CRÍTICA | "The Mastermind"
- Guilherme Cândido
- há 12 horas
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O Cinema da norte-americana Kelly Reichardt é feito à base de subversões, não sendo um mero acaso sua predileção por personagens desajustados, marginalizados. Num reflexo de seu próprio impulso de reprogramar convenções, Reichardt costuma dar voz justamente a quem não consegue se enquadrar nelas. Foi assim com o maravilhoso First Cow - A Primeira Vaca da América (2019), seu magnum opus, que das bases do faroeste esculpiu um comentário sobre o capitalismo e sua relação simbiótica com uma “América” (como eles insistem na apropriação do continente inteiro) tentando civilizar-se. Em The Mastermind, ela resolve pôr abaixo as fundações do “filme de assalto”, para poder observar mais de perto a descida de seu anti-herói ao Inferno.
Em meados dos anos 70, berço da contracultura, James (Josh O’Connor) alcançou o sonho americano: tem uma casa confortável no subúrbio, onde vive com a esposa Terri (Alana Haim, de Uma Batalha Após a Outra) e os dois filhos, Tommy (Jasper Thompson) e Carl (Sterling Thompson). Mesmo tendo uma base familiar sólida que ainda inclui o apoio dos pais (vividos por Bill Camp e Hope Davis), ele não está feliz. É um macho-beta querendo ser alfa, mas impedido pela própria incapacidade de colocar a comida na mesa, função que acaba assumida pela esposa, ferindo mortalmente seu orgulho.

Desempregado e humilhado, ele enxerga a solução num movimento estranho à própria natureza: roubar obras de arte do museu local. A arrogância normalmente atrelada à ignorância (ou inocência) faz o sujeito acreditar piamente ser capaz de cooptar comparsas, planejar e executar um golpe, além de vender os quadros. Obviamente dá tudo errado (mais uma vez) e ele se vê obrigado a fugir, abandonando a família à própria sorte.

O’Connor, que já havia brilhado esse ano em Reconstrução (também exibido nessa edição do Festival do Rio), resgata elementos de sua composição como o problemático tenista de Rivais (2024), obra-prima de Luca Guadagnino. A mesma vulnerabilidade transmitida através do olhar de filhote desamparado e da postura curvada está lá, mas agora acompanhando de uma forma fria e monossilábica de falar, indo ao encontro da ideia de que James não só está perdido, como é um caso perdido.

A busca pela salvação transforma a segunda parte do filme num road movie em que cada parada soa como um passo a mais rumo ao fundo do poço. Ao reencontrar amigos do passado, ao invés de calor humano, o que ele recebe é a confirmação de sua danação. E o roteiro é hábil ao sugerir, sem exposições ou trucagens, que esta não é a primeira vez que James espera ser resgatado, como se as pessoas a quem ele recorre fossem amigas ao ponto de negarem uma segunda chance. Mais do que uma reincidência, aquilo é tudo o que ele é capaz de fazer e ninguém é obrigado a contribuir com seu fracasso, tampouco compartilhá-lo. Negar ajuda, nesse caso, também pode ser um ato de amor.

Reichardt faz jus à segunda indicação que recebeu à Palma de Ouro e mostra ter feito o dever de casa ao homenagear grandes mestres da época, como William Friedkin, Sam Peckinpah e Martin Scorsese, beneficiando-se da fotografia chapada e granulada de Christopher Blauvelt (do fraco, mas deslumbrante Hot Milk), para construir (com um grau a mais de realismo) uma atmosfera onde o que mais enerva é, ironicamente, a previsibilidade do desastre. Apesar de a trilha sonora do cornetista Rob Mazurek trazer melodias de jazz tão adequadas a este tipo de narrativa, elas servem mesmo é para sublinhar a certeza de que James não faz parte daquele mundo.

O que nos leva ao único final possível, que chega após algumas voltas do roteiro no próprio eixo, transmitindo ao espectador a mesma falta de direção que acomete o protagonista, prejudicando-se com o efeito rebote da monotonia, mas sendo fiel à própria criação. Um exercício de gênero às avessas em que Kelly Reichardt desmonta uma obra para criar outra (menos vibrante, mais reflexiva) com as mesmas peças.
NOTA 7