CRÍTICA | "Eddington"
- Guilherme Cândido

- há 14 minutos
- 3 min de leitura

Quase cinco anos após a COVID-19 ser caracterizada pela Organização Mundial da Saúde como uma pandemia, surge o filme que melhor sintetiza aquele período de trevas e incertezas, bem como suas consequências. E quis o destino que essa produção fosse um faroeste moderno saído da mente de Ari Aster, consolidado como um dos mais proeminentes nomes do terror moderno. Criativamente inquieto, o nova-iorquino merece respeito por jamais se acomodar, afinal, quem imaginaria o sombrio e chocante Hereditário (2018) sendo seguido pelo exótico e desafiador Midsommar: O Mal Não Espera a Noite (2019)? Da mesma forma, Beau Tem Medo (2023) pode até ser frustrante e presunçoso, mas ao menos foi fiel ao apetite desbravador de Aster.
Que agora conta a história de uma cidadezinha fictícia no desértico estado do Novo México, em pleno 2020. Eddington serve como um microcosmo do próprio país norte-americano durante o auge da pandemia. Para quem não lembra, além das medidas sanitárias e do lockdown, o mundo via George Floyd ser vítima de violência policial, desencadeando o movimento Black Lives Matter. A única certeza dessa época era a de uma sociedade polarizada, com pautas políticas incendiando os debates, especialmente na internet, território em que o ódio e a desinformação imperavam sem controle. Infelizmente, a situação não mudou muito de lá para cá.

Aster, no entanto, não perde tempo escolhendo lados, concebendo todos os 2.435 habitantes da cidade como seres imperfeitos (para usar um eufemismo), geralmente impelidos por algum interesse ou motivados por pensamentos retrógrados, como o xerife Joe Cross (Joaquin Phoenix), responsável por manter a ordem, mas incapaz de seguir os protocolos de segurança. Assim, logo em sua primeira aparição, o vemos ser intimidado por dois policiais. O motivo? Cross nega-se a usar máscara, fazendo pouco caso de sua eficácia como método de diminuir as chances de contágio.

Não é de se surpreender que o sujeito conviva com uma esposa mentalmente debilitada e uma sogra chegada a teorias conspiratórias. Do outro lado do escopo está o prefeito Ted Garcia (Pedro Pascal), homem aparentemente íntegro e a favor da Ciência, mas que revela seus reais interesses ao fechar os olhos para as consequências ambientais de um tecnológico Data Center prestes a ser construído nas imediações, sob as famigeradas desculpas envolvendo benefícios econômicos.

Nem mesmo os jovens politicamente ativos escapam do escrutínio ácido de Aster, assumindo-se como criaturas que buscam atacar o sistema do alto de seus privilégios brancos. Há também quem utilize a indignação como forma de socializar ou até de se aproximar de interesses românticos. E quem parece bem-intencionado, mal consegue expressar os motivos de sua revolta, esbarrando em slogans e palavras de ordem que apenas escancaram uma visão de mundo limitada.

Com isso, Ari Aster monta o cenário perfeito para ilustrar como o Facebook se tornou uma rede antissocial em que o ódio e a desinformação caminham lado a lado como instrumentos na guerra ideológica que até hoje é travada por gente mais interessada em fazer barulho do que agir de fato para mudar algo. Aliás, é até bom que uma parcela desses gatinhos disfarçados de leões restrinja suas atividades ao âmbito digital. Fora, porém, não há diferença significativa, algo ilustrado pelo momento em que Cross usa o trauma de alguém para criar uma narrativa falsa com o intuito de prejudicar um inimigo.

Esse retrato implacável da efervescência de uma sociedade doente é pintado pelo cineasta com leves tons de humor, dando uma roupagem satírica que é referendada pela performance de Joaquin Phoenix, cuja composição bate forte na tecla do patético. Do mesmo jeito que permaneceu firme e forte em Beau Tem Medo, mantendo vivo o único elo da narrativa com o espectador, largado à deriva, o vencedor do Oscar é um lembrete inabalável das intenções jocosas do texto.

É uma pena que, no final, o roteiro sucumba ao próprio caos que ajudou a criar, um problema que começa a se tornar recorrente na filmografia de Ari Aster. Vale lembrar como seu filme anterior foi eficiente em contar uma história que funcionasse como uma extensão da mente caótica de seu protagonista, apenas para se entregar a divagações vazias. Em Eddington, o diretor parece confortável com a ideia de que o caos é um fim em si mesmo, abraçando sem reservas a bagunça refletida por seus personagens e suas atitudes. Seguindo essa linha, Emma Stone e Austin Butler são provas cabais do planejamento equivocado do cineasta, desperdiçando dois dos intérpretes mais talentosos da nova geração em papéis tremendamente subaproveitados.

Em última instância, porém, o fraco terceiro ato não invalida o raio-X preciso que Ari Aster faz da sociedade em que vive, captando nuances e sintomas com uma precisão tão assustadora quanto a entidade maligna presente em seu longa-metragem de estreia.
NOTA 6,5









