Dramédia "45 do Segundo Tempo" coloca a nostalgia em perspectiva
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  • Foto do escritorGuilherme Cândido

Dramédia "45 do Segundo Tempo" coloca a nostalgia em perspectiva

Nostalgia: (...) Sentimento ligeiro de tristeza sentido por alguém, pela lembrança de eventos ou experiências vividas no passado; saudades ou tristeza por algo ou alguém que já não existe mais ou que já não possuímos mais. (Dicionário Michaelis)

A nostalgia está na moda. Dentre todos os atrativos do Cinema contemporâneo, o que permanece mais forte é o apelo à memória afetiva do espectador. Para os mais jovens, Vingadores: Ultimato, de 2019, talvez seja a representação mais acessível do termo, através da literal viagem no tempo que levou seus super-heróis por eventos enraizados na cultura popular.


Top Gun: Maverick é o exemplo mais recente e a prova de que a nostalgia continua (muito) rentável. Continuação de um fenômeno cinematográfico lançado há mais de 30 anos, a produção estrelada por Tom Cruise, um dos últimos grandes astros de Hollywood, remanescente de uma época em que um filme se tornava atrativo graças a um simples nome escrito sobre o seu título, Maverick segue pulverizando recordes, mantendo-se entre os cinco filmes mais assistidos do mundo mesmo depois de três meses em cartaz. Fruto de uma estratégia bem elaborada que soube equilibrar doses cavalares de nostalgia com ação de qualidade, Top Gun: Maverick deu uma forcinha num tema que já estava vorazmente sendo consumido pelo público. Já este 45 do Segundo Tempo, coloca esse sentimento agridoce em perspectiva. O passado seria mesmo melhor do que o presente? Ou melhor, o passado precisa ser melhor do que o presente?

Para embasar essa reflexão, o roteiro escrito a oito mãos, acompanha Pedro Baresi (Tony Ramos, de Se Eu Fosse Você), um típico paulistano de ascendência italiana: dono de uma tradicional cantina famosa pelas bracciolas e fundada há cinquenta anos por seu avô no bairro do Bixiga em São Paulo, ele também é um torcedor fervoroso do Palmeiras. Solteiro e sem familiares, ele passa os dias cuidando de Calabresa, sua cadela de estimação, e tentando resolver os graves problemas financeiros da Cantina Baresi. Um dia, durante os percalços do dia a dia, Pedro é convidado por um jornal para refazer uma foto tirada ao lado de seus amigos em 1974, o que se revela a oportunidade perfeita para reencontrar Ivan (Cássio Gabus Mendes) e Mariano (Ary França).

Mas a morte de Calabresa somada à interdição da cantina cai como uma bomba sobre Pedro, que entra numa crise existencial. Em paralelo, Ivan, hoje um advogado bem-sucedido, e Mariano, agora padre, também passam a enfrentar problemas. O primeiro vive uma crise matrimonial, enquanto o segundo questiona sua fé. Nesse cenário tomado pela desesperança, o trio resolve tomar uma atitude impulsiva, embarcando numa viagem de ônibus para o município onde estudaram, para relembrarem os velhos tempos e quem sabe até rever antigas paixões.

Estabelecendo o presente como uma época de constante aflição, 45 do Segundo Tempo apresenta personagens sufocados por escolhas que levaram a uma vida de insuficiência, seja familiar, amorosa ou espiritual. Assim, nada mais natural do que buscar no passado, senão a solução, uma forma de amenizar a dolorosa contemporaneidade. Ao chegar na tal cidade, (Areado, no sul de Minas Gerais), porém, é sentido o primeiro impacto: “é bem menor agora”, constata um deles, antes do tour que terminará por colocar o trio saudosista no divã. O diretor Luiz Villaça (do bom De Onde Eu Te Vejo), um dos autores do script, constrói sua narrativa por meio de alegorias e metáforas, dedicando a primeira metade a uma sucessão de choques de realidade.

Ao visitarem Soninha (Louise Cardoso, em participação simpática), antiga musa do grupo, mal cabem no sofá da sala, agora estreito e fundo demais para acomodar tanto peso. Até mesmo a casa já não é mais a mesma, denunciando a passagem do tempo através da infiltração que mancha as paredes desbotadas. E aquela memória de uma Soninha forte, capaz de deixar todos os outros garotos de joelhos é arranhada por uma mulher de vida difícil, abatida pela viuvez. Mas o roteiro vai além, pois ao apresentar seu antipático filho, Soninha confidencia em tom melancólico: “ele era uma criança boa, queria que vocês tivessem conhecido ele antes”, numa declaração que reverbera outro tipo de nostalgia, aquele que baterá forte nos pais presentes na plateia.

Às vezes, reviver o passado pode ser mais aflitivo do que se imagina, mas também é possível aprender com as reconfigurações da vida. “Ver que a vida dela também é uma merda te conforta, não é?”, Mariano pergunta a Pedro. Essa jornada de rememoração transformada em redescobrimento faz de 45 do Segundo Tempo uma reflexão sobre as escolhas que fazemos e como devemos encará-las ao atingir certa etapa da vida.

Talvez exagerando nas comparações, muitas com o objetivo de justificar o título da obra, 45 do Segundo Tempo esboça uma defesa calorosa do agora, como se o carpe diem imortalizado em Sociedade dos Poetas Mortos fosse metade da solução para os problemas de uma geração perdida ao encarar um fim que surge ao final de uma estrada cuja extensão ainda é incerta. O que fazer agora que (supostamente) nada mais há o que fazer? É aí que entra a outra metade da solução oferecida pelo roteiro, representada por aqueles que nos cercam. São as pessoas com quem nos importamos e formamos laços afetivos que tornam nossa vida significativa, contrariando o pensamento debochado de um Mariano enquanto ébrio (“os suicidas foram os únicos que descobriram o sentido da vida”). É justamente quando (re)descobre seus amigos que Pedro finalmente se dá conta de que a solidão não é algo definitivo, culminando num desfecho que pode soar brusco, mas que encerra com perfeição seu arco dramático.

Evocando uma densidade emocional mais do que esperada vindo de um intérprete do seu quilate, Tony Ramos traz sensibilidade a Pedro Baresi, equilibrando-se entre os tons depressivos de sua faceta dramática com a postura opressiva em suas bem-sucedidas tentativas de fazer humor. Incorporando vocábulos e trejeitos (sua especialidade) italianos, Ramos é hábil ao fazer de Baresi uma figura simpática e comovente, ao passo que Cássio Gabus Mendes, como o ponto de equilíbrio do grupo, mostra-se confortável ao exalar lucidez e serenidade, mas é Ary França quem acaba roubando a cena como o Padre Mariano, arrancando gargalhadas com uma performance desbocada, mas nunca vulgar, investindo num divertido tom autodepreciativo.

Mesmo que tropece numa óbvia e deselegante sequência que usa uma partida improvisada para mastigar ao espectador a catarse de Pedro, 45 do Segundo Tempo vai surpreender aqueles que esperam por uma comédia futebolística rasgada como O Casamento de Romeu e Julieta, pois a reflexão sujeita a lágrimas se faz muito mais presente do que a irreverência, representando uma experiência muito mais profunda do que escapista.


NOTA 7,5


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