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'Uma Batalha Após a Outra' satiriza feridas abertas dos EUA

  • Foto do escritor: Guilherme Cândido
    Guilherme Cândido
  • 26 de set.
  • 5 min de leitura

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Depois de passar mais de duas décadas contando histórias ambientadas no passado, Paul Thomas Anderson finalmente volta suas atenções para o presente, numa produção que reflete na tela a natureza épica que envolveu seus bastidores. Décimo trabalho de uma carreira recheada de obras-primas do quilate de Magnólia (1999) e Sangue Negro (2007), o fato de Uma Batalha Após a Outra chegar aos cinemas significa, por si só, um verdadeiro milagre cinematográfico.

 

Difícil não se surpreender com a decisão de um estúdio centenário como a Warner Bros., passando por turbulências financeiras, entregar cerca de 130 milhões de dólares nas mãos de um cineasta que em quase trinta anos nunca foi capaz de entregar um único filme que fizesse mais do que um terço disso nas bilheterias. O projeto, aliás, não é parte de uma franquia pré-estabelecida e tampouco retrata super-heróis. E já mencionei que possui quase três horas de duração?

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Adaptada de um romance do escritor norte-americano Thomas Pynchon, tal qual Vício Inerente (2014), a história começa com o pé na porta ao focar na operação de um grupo de revolucionários para libertar imigrantes de um centro de detenção. Pat (Leonardo DiCaprio) e Perfidia (Teyana Taylor) formam um casal à la Bonnie e Clyde. Ele é um especialista em bombas reivindicando seu lugar entre os autointitulados defensores da liberdade. Ela, uma liderança que se movimenta pelos campos de batalha como uma força imparável. Inclusive, é a mulher quem acaba rendendo Steven J. Lockjaw (Sean Penn), coronel que comanda a instalação com mãos de ferro. O destino, por outro lado, reserva surpresas para o futuro do trio. Apesar do casal protagonista arrefecer o ímpeto idealista com o nascimento da filha, Lockjaw não é do tipo que esquece fácil. Perfidia (o nome não é por acaso) é presa e Pat é obrigado a mudar de local e identidade, a fim de preservar o bebê.

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O desnecessariamente apressado primeiro ato se aproxima do fim e dezesseis anos se passam. Pat agora é Bob, sujeito que nem de longe lembra a figura heróica dos tempos áureos. Dedicando-se exclusivamente à tarefa de proteger Willa (Chase Infiniti), ele passa os dias bebendo, fumando maconha e assistindo a filmes sobre grandes insurreições, como A Batalha de Argel (1966). Com a barba por fazer, cabelos desgrenhados e ostentando um roupão xadrez quase como uma segunda pele, Bob é ainda mais paranoico do que nostálgico e o retorno de Lockjaw, sequestrando Willa, confirma seus piores pressentimentos. Enferrujado, ele recorre a seus velhos camaradas para resgatar a filha.

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Paul Thomas Anderson já criou narrativas tensas, elegantes, envolventes e divertidas, porém jamais combinadas num só longa-metragem. One Battle After Another, no original, é a exceção que confirma o virtuosismo técnico de um realizador que há muito já havia provado ser versátil. Além de manter o ritmo sob controle em fugazes 161 minutos de projeção, Anderson imbui à trama um senso de humor que suaviza o consistente subtexto político sem invalidá-lo e é Leonardo DiCaprio o responsável por endossar esse equilíbrio.

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Vencedor do Oscar após seis indicações, é curioso perceber sua evolução como intérprete ao longo dos anos. Antes conhecido por papéis intensos a ponto de descambar para o overacting, ele vem se especializando em tipos ridículos. Em Prenda-me Se For Capaz (2002), ele já demonstrava lampejos desse talento para a comédia, mas foi com O Lobo de Wall Street (2013) que ele provou saber provocar o riso, repetindo a dose, ainda que em menor escala, em Era Uma Vez em... Hollywood (2019). O brilhantismo de sua abordagem reside em perceber ser possível transformar Bob num homem ridículo sem desqualificar seus princípios ou suas motivações. Assim, ele nos diverte com a hilária sequência em que o personagem tenta lembrar de informações importantes, sem nos deixar esquecer do amor incondicional que nutre pela filha. Ou mesmo sua filosofia de vida, outro prato cheio para extrair gargalhadas.

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Com essa pitada precisa de leveza, mal notamos que Paul Thomas Anderson está não apenas cutucando, mas despejando pimenta sobre feridas abertas da atualidade estadunidense. Além do óbvio comentário sobre o tratamento de imigrantes, ponto marcante da política do presidente Donald Trump, o diretor e roteirista joga luz sobre uma parcela que apesar de pequena, incomoda o bastante dos cantos privilegiados, mas sombrios que ocupam. Nesse ponto, a escalação de Sean Penn, numa atuação repleta de tiques como um militar racista e reprimido, merece nada menos do que aplausos de pé. Representando uma ala podre da sociedade estadunidense, o Coronel Lockjaw não esconde o sonho de fazer parte de um clube (semelhante à Ku Klux Klan) por seres ainda mais repugnantes do que ele. Considerando-se superiores por serem “brancos puros”, estes animais selvagens mal conseguem esconder as razões por trás do preconceito que tanto destilam. O vilão, por exemplo, sente atração por mulheres negras e seus futuros irmãos de ódio vão pelo mesmo caminho.

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Por trás de todo esse discurso afiado e desenvolvido com a paciência e a excelência de um mestre sem preocupações comerciais, Uma Batalha Após a Outra ainda possui uma camada extra de ternura, revelando ser, em última análise, uma história de amor entre pai e filha. Esta, por sua vez, é vivida por Chase Infiniti com tanta segurança que mal parece se tratar de sua estreia no Cinema. Note, por exemplo, sua expressividade num momento-chave que fecha seu arco dramático com chave de ouro, exibindo um olhar de fragilidade quando encurralada, mesmo estando armada e tomada pelo ódio. E se é chover no molhado elogiar uma performance de Benicio Del Toro, mesmo numa participação pequena, mas emblemática pela frase (“estamos sendo cercados há centenas de anos”), todo elogio é pouco para Teyana Taylor (de Um Príncipe em Nova York 2), deixando uma marca tão forte que passamos todo o restante da projeção desejando seu retorno.

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Muito dissertei sobre a capacidade de a narrativa se desenvolver com fluidez mesmo tratando de temas pesados e contando com um tempo longo de execução. E se a produção também é eficiente na criação de uma atmosfera tensa, isso se deve principalmente à trilha sonora de Jonny Greenwood (colaborador habitual de PTA), a melhor de sua carreira. Pontuando a atmosfera sem guiar as emoções do público (um erro sempre irritante), as melodias incidentais à base de piano mantêm o espectador aflito, ainda mais quando utilizadas para acentuar o suspense de cenas como aquelas que são montadas paralelamente e alternam entre a fuga de Bob e Sergio com a resistência de Willa e suas aliadas.

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Encerrando a narrativa com uma perseguição de carros absolutamente excepcional que se beneficia da geografia irregular de uma estrada no meio do deserto e do posicionamento incomum da câmera (criando uma quase literal montanha-russa de emoções), Uma Batalha Após a Outra pode não ser o melhor trabalho de Paul Thomas Anderson, mas isso diz muito mais sobre sua invejável filmografia do que sobre o longa-metragem em si.


NOTA 9

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