'3 Obás de Xangô' usa ícones da cultura popular para desmistificar Candomblé
- Guilherme Cândido
- há 2 horas
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Jorge Amado (1912-2001), Dorival Caymmi (1914-2008) e Carybé (1911-1997) cultivaram uma amizade cujas raízes se ramificaram pela diversa cultura popular brasileira. Talentos exportados pela Bahia, os três possuem uma carreira sólida que se confunde com o crescimento do nosso povo. Tamanha importância poderia render um material mais formal, sisudo no tratamento de figuras tão lendárias, mas o maior acerto do cineasta Sérgio Machado é a sua opção por um retrato intimista, criando uma atmosfera tão agradável de cumplicidade, que é fácil terminar a sessão sentindo-se próximo daqueles homens tão notáveis.
Segundo o texto que abre a projeção, no candomblé, “obás” são aqueles responsáveis por fazer a ponte entre o terreiro e a sociedade, e o longa-metragem narrado por Lázaro Ramos que será lançado nos cinemas neste final de semana quase um ano após vencer o Redentor de Melhor Documentário no Festival do Rio 2024, certamente faz jus ao termo presente no título, aproximando o público de uma religião tão covardemente atacada por ignorantes.

Confesso que, ao contrário de Amado e Caymmi, que dispensam introduções, Carybé me era desconhecido. Talvez eu seja apenas um dentre os muitos que serão devidamente apresentados ao argentino naturalizado brasileiro e que recebe menos foco das lentes de Sérgio Machado, (também responsável por A Luta do Século, outro vencedor do Redentor de Documentário). Além do conhecimento sobre a influência africana na Bahia e posteriormente estendida a todo o território nacional, um dos maiores prazeres oferecidos por 3 Obás de Xangô são as passagens em que Jorge Amado passeia pelas ruas de Salvador enquanto aponta cenários aproveitados em suas obras.

Ao manter seus romances na capital soteropolitana, Amado difundiu os costumes e a cultura de sua terra. E vê-lo no Pelourinho explicando com precisão os passos de alguns personagens é um deleite para qualquer fã. Aliás, se em suas obras o escritor sempre se posicionou fortemente contra o preconceito, seja ele racial ou religioso, o filme se converte em mais uma de suas trincheiras, dando espaço para instantes de pura sabedoria contra os ataques recebidos pelas religiões de matriz africana. São dele também a melhores aspas, como aquela em que aborda o machismo "Fui deixando de ser machista. Ainda sou machista, mas menos". Caymmi, com sua prosa faceira, não fica atrás, e quando divide a tela com o autor de Capitães da Areia (facilmente encontrado como material paradidático nas escolas), a projeção alcança seus pontos mais altos.

Machado, autor da excelente adaptação cinematográfica de Quincas Berro d’Água (um de meus livros favoritos), talvez peque pela tentação de incluir o maior volume possível de artistas, encontrando dificuldades para conectá-los dentro da costura narrativa, que várias vezes soa dispersa em seus vaivéns temáticos. Outro elemento claudicante, embora compreensivelmente inevitável, é a presença de interlúdios musicais, que apesar de agradarem aos ouvidos, esporadicamente sacrificam o ritmo.

Simpático, terno e espirituoso como seus objetos de interesse, 3 Obás de Xangô é a culminância de mais um ótimo trabalho de Sérgio Machado, hábil em mostrar o quão simples eram aqueles gênios, ganhando relevância imediata (e didática) graças ao contexto preconceituoso em que vivemos.
NOTA 7,5