Comédia italiana "Paradise - Uma Nova Vida" diverte com trama absurda
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  • Foto do escritorGuilherme Cândido

Comédia italiana "Paradise - Uma Nova Vida" diverte com trama absurda


Após testemunhar um assassinato na Sicília, sua terra natal, Calogero concorda em depor e entra para o programa de proteção à testemunha da polícia italiana. Enviado para a fria Sauris, uma comunidade com pouco mais de 400 habitantes no norte da Itália (próxima da fronteira com a Eslovênia), Calogero passa seus dias numa vazia pousada enquanto aguarda as investigações terminarem. O problema é que durante uma caminhada matutina, o rapaz acaba dando de cara justamente com o assassino que ajudou a capturar.


Ao tomar conhecimento dessa premissa absurda, é fácil perceber que Paradise – Uma Nova Vida se trata de uma comédia. Inicialmente apostando no choque cultural para extrair humor, o roteiro escrito por Andrea Magnani (Easy) em parceria com o diretor Davide Del Degan (do documentário “L'ultima spiaggia”) atribui ao jovem Calogero (Vincenzo Nemolato, uma espécie de Andy Samberg italiano) a função de apresentar o espectador às paisagens gélidas do vilarejo e aos costumes locais, como a peculiar dança Schuhplattler (herança alemã dos vizinhos eslovenos), que acaba servindo como subterfúgio narrativo para conectar os personagens.


Assim que a estranheza inicial se dissipa, o script logo parte para o primeiro ponto de virada, quebrando a pacata rotina de Calogero com a chegada do assassino interpretado por Giovanni Calcagno, que também se apresenta como... Calogero. Assim, o segundo ato se concentra em explorar o terror de Calogero (o jovem) em suas interações com o assassino, ora com objetivos cômicos, ora com tons de tensão.

O ótimo trabalho do cineasta Davide Del Degan pode ser sentido não apenas na condução da história, transitando entre diferentes atmosferas com perfeito equilíbrio - enquanto se beneficia da boa trilha sonora de Luca Ciut (Resina), inteligente ao optar por enfatizar apenas o absurdo - , mas também na eficiente dinâmica entre Nemolato e Calcagno (ambos de O Conto dos Contos): enquanto o primeiro é eficiente ao reagir aos eventos nada convencionais que se apresentam, o segundo é hábil ao adotar uma postura de naturalidade, estranhando as atitudes do xará.


Nemolato, particularmente, merece créditos por investir numa abordagem que foge à tentação das caretas e dos maneirismos exagerados, algo que normalmente acontece em comédias desse tipo, com atores tentando provocar o riso a todo instante, mas o intérprete de Calogero é perspicaz o bastante para permitir que o humor seja consequência apenas do texto, ao passo que Calcagno, dono de um físico imponente e uma expressão sempre fechada, diverte ao sustentar sua persona durona, justificando o temor constante de seu homônimo.

Contando com uma montagem que injeta fluidez à cacofonia narrativa, seja por meio de raccords eficazes, como aquele que utiliza as duas mãos de um personagem sobre o próprio abdômen para estabelecer uma conexão com a esposa grávida do protagonista; e sequências que surgem a partir de ideias sugeridas em diálogos (aquela durante uma chamada via Skype, por exemplo), a produção ainda deslumbra o espectador com uma fotografia que privilegia as paisagens italianas.


Com um segundo ato saboroso por conta da acertada escolha de Del Degan em manter a simplicidade, Paradise – Uma Nova Vida, ainda dá uma pincelada em temas como a repressão sexual (quebrando tabus ao subverter a expectativa do espectador em relação a um personagem) e a famosa segunda chance, que aqui é bem desenvolvida por meio do arco dramático do Calogero mais velho, com direito a uma belíssima rima temática que, de quebra, ainda oferece a deixa para que o personagem faça jus ao subtítulo da produção.

É uma pena, portanto, que o roteiro logo depois de sugerir um desfecho previsível, mas adequado, resolva se complicar com uma frustrante reviravolta: na metade da projeção, os roteiristas dão todos os sinais ao espectador de que o final seguirá algumas convenções, despejando boas doses de melodrama para amarrar as pontas soltas, mas infelizmente também revela enxergar a necessidade de trazer complexidade ao arco do protagonista, que acaba por tomar decisões que ilustram uma desnecessária e pouco convincente mudança de personalidade, o que fica claro nos instantes finais da projeção, ofuscando a supracitada rima temática que tão bem encerraria a história.


Tropeçando ainda ao jamais mostrar os funcionários da pousada, um desleixo que acaba fazendo a diferença, Paradise – Uma Nova Vida é uma daquelas comédias aconchegantes perfeitas para uma noite chuvosa, mesmo que os contornos sombrios de seu epílogo amarguem ligeiramente a experiência.


NOTA 6,5


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