"A Grande Viagem da Sua Vida" é menos profundo do que julga ser
- Guilherme Cândido

- 18 de set.
- 3 min de leitura

Vídeo-ensaísta requisitado que já trabalhou para grandes instituições como a revista Sight & Sound e a distribuidora Criterion, o sul-coreano Kogonada passou grande parte da vida examinando a obra de mestres como Ingmar Bergman (1918-2007), Robert Bresson (1901-1999) e Yasujirô Ozu (1903-1963), de onde veio a inspiração para o nome artístico (Kogo Noda foi um de seus parceiros de roteiro). Depois de tanto tempo de estudo, faltava apenas colocar os conhecimentos em prática, culminando em Columbus (2017) elogiado longa-metragem de estreia, mas foi A Vida Depois de Yang (2021) que o pôs no radar da Indústria.
A reflexão melancólica sobre a relação dos humanos com a tecnologia e o sentimento de perda, foi mais um passo para transformar Kogonada num autor a ser acompanhado. Agora contratado por um grande estúdio, com um orçamento aprimorado e a possibilidade de expandir seu alcance, o diretor parece dar alguns passos para trás, embora revisite temas recorrentes em sua curta, mas promissora carreira. A Grande Viagem da Sua Vida também é o primeiro filme dirigido, mas não escrito por Kogonada, o que talvez explique certas inconsistências.

Assinado por Seth Reiss (do ótimo O Menu), o roteiro narra a história de David (Colin Farrell), um irlandês que vive em Nova York e mostra-se confortável com a própria solteirice, mesmo diante dos conselhos impertinentes que ouve a respeito das benesses de encontrar o amor. Num belo dia, porém, ele aluga um carro com uma espécie de GPS mágico, do tipo autônomo (e com a voz de Jodie Turner-Smith) e que lhe convida a fazer a jornada presente no título. Numa dessas andanças ele se depara com Sarah (Margot Robbie), uma mulher avessa a relacionamentos cujo caminho se cruza com o de David. Juntos, eles embarcam numa odisseia que os transporta para vários momentos do passado.

Com design de produção caprichado, a produção se esforça para se apresentar como uma fantasia, investindo em cores fortes que funcionam especialmente para caracterizarem cada passagem protagonizada pelo casal. Falando nisso, Farrell, um ator sempre interessante, não tem dificuldades para fazer de David uma figura digna de nossa simpatia, adotando maneirismos simples e um olhar humilde que conferem uma aura ainda mais humana ao sujeito. Por outro lado, Robbie repete o sorriso onipresente e a dicção acelerada de seus trabalhos pré-Barbie, sendo prejudicada ainda pela insistência do script em ilustrar sua resistência a relacionamentos. O que se revela um problema a partir do momento em que abraçamos a perspectiva de David, tornando Sarah uma presença quase inconveniente. E se a moça ao menos possibilita a inserção de uma sequência musical, ponto alto da performance de Colin Farrell, mas encerrada de maneira artificial, a ausência de química entre os dois dificulta as ambições românticas do texto.

Para piorar, Seth Reiss abusa das frases de efeito, obrigando personagens a recitarem bobagens motivacionais como se fossem pérolas edificantes ("às vezes você tem que atuar para chegar à verdade”, “a vida é melhor quando se está aberto”). Esta última, aliás, torna-se ainda mais óbvia quando combinada à metáfora das portas, um recurso desenvolvido de formas infinitamente mais criativas por obras como O Portal Secreto (2023) e Os Agentes do Destino (2011).

Se no bom filme estrelado por Matt Damon, uma porta significava uma oportunidade para desafiar o destino, em aqui elas representam a chance de David e Sarah se reconciliarem com seus respectivos passados. O problema é que os argumentos apresentados são quase sempre sabotados pelo sentimentalismo excessivo de Reiss, um escritor tão adepto do modelo água com açúcar que seu trabalho pode ser letal para diabéticos.

Os tropeços do roteirista, por outro lado, são parcialmente contornados pelas habilidades de Kogonada em construir uma atmosfera agradável, do tipo que costuma abrilhantar noites chuvosas de espectadores casuais, tirando proveito do tom lúdico do texto. Todavia, fica a impressão de que o cineasta encontrou uma forma de tornar sua visão mais palatável para o grande público, o que frustrará fãs ávidos pelos insights melancólicos tão habilmente manejados em seus projetos anteriores.

Desperdiçando ainda a talentosa Phoebe Waller-Bridge e o gênio Kevin Kline em participações pouco especiais, A Grande Viagem da Sua Vida está longe de ser ruim e mais ainda de oferecer a experiência catártica e profunda imaginada por seu roteirista.
NOTA 5,5









