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'A Praia do Fim do Mundo' traz Marcélia Cartaxo em história poética e melancólica

  • Foto do escritor: Guilherme Cândido
    Guilherme Cândido
  • há 5 horas
  • 3 min de leitura

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Alice é uma ambientalista de personalidade forte que vive ao lado da mãe Helena numa casa à beira-mar. Com o avanço das águas, muitas edificações cederam e outras estão prestes a fazê-lo, ocasionando uma debandada dos moradores. Mesmo com os alertas dos noticiários e a insistência de Alice, Helena resiste à ideia de deixar o lugar, que pode até estar esvaziado em termos populacionais, mas permanece rico em memórias.

 

O novo longa-metragem de Petrus Cariry tem a veterana Marcélia Cartaxo personificando a teimosia com um misto de cansaço e desesperança, enquanto Fátima Macedo ilustra a combatividade típica da juventude com um ar de imparável idealismo. Com o conflito geracional estabelecido, o roteiro escrito por Cariry em parceria com Firmino Holanda se certifica de salpicar a trama com diálogos nostálgicos, alimentando uma atmosfera melancólica que permeia toda a narrativa e é corroborada pela estonteante fotografia assinada pelo próprio diretor, seguindo a tradição de acúmulo de funções tão perene no Cinema Independente brasileiro.

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O preto e branco da paleta, aliado ao céu sempre nublado, compõe um retrato triste que ganha contornos opressivos com as imagens frequentes de ondas violentas quebrando na praia deserta enquanto castigam as construções e ameaçam engolir o que resta de terra naquele território já quase inóspito. Da mesma forma, Moabe Filho e Pedrinho Moreira dão conta de preencher a paisagem sonora com ruídos fantasmagóricos e outros subaquáticos que ajudam a alimentar os simbolismos do texto. Já o compositor João Victor Barroso se encarrega de produzir acordes sombrios que fustigam a imaginação do espectador, ao mesmo tempo que o mantém alerta.

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A movimentação suave da câmera e a cadência das falas entram em conflito com a ação implacável da natureza por meio da agressividade das marés, estabelecendo um contraste sempre interessante de acompanhar, mas que perde tração ao ceder espaço para o desenvolvimento dramático, invariavelmente escorado em diálogos expositivos e carentes de refino. Informações são didaticamente oferecidas em momentos pouco orgânicos, como aquele envolvendo a mudança de uma vizinha ou as conversas de Alice com a amiga Elisa.

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Pecadilhos de uma obra sempre instigante quando se concentra em seus elementos abstratos, extraindo quadros de pura beleza, como o de um andarilho banhado por raios de luz enquanto rodeado por trevas no interior de uma construção abandonada. Este personagem, aliás, é mais um dos simbolismos dispostos por Cariry e Holanda, enriquecendo o debate pós-sessão ao tecer paralelos, mesmo que longínquos, com O Sétimo Selo (1957) de Bergman. Até mesmo a parábola de Jonas rende bom material, culminando em mais uma imagem difícil de esquecer (aquela vista por Alice através de uma luneta).

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Cartaxo, um patrimônio do audiovisual nacional cujo currículo inclui clássicos de várias fases do nosso Cinema, tais como A Hora da Estrela (1985), Policarpo Quaresma, Herói do Brasil (1997), Madame Satã (2002) e O Céu de Suely (2006), além de folhetins encravados na cultura popular do quilate de A História de Ana Raio e Zé Trovão (1990-1991), Mandacaru (1997-1998) e Porto dos Milagres (2001), despe-se de qualquer vaidade como lhe é peculiar, entregando-se ao papel de uma mulher tão desgastada quanto a terra que habita e Petrus Cariry não economiza nos closes, sabendo estar diante de um rosto icônico, mas também simbolicamente expressivo.

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Não é sempre que acontece de um gigante da Cultura Brasileira manter o respeito e o prestígio ao longo dos anos, permanecendo ativo no cenário midiático. Felizmente, é o caso da paraibana, que fez uma transição orgânica para as mídias modernas, surgindo influente até no streaming, por exemplo, onde participou de produções da Netflix (a série Só Se For por Amor) e do Prime Video, no qual recentemente apareceu na bem sucedida Cangaço Novo.

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Taciturno em sua dialética e poético na forma macambúzia com que concebe e explora o universo criado, Petrus Cariry demonstra uma segurança notável ao apostar alto em sua visão. E quem ganha com isso somos nós espectadores, privilegiados por acompanhar um artista em pleno auge criativo.


NOTA 8

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