'A Natureza do Amor' propõe discussão profunda sobre o amor
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  • Foto do escritorGuilherme Cândido

'A Natureza do Amor' propõe discussão profunda sobre o amor


A cineasta canadense Monia Chokri, que muitos devem se lembrar como a amiga do personagem de Xavier Dolan no bom Amores Imaginários, não costuma se distanciar de temas populares e o amor é um elemento recorrente em sua filmografia. O que acaba se destacando em suas narrativas, no entanto, é seu estilo, seja o narrativo ou o visual. Um exemplo perfeito é Babysitter, seu filme anterior e que escancara não apenas sua inspiração em Pedro Almodóvar, como também seu dom para pegar uma trama aparentemente banal e transformar numa experiência singular.


Naquela produção, Chokri (que também protagonizou) utilizou um relacionamento em crise para construir uma obra feminista carregada de ironia, abordando patriarcado, objetificação e o papel da mulher na Sociedade com uma acidez irresistível. Como se não bastasse, embalou o filme com um senso estético marcante, seja no uso ostensivo do vermelho (Almodóvar, não esqueça...) ou dos zooms dramáticos. A Natureza do Amor segue uma estratégia semelhante, embora Chokri mostre-se um pouco menos inspirada dessa vez.

A trama acompanha Sophie (Magalie Lépine Blondeau, também de Amores Imaginários), uma professora universitária de meia-idade que vive confortavelmente (até demais) com o marido Xavier (Francis-William Rhéaume, de Guia Para Uma Família Perfeita), um teórico com quem possui muito em comum. Mas quando ela conhece Sylvain (Pierre-Yves Cardinal, de Tom na Quinta, outro filme de Xavier Dolan), empreiteiro contratado para reformar sua casa de campo, ela se depara com algumas possibilidades que nunca sonhou. Isso porque a professora jamais poderia imaginar que se sentiria atraída por um tipo tão diferente do homem com o qual se casou. E não demora até que os dois engatem um intenso relacionamento às escondidas.

Inicialmente, a produção se desenvolve como uma comédia romântica convencional, com a mulher certinha casada com um intelectual entediante se descobrindo apaixonada pelo xucro viril. A própria aparência dos atores faz lembrar O Cravo e a Rosa, novela da Rede Globo em que Eduardo Moscovis e Adriana Esteves emularam a mesma dinâmica vista aqui, embora inspirada em A Megera Domada, de Shakespeare. Assim como os brasileiros, Blondeau e Cardinal possuem imensa química em cena, elevando a produção sempre que se encontram.

Eventualmente, Sophie terá de fazer aquela escolha difícil até entrar em crise lá pela metade final, quando seu verdadeiro amor surgirá implacavelmente para se declarar e conquistar seu coração de vez. Porém, mesmo que isso tudo esteja presente em A Natureza do Amor, corresponde apenas a metade da projeção, já que Monia Chokri tem muito mais a dizer, fazendo com que a narrativa se divida em praticamente dois filmes: um com uma visão idílica do relacionamento do casal e outro focado em desdobramentos mais racionais. Chokri não se contenta em fazer uma comédia romântica, do tipo que faria um sucesso estrondoso no streaming, dando-se o trabalho de ampliar o escopo da narrativa sob o prisma de Sophie.

Com isso, a diretora e roteirista abandona uma história que já estava dando certo, para tentar oferecer um algo a mais ao espectador. É aí que entra em cena o trabalho de Sophie, com intervenções pontuais que procuram destrinchar o título do filme. A protagonista aparece parafraseando filósofos famosos como Platão e Schopenhauer para explicar as complexidades do amor e sua ligação com o desejo, complicando uma narrativa sob o pretexto descartável de trazer profundidade à obra, numa busca decepcionante por relevância.

Chokri levanta debates sobre a humanidade (é impossível não lembrar do Agente Smith de Matrix quando alguém argumenta que o ser humano é “um parasita que só existe para agredir o meio-ambiente"), posiciona-se no espectro político (há críticas contundentes à Direita) e tenta extrair um significado das experiências da protagonista, flertando perigosamente com a prolixidade. Pior, ao buscar um desfecho mais racional, querendo soar realista, ela diminui as conquistas que obteve, sugerindo interpretações polêmicas em seus minutos finais (os motivos que levaram a Sophie a tomar uma determinada decisão).

É uma pena, pois na primeira metade, o longa exala energia e estilo, com a realizadora merecendo fartos elogios à forma como conduziu as tórridas cenas de sexo, que soam elegantes e sensuais. Repare como Chokri opta por focar em gestos e sons ao invés de simplesmente encher a tela com movimentos. Nesse aspecto, A Natureza do Amor consegue ser, com facilidade, tudo aquilo que a franquia Cinquenta Tons de Cinza tentou de forma desesperada, mas falhou miseravelmente. Esses momentos também se beneficiam da predileção da diretora por cores quentes, que ajudam a criar a incandescência demandada.

Investindo em discussões particularmente divertidas sobre a forma como as pessoas se comunicam hoje em dia (há uma alfinetada espetacular no uso em excesso de “tipo”, por exemplo), incluindo uma reflexão que deveria chegar ao maior número possível de pessoas (“uma linguagem desenvolvida leva a pensamentos precisos”), A Natureza do Amor oferece uma história irregular ao abordar um relacionamento que estava funcionando brilhantemente até as coisas ficarem mais complicadas do que deveriam, o que diminui sua eficiência, mas não compromete a experiência.


NOTA 7


*Filme visto originalmente no Festival do Rio 2023

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