top of page

CRÍTICA | 'Eden'

  • Foto do escritor: Guilherme Cândido
    Guilherme Cândido
  • há 21 horas
  • 3 min de leitura

ree

Depois de passar quase quatro décadas buscando jogar luz sobre o que de melhor a humanidade tem a oferecer mesmo nas circunstâncias mais desafiadoras, é de se surpreender que Eden seja dirigido por Ron Howard, que apesar de abandonar a covardia habitual, alicerça seu suspense numa abordagem monocórdica, desgastando o espectador com uma experiência que pouco tem a oferecer além do óbvio.

 

Baseado em fatos “narrados pelos que sobreviveram”, o roteiro é assinado pelo mesmo Noah Pink que fez de tudo para transformar Tetris numa cinebiografia convencional, mas que foi salva pela direção vigorosa e criativa de Jon S. Baird. Uma preguiçosa cartela situa a história em plena Crise de 29, antes de saltar alguns anos a fim de mostrar o Dr. Friedrich Ritter (Jude Law) desistir da civilização enquanto tenta reinventá-la numa das ilhas do arquipélago de Galápagos. Comunicando-se com o mundo exterior através de relatos pessimistas quanto à Humanidade e seu futuro, publicados em jornais importantes, o alemão tem a companhia de Dore (Vanessa Kirby, a Sue do novo Quarteto Fantástico), que responde melhor ao tratamento da esclerose múltipla vivendo no meio da natureza.

ree

O cotidiano do casal muda repentinamente com a chegada de uma família desesperada pelos conhecimentos do médico na busca pela cura da tuberculose contraída pelo único filho. Vividos por Daniel Brühl e Sidney Sweeney, Heinz e Margret aos poucos percebem que viver na ilha será mais difícil do que pensavam. Até porque Ritter, um misantropo nato, faz questão de dificultar a vida dos Heinz o máximo que pode, enquanto se empenha em concluir seu manifesto.

ree

Law faz um banquete com os ingredientes disponíveis nas peculiaridades de Ritter: Especialista na encarnação de tipos imprevisíveis e com intenções dúbias, o britânico despe-se (literalmente, inclusive) em seu personagem sem deixar de nos brindar com seu carisma habitual. Em boa fase, ele vem de performances marcantes em obras como o bom O Jogo da Rainha (2023) e o ótimo A Ordem (2024), produções distintas em que a versatilidade do intérprete duas vezes indicado ao Oscar pode ser vislumbrada a olho nu. No outro extremo do escopo, Ana de Armas, recentemente vista no razoável Bailarina, surpreende ao surgir deliciosamente teatral na pele da diabólica Baronesa.

ree

Nesse ínterim, perante colegas tão consolidados e talentosos, a estadunidense Sidney Sweeney empalidece com uma composição lânguida e que não alimenta as fagulhas soltas pelos conflitos da trama, ao passo que o excelente Daniel Brühl, com quem Ron Howard trabalhou no subestimado Rush: No Limite da Emoção (e que deveria ter rendido ao menos uma indicação ao Oscar para o catalão), empresta credibilidade e humanidade a Heinz, características fundamentais no jogo da degradação proposto pelo script. 

ree

Que no final das contas não tem maturidade suficiente para fazer jus às comparações com o clássico O Senhor das Moscas. Noah Pink, passa mais tempo alimentando contendas do que particularmente desenvolvendo-as, o que transforma a produção numa experiência cansativa graças à repetição de dinâmicas (e a duração superior às duas horas não ajuda). Pois, no final das contas, Eden é tão superficial que praticamente não há espaço para o subtexto. Para além da narração didática, o objetivo único é retratar o que de pior a humanidade tem a apresentar, deixando questionamentos pelo caminho. Não através de provocações filosóficas, mas por meio das próprias complicações autoimpostas pelo fraco roteirista.

ree

A montagem episódica, que aproveita apenas a plasticidade das imagens bucólicas de Galápagos (um deleite gratuito, vale ressaltar), desperdiça paralelos com o texto sombrio, que por sua vez é muito bem representado pela fotografia cinzenta de Mathias Herndl, de carreira discreta na Televisão. Por falar em discrição, o mestre Hans Zimmer parece ter gastado toda sua energia anual no score eletrizante de F1: O Filme, já que Eden infelizmente conta com esforços apenas protocolares do experiente compositor. Mesmo assim, um burocrático Hans Zimmer ainda é eficaz na arte de instigar o suspense, ao menos garantindo o básico para a atmosfera narrativa.

ree

Que é conduzida por Ron Howard apropriadamente como se este não tivesse nada a perder, restando apenas a liberdade de tentar algo novo. Ao menos para os padrões conservadores do realizador vencedor do Oscar por Uma Mente Brilhante (2001) e queridinho dos grandes estúdios justamente pelo modus operandi avesso a riscos.

 

Eden se propõe a fazer uma análise implacável da humanidade, mas possui poucas ferramentas para tal, enfraquecendo o potencial de uma história em que nem mesmo um ótimo elenco e um motivado diretor são capazes de salvar.


NOTA 5

bottom of page
google.com, pub-9093057257140216, DIRECT, f08c47fec0942fa0