Versão musical de 'A Cor Púrpura' perde potência ao mirar na magia
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  • Foto do escritorGuilherme Cândido

Versão musical de 'A Cor Púrpura' perde potência ao mirar na magia


Apesar de passar longe de ser um dos maiores sucessos comerciais de Spielberg, A Cor Púrpura era um atestado inconteste de seu talento como cineasta. Hoje, a produção talvez seja mais lembrada por seu infame desempenho no Oscar 1986, quando chegou a impressionantes 11 indicações, mas saiu da cerimônia na lona. Uma pena. Na verdade, uma mácula entre tantas outras na reputação da Academia, instituição que por anos se submeteu ao conservadorismo como sua principal diretriz. Voltando ao filme, o criador de Tubarão (1975), Contatos Imediatos do Terceiro Grau (1977) e E.T. (1981) transformou o texto poderoso de Menno Meyjes (estreante à época, mas que voltaria a colaborar com o diretor no ótimo Império do Sol) numa experiência catártica e corajosa. Afinal, embora conte com a marca registrada de Steven Spielberg, que não costuma abrir mão do humor como válvula de escape (resvalando também no lúdico), A Cor Púrpura jamais suavizou os socos que desferiu no estômago do espectador, isso para não mencionar a tensão racial crua e realista.

Infelizmente, esta nova versão parece estar muito mais comprometida com o entretenimento e o potencial artístico da obra do que manter-se fiel ao caráter ácido e questionador que se destacou em 1985. Isso pode ser explicado pelo simples fato de que o projeto não é baseado naquele filme, mas sim na peça teatral da veterana Marsha Norman, que por anos fez sucesso na Broadway. O único elo entre os eles, claro, é o best-seller de Alice Walker, base de ambos os scripts.

Spielberg desta vez serve apenas como produtor, função que desempenha ao lado da emblemática (e multitarefas) Oprah Winfrey, indicada ao Oscar por seu debute no longa original. A direção cabe ao músico e cineasta ganense Blitz Bazawule, cujo mais recente trabalho foi o álbum visual de Beyoncé para o remake de O Rei Leão. Bazawule se debruça sobre o texto de Marcus Gardley, roteirista que estreia no Cinema após acumular experiência na TV assinando scripts de séries como Foundation, Z e NOS4A2.

Gardley faz o possível para amenizar os espinhos que a colaboração de Spielberg com Meyjes fez questão de abordar. A violência, a humilhação e as agressões verbais são jogadas para segundo plano, pois A Cor Púrpura, agora, é um crowd-pleaser que busca refazer os passos de O Rei do Show (2017), sucesso arrebatador com Hugh Jackman. A ideia de fazer uma adaptação musical estranhamente demorou a surgir, afinal, o lendário Quincy Jones pessoalmente cuidou da trilha sonora do original. Então, por que não?

As letras tentam condensar a força dos temas e até utiliza algumas das frases mais marcantes do filme de 1985 (“Hell No” é o título de uma das canções, por exemplo), mas tudo soa adocicado demais para gerar impacto. As melodias, pulsantes como qualquer musical contemporâneo busca ser, são simpáticas, mas não febris. A grandiosidade dos números musicais, carregados de cores e movimentos, causa estranheza ao colidir com o material sombrio da obra original.

Se sobra magia e falta crueza, ao menos a produção tem a sorte de contar com um elenco magistralmente reunido, talvez um dos melhores do último ano. Taraji P. Henson, que após ser indicada ao Oscar por O Curioso Caso de Benjamin Button (2008) passou a ser esnobada consecutivamente, empresta carisma e molejo à personagem imortalizada por Margareth Avery. Ela é inteligente ao compensar as caretas habituais com uma presença de cena admirável, encarnando com naturalidade a força da natureza que é Shug.

Enquanto isso, Danielle Brooks (da série O Pacificador)ganha de presente o melhor papel do filme e não se intimida com o legado de Oprah Winfrey. A diferença é que Brooks esbarra num roteiro que praticamente castra a jornada de Sofia, espírito indomável que acaba vítima dos brancos, mas ressurge após o levante de Celie, por sinal, interpretada com delicadeza e sinceridade por Fantasia Barrino. Já Colman Domingo, que emplacou no Oscar por um projeto bem mais afeito aos “acadêmicos” (o mediano Rustin), encarna uma versão bem mais simplificada do detestável Mister encarnado por um inspiradíssimo Danny Glover em 1985.

A priori, o que chega aos cinemas é uma espécie de resumo do clássico oitentista, mas entrecortado por números musicais exuberantes e bem ajambrados, mas que devem ser esquecidos assim que as luzes da sala de projeção se acenderem.


NOTA 6

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