"O Homem dos Sonhos" traz muitas provocações, mas pouca profundidade
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  • Foto do escritorGuilherme Cândido

"O Homem dos Sonhos" traz muitas provocações, mas pouca profundidade


Com exatos 120 filmes no currículo (até agora), Nicolas Cage possui uma carreira tão prolífica quanto eclética, refletindo a forma com que já transitou entre os extremos da popularidade em Hollywood. Em seus melhores anos, protagonizou sucessos de bilheteria e acumulou prêmios, o principal deles sendo o Oscar de Melhor Ator pelo drama romântico Despedida em Las Vegas, em 1996. Na fase ruim, que pode ser creditada pelos problemas que enfrentou para administrar a própria fortuna, teve de aceitar papéis apenas pelo pagamento, manchando a carreira com produções de baixíssima qualidade lançadas diretamente em vídeo.


No entanto, não faz muito tempo que ele conseguiu superar as dificuldades, chegando a dar uma entrevista para confirmar que os tempos sombrios ficaram para trás. A liberdade que readquiriu, lhe possibilitou escolher, ele mesmo, os projetos que gostaria de estrelar. Como um astro que vivenciou quase todos os ônus e bônus da fama, foi sábio em apoiar produções quase sempre independentes. Algumas obscuras demais para serem abraçadas pelo público em geral, outras apenas pela oportunidade de trabalhar com velhos amigos e umas poucas em que tirou a sorte grande, aliando ótimos personagens a ótimos filmes.

Tudo isso apenas para dizer que O Homem dos Sonhos provavelmente oferece o maior desafio possível para um intérprete como Nicolas Cage: Encarnar um homem comum. Para alguém famoso não apenas pelo comprometimento (chegou a extrair dois dentes sem anestesia apenas para “entender um personagem”), mas também pela intensidade (que várias vezes se converte em performances exageradas), assumir traços banais pode representar um pesadelo.

Nada mais apropriado que essa tarefa tenha se apresentado através de O Homem dos Sonhos, longa-metragem produzido pela cultuada A24 e que coloca o sobrinho de Francis Ford Coppola na pele do professor universitário Paul Matthews, aquele tipo de docente tão apaixonado pelo que leciona, que se vê empolgado até mesmo para desvendar os mistérios por trás das listras das zebras. Casado e pai de duas filhas, ele leva uma vida comum até ser reconhecido com frequência cada vez maior, não pela atuação acadêmica, mas sim por um motivo peculiar. Afinal de contas, Matthews subitamente passa a aparecer nos sonhos de pessoas desconhecidas. Inicialmente, ele ouve que suas “aparições” são meras participações especiais, sempre como um observador passivo, mesmo em circunstâncias extremas (nem mesmo um tornado mortal é capaz de tirá-lo da inércia). Isso intriga o homem, cuja integridade é ferida pela postura indiferente que o torna instantaneamente célebre. Mal sabe ele que a situação ainda vai piorar, quando os sonhos que invadir se transformarem em verdadeiros pesadelos, alçando-o a uma espécie de “Freddy Krueger Moderno”, como alguém chega a definí-lo durante esses episódios aterrorizantes.

A premissa instiga (inspirada na lenda urbana "Esse Homem"?), mas não sustenta a aura de mistério por muito tempo, já que o diretor e roteirista Kristoffer Borgli (Doente de Mim Mesma) tem muito a dizer e sacrifica as benesses do Cinema de Sensações em detrimento de um intelectualismo supostamente inerente ao discurso, algo com que a própria filmografia da produtora A24 tem se alinhado nos últimos anos. No afã de cumprir os requisitos para tornar sua obra propícia para o culto da bolha cinéfila, Borgli acaba levantando mais questionamentos do que poderia efetivamente converter em discussão. No ímpeto de um realizador que tenta colocar o chapéu onde a mão não alcança, sobram provocações, falta contundência.

O mundo pós-moderno que briga pela atenção dos jovens é bem construído pelo norueguês, mostrando com eficiência que não se pode vencer as telas nessa batalha pelo tempo cada vez mais efêmero das gerações que cresceram com um tablet em mãos. É preciso saber compartilhar esse espaço, uma habilidade que o anacrônico Paul Matthews adquire a duras penas quando proíbe as filhas de usar o celular, mas interrompe a própria refeição para atender uma ligação. O Homem dos Sonhos prospera quando adota a economia como meio para chegar aos fins que almeja. Sequências sucintas, objetivas como a supracitada, atendem às demandas do público jovem, mas o roteiro quer mais e é aí que Kristofer Borgli se perde, pois ao alternar entre pautas, acaba dispersando-se como um adolescente passando pelo feed do TikTok.

Enquanto permanece no campo do surrealismo, o autor chega a dissertar sobre a cultura do cancelamento e até ilustra o culto à celebridade, mesmo que este tópico já tenha envelhecido, sendo uma novidade sequer para Nicolas Cage, que já interpretou a si mesmo no divertido O Peso do Talento (2022). A rapidez com que se avança para o questionamento seguinte impede a reflexão e esgota rapidamente os recursos provenientes do ambiente lúdico, submetendo o roteiro a uma nova mudança de chave ao trazer o horror para a realidade, consequentemente através de uma via mais literal, sendo possível pinçar uma última provocação infrutífera, quando Paul Matthews é orientado a buscar o apelo dos fanáticos de Extrema-Direita a partir do momento que vê sua imagem se deteriorar, agarrando-se à sobrevivência junto a um público pequeno, mas barulhento. É um posicionamento que geraria um bem-vindo debate, mas a fila anda, aparentemente.

E o longa segue, propondo discussões ainda mais amplas, como as alfinetadas nas engrenagens capitalistas e na masculinidade. Esta última ocupando um espaço tão pequeno que sua exclusão não acarretaria prejuízo algum para a narrativa. Já o oportunismo dos tubarões do Mercado, através de uma passagem curiosa com Michael Cera (Superbad - É Hoje) encarnando um publicitário querendo explorar as invasões oníricas para divulgar uma marca, ao menos servem ao arco do protagonista, que se esforça para lançar seu livro sobre formigas sem ao menos ter começado a escrevê-lo.

É mais ou menos uma metáfora do próprio filme, que almeja penetrar nos círculos de discussões cinéfilas, sem oferecer material suficiente para estendê-las. Na comparação de metáforas, fico com a primeira, lá do início do texto, com Nicolas Cage divertindo e se divertindo através de uma alegoria sobre o próprio papel que exerceu na indústria aos olhos do público.


NOTA 6,5


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