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CRÍTICA | "A Meia-Irmã Feia"

  • Foto do escritor: Guilherme Cândido
    Guilherme Cândido
  • há 9 horas
  • 3 min de leitura

*Crítica publicada durante o Festival do Rio 2025


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Reimaginar contos de fada a partir do ponto de vista de seus vilões não é algo necessariamente recente. Angelina Jolie, por exemplo, protagonizou duas distintas abordagens de A Bela Adormecida. Aliás, Hollywood tem demonstrado certo fascínio por seus mais clássicos antagonistas. Ainda no campo das histórias infantis, tivemos Cruella (2021) mostrando as origens da estilista de 101 Dálmatas (1961). Contudo, nenhuma produção foi tão longe como este norueguês A Meia-Irmã Feia ao mostrar o outro lado do clássico Cinderela.


Ao invés de adotar a perspectiva da Gata Borralheira, o filme escrito e dirigido por Emilie Blichfeldt dá voz a Elvira (Lia Myron) uma de suas irmãs desprezíveis, mas que possui seus motivos para agir da forma como todos conhecemos. Sim, ela é invejosa e muitas vezes maldosa, mas também é tremendamente insegura por se considerar feia e gorda, uma impressão que só piora quando ela passa a conviver com uma das mais famosas (e bonitas) princesas da Disney.

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Que só acontece porque sua mãe decide se casar com um homem supostamente rico, mas cuja morte repentina - pouco tempo depois da cerimônia nupcial -, revela estar em seríssimos apuros financeiros. Sem dinheiro, Elvira torna-se sua maior esperança para fisgar um jovem aristocrata capaz de tirá-las de vez da lona. Para isso, no entanto, a moça que tanto gosta de comer (especialmente doces), é obrigada a se submeter a procedimentos estéticos que denunciam a precariedade de recursos técnicos da época.

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Por mais que o roteiro funcione ao estabelecer um paralelo entre as transformações físicas de Elvira e sua obsessão por aceitação (algo possível apenas através de um alto preço), é a mudança de foco em relação ao material de origem que acaba se tornando seu ponto mais forte. Afinal, antes de competência, é preciso ter coragem para pegar uma história patriarcal sobre uma jovem sendo salva pela beleza, para construir uma alegoria sobre padrões estéticos e seus efeitos na autoestima das mulheres.

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Sem contar as oportunidades para jogar luz sobre pontos normalmente obscuros do clássico literário: Já que a ideia é priorizar a perspectiva das personagens secundárias, Blichfeldt aproveita para mostrar, por exemplo, a luta da madrasta de Cinderela para garantir a sobrevivência da família, considerando a tragédia que invadiu sua vida de supetão. Além disso, defende a tese de que a futura princesa não era exatamente uma santa, comprovando o peso de intervenções mágicas a seu favor. Intervenções estas que foram tremendamente injustas quando consideramos todo o esforço de Elvira e o contexto desfavorável no qual estava inserida.

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Quando fracassar não é uma opção, mesmo que tudo conspire para tal, é preciso recorrer a atitudes extremas e a diretora não economiza nos detalhes para mostrar até onde Elvira está disposta a ir para atingir seus objetivos. Nesses momentos, A Meia-Irmã Feia deixa a aura fabulesca de lado para abraçar o grotesco, investindo em sequências incômodas, seja pelo uso ostensivo do gore ou até mesmo através do design de som, que transmite com perfeição não apenas a fome da moça, mas a presença do verme que ela mesma ingeriu com o intuito de emagrecer (atitudes extremas, não disse?). Membros masculinos eretos, fluidos corporais, cadáveres em decomposição, mutilações e cirurgias graficamente detalhadas fazem parte do pacote que justifica a presença do filme na mostra Midnight Movies do Festival do Rio 2025.

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Dando-se ao luxo de salpicar referências sutis a elementos consagrados de Cinderela (a abóbora, o ratinho e até a fada madrinha pipocam na tela em algum momento), Den Stygge Stesøsteren compensa a falta de originalidade conceitual com um discurso relevante, atual e referendado pela abordagem arrojada de uma jovem e promissora cineasta.


NOTA 7,5


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