'O Homem Mais Feliz do Mundo' retrata uma nação ainda marcada pela Guerra
- Guilherme Cândido
- há 2 dias
- 3 min de leitura
*Visto durante o Festival do Rio 2022

Após alguns minutos de projeção, fica claro que ao contrário do que o título indica, não veremos o tal “homem mais feliz do mundo”, pois a história, na verdade é protagonizada por Asja, uma sobrevivente da Guerra da Bósnia que passa muito longe de ter superado seus traumas. Afinal, o conflito pela independência Bósnia que ocorreu entre 1992 e 1995 resultou em mais de cem mil mortos, além de o dobro de feridos, como a própria Asja, que acabou sendo baleada dentro de sua própria casa.
Ambientado em Sarajevo, capital do país balcânico, o filme começa acompanhando a mulher em seu trajeto até um evento chamado “Toque de Felicidade”, que se revela um gigantesco encontro às escuras prometendo a seus participantes encontrar o par ideal.
É nesse momento que ela se depara com Zoran, um homem de idade semelhante, mas com uma personalidade diametralmente oposta, algo comprovado pelos jogos propostos pela organização do evento a fim de fazer o potencial casal se conhecer melhor. Embora o nervosismo seja normal numa situação como essa, a atitude de Zoran é suspeita, como se o motivo de sua inquietude fosse mais complexo. O que ele estaria escondendo? Mais intrigante ainda: o que ele está fazendo em um evento como esse? Enquanto os dois vão se conhecendo melhor, vão surgindo oportunidades para Asja desvendar Zoran um pouco mais até descobrir um segredo que a faz relembrar seu doloroso passado.

Mais do que um filme sobre a Guerra, O Homem Mais Feliz do Mundo é um filme que prega a paz, mesmo que para isso coloque seus personagens para superarem seus piores traumas da maneira mais dura possível. E como estamos falando de um conflito envolvendo todo um país, é de se imaginar que Asja não seja a única a possuir feridas abertas, pois há uma geração inteira atormentada pelos fantasmas daquela guerra, cujos horrores provocaram sequelas profundas em sua população.

Asja, em certo momento, estende a sessão de terapia improvisada com Zoran a todo o salão que recebe o “Toque de Felicidade”, buscando exorcizar seus demônios mais íntimos numa espécie de dinâmica de grupo fadada ao fracasso. Sentimentos delicados como raiva, ressentimento e a sempre perigosa ânsia por vingança se misturam num caldeirão volátil de emoções que é dirigido por Teona Strugar Mitevska com paciência enquanto desenvolve o drama principal paulatinamente, destacando o crescimento das tensões entre Asja e Zoran.

Ela, aliás é o grande nome da produção: vivida por uma Jelena Kordic Kuret que supera o desconforto inicial (responsável por momentos nervosos que flertam com o humor involuntário) à medida em que suas interações com Zoran esquentam. Seu alcance dramático é notável justamente por permití-la protagonizar passagens sutis e explosivas com a mesma eficiência, como os embates verborrágicos repletos de ironia durante um supostamente inofensivo questionário, até o momento em que finalmente liberta seu lado mais selvagem, deixando-se levar por sentimentos negativos. Por outro lado, por melhores que sejam esses momentos, Kuret brilha, de fato, durante o terceiro ato, especificamente na sequência de dança em que consegue extravasar.

Permitindo alguns momentos de leveza durante os dois primeiros atos, que contribuem para potencializar o impacto do terceiro, O Homem Mais Feliz do Mundo é o retrato fiel de uma nação ainda marcada pelos efeitos da Guerra, voltando-se à Arte para amenizar a dor de uma ferida que ainda parece longe de cicatrizar.
NOTA 7