de Russell Crowe, um dos melhores atores de sua geração e no auge de sua carreira, já não podia mais ser ignorado e calhou de a produção contar com sua performance mais marcante. Scott, ainda que extravagante, quase sempre soube dirigir sequências de ação e ainda foi inteligente ao deixar a história e a memorável trilha sonora de Hans Zimmer e Lisa Gerrard (imperdoavelmente derrotados numa disputa que ainda incluiu os mestres John Williams e Ennio Morricone) fazer o restante do trabalho. O resultado foi uma aventura de alto nível, com personagens fortes, uma trama envolvente e ótima ação. Gladiador tinha toda a pinta daquele tipo de clássico intocável cuja sequência jamais seria desejada pelo público, mas se nós sabemos como Hollywood funciona, imagine Ridley Scott (de Alien e Blade Runner, vale lembrar), que há décadas é chamado pela Paramount para produzir uma continuação.

Para escrever o roteiro, Scott preferiu jogar seguro e reuniu-se com o mesmo David Scarpa com quem trabalhou em Napoleão, mas partindo de uma ideia original de Peter Craig. Este último pode parecer um mero desconhecido entrando de penetra na festa de Scott, mas não se engane: sua contratação foi uma tacada de mestre e sua participação, vital para o projeto. Não apenas por ser um dos roteiristas mais requisitados do momento (Jogos Vorazes e o mais novo Batman são apenas alguns sucessos em seu portifólio), mas especialmente por ter sido o nome por trás de sucessos como Bad Boys Para Sempre e Top Gun: Maverick, pelo qual foi indicado ao Oscar ano passado, diga-se de passagem. Em outras palavras, quando o assunto é dar continuidade a hits do passado, poucas pessoas são mais qualificadas do que Peter Craig, que se lambuza na mesma fórmula que transformou a sequência tardia de Top Gun - Ases Indomáveis (1986) num dos maiores fenômenos da indústria cinematográfica.

Após uma breve sequência animada que relembra os momentos mais importantes do filme anterior, Gladiador II mal perde tempo disfarçando sua simetria com o roteiro de seu anterior, iniciando dezesseis anos depois com uma batalha que coloca Hanno (Paul Mescal) e Arishat (Yuval Gonen), sua esposa, contra o exército romano, agora comandado pelo general Acacius (Pedro Pascal). Assim como aconteceu em Gladiador, a bem orquestrada batalha termina com triunfo dos romanos, mas ao invés de seguirmos com seu comandante no retorno para casa, é com Hanno, agora um prisioneiro de guerra, que ficamos.

Craig e Scarpa são sagazes ao inverterem os papéis e, ao jogarem luz sobre o lado derrotado da história, subvertem as expectativas apelando para a empatia e a humanidade do espectador. Mas esse frescor narrativo não dura muito, pois o roteiro logo repete vários elementos consagrados pelo texto original. Acacius, por exemplo, é um líder militar que apesar das conquistas, não suporta a ideia de seguir conquistando terras para os sanguinários imperadores Geta (Joseph Quinn) e Caracalla (Fred Hechinger). Como Maximus, ele só quer voltar para casa e viver pacificamente com a família. Já Hanno, também como Maximus, quer vingança e suas técnicas de combate acabam chamando a atenção de Macrinus (Denzel Washington), o misterioso “Senhor dos Gladiadores” que promete a cabeça de Acacius em troca de entretenimento durante a selvageria dos “jogos” travados no Coliseu.

Entretenimento, aliás, é a diretriz de Gladiador II, um filme tão claramente produzido para o regozijo das massas que quase chega a servir como um paralelo irônico com o ofício dos gladiadores. Longe da metalinguagem e lado a lado com a natureza caça-níquel que rege o modus operandi Hollywoodiano, essa continuação carece de alma, algo esbanjado pelo longa original, um raro exemplo de produção sem qualquer pretensão de se tornar franquia (ao menos na época). Isso não impede Ridley Scott e sua trupe de entregarem exatamente o que o espectador médio espera de um blockbuster de orçamento estourado.

Muito pode-se argumentar sobre a irregularidade do britânico como cineasta e os altos e baixos de sua carreira, mas a habilidade para conduzir sequências de ação jamais deixou de aparecer em suas obras. Sem apelar para cortes frenéticos, o veterano não precisa sacrificar a compreensão do espectador para injetar adrenalina. Dessa forma, a ótima coreografia das lutas fica cristalina e as tomadas aéreas permitem que saibamos exatamente o que está acontecendo e para onde os personagens estão indo.

No entanto, a grandiloquência habitual de Scott é traída por facilitações, já que a computação gráfica é muito mais barata do que efeitos práticos, por exemplo, e o mesmo se aplica ao uso de animais (trazer um rinoceronte ao set ou construí-lo digitalmente?). O resultado fica abaixo do aceitável quando percebemos com clareza a artificialidade das criaturas enfrentadas pelo personagem de Paul Mescal.

De forma semelhante, Mescal é duplamente sabotado pelo roteiro, que ao insistir em trazer imagens do primeiro filme, escancara o abismo que o separa de Russell Crowe. Não que o irlandês seja mal ator, pois suas performances no extraordinário Aftersun (pelo qual foi indicado ao Oscar) e no bom Todos Nós Desconhecidos comprovam seu potencial, mas Crowe, além de mais preparado, trabalhou com material melhor. O excessivamente sorridente Mescal traz fisicalidade e demonstra alguma desenvoltura nas sequências de ação, mas não será Gladiador II que o consagrará como o mais novo astro de ação de nosso tempo.

Não o ajuda também a presença de um tal de Denzel Washington, cuja mera presença em cena já é suficiente para atrair todos os olhares. Dizer que o novaiorquino dez vezes indicado ao prêmio da Academia rouba o filme para si, não é o bastante. Washington encara o complexo Macrinus como um descompromissado passeio no parque, divertindo-se a valer enquanto oferece sua melhor performance desde Dia de Treinamento (2001), filme pelo qual levou seu segundo Oscar. Adotando uma linguagem corporal espalhafatosa e abusando de inflexões, ele traz nuances para o personagem, preenchendo lacunas e sugerindo ainda mais mistério no fascinante arco dramático concebido por Scarpa. É uma pena que tamanho fascínio se transforme em frustração, pois Macrinus não está a salvo das convenções hollywoodianas e seu desfecho vulgar e precipitado não faz jus à grandeza de Washington, que não surpreenderá caso seja mais uma vez indicado ao Oscar.

Trazendo uma infinidade de referências ao filme de 2000, desde frases, figurinos e gestos até cenas inteiras, Gladiador II é mais um produto de uma Hollywood criativamente falida, tendo de vasculhar seu baú de sucessos à procura de algo para continuar explorando. É derivativo e a volúpia com que almeja o sucesso comercial trai o que o primeiro filme tinha de melhor, mas se estamos testemunhando o nascimento de uma franquia sobre os restos mortais de um clássico vilipendiado pela ganância, ao menos somos entretidos por duas horas e vinte e oito minutos no processo, o que responde à famosa pergunta de Maximus após uma de suas primeiras lutas no Coliseu.  


NOTA 7,5

1 Comment


jneicandido
Nov 20

Parabéns pela critica

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