Festival do Rio 2023 | Dia 8
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  • Foto do escritorGuilherme Cândido

Festival do Rio 2023 | Dia 8

Atualizado: 28 de out. de 2023

Fronteira Verde (Zielona Granica, 2023) | Polônia


Hoje é fácil entreouvirmos conversas acaloradas em qualquer lugar sobre a Guerra entre Rússia e Ucrânia. Os meios de comunicação, a essa altura, substituíram o sensacionalismo pela naturalidade, banalizando o longo confronto entre as duas nações europeias. Por isso, Fronteira Verde não deve ser um organismo estranho quando chegar ao público, já que aborda a crise dos refugiados que vem representando uma pedra no sapato da União Europeia há quase dez anos.


A história começa no interior de um avião turco. Entre os passageiros, fugitivos de diversas nações abraçam a improvável esperança de conseguirem entrar no Velho Continente pelo ar, atravessando fronteiras até chegarem à Suécia, historicamente mais receptivo à imigração. Enquanto os funcionários da companhia aérea presenteiam com rosas os turcos e sírios a bordo, os bielorrussos não são tão simpáticos. Isso porque a promessa do ditador Lukashenko se revelou uma grande mentira, embalando uma armadilha pronta para os imigrantes caírem.


Entre os refugiados está uma família de sírios, fugindo da devastada cidade de Harasta, tomada pelos terroristas do Estado Islâmico e Leila, a mais nova agregada. Tentando escapar das garras do Talibã, a senhora afegã rapidamente é acolhida pelo grupo e se revela uma componente crucial, solucionando conflitos em potencial. Desde o repentino pedido de dinheiro por conta de uma espécie de "coiote", passando por um valioso carregador portátil e uma conveniente habilidade de acalmar o bebê da família, Leila está sempre estendendo a mão para manter a jornada do grupo em curso.


O roteiro, escrito a seis mãos, é dividido em capítulos, todos incorporando o tipo de sofrimento visceral que ao longo dos anos vem fazendo a fama do Cinema Polonês. Com uma bela fotografia em preto e branco (outra marca registrada), acompanhamos os eventos cada vez mais dramáticos nos quais os refugiados são obrigados a passarem, desde a violência gratuita de guardas de fronteira até intempéries naturais. Por outro lado, há quem tente equilibrar essa balança. No caso, são ativistas que se reúnem nas florestas que rodeiam a fronteira entre Bielorrússia e Polônia em busca de pessoas em necessidade.


Mas a veterana realizadora Agnieszka Holland não constroi seu filme apenas como um teste de resiliência para seus incautos personagens. A polonesa busca um tipo de Cinema humanitário, exalando empatia ao invés de englobar as complexas engrenagens geopolíticas que envolvem a Crise dos Refugiados. A longa duração sugere um épico humanista, mostrando que nem sempre é tudo preto ou branco (como sugere a fotografia acinzentada). Assim como nem todos os guardas são selvagens, nem todo habitante dos arredores está disposto a ajudar o próximo. Nesse ponto, destaca-se a participação de Julia (Maja Ostaszewska), psicóloga que oferece a própria residência para acolher os homens e mulheres que entraram em seu país em busca de paz.


Presenteando o espectador com surpresas no final da projeção e que revitalizam nossas esperança na humanidade, recompensando (nem que seja por poucos minutos), toda a epopeia que testemunhamos durante quase duas horas e trinta minutos, Fronteira Verde é um filme forte e tocante sobre uma realidade que já invadiu nosso cotidiano. Uma ferida aberta que precisa ser cutucada frequentemente para estimular o que de melhor temos a oferecer.


NOTA 8


 

Hypnotic - Ameaça Invisível (Hypnotic, 2023) | Estados Unidos


Danny Rourke (Ben Affleck) é um detetive que se apega ao trabalho como uma forma de manter sua sanidade mental. Afinal, sua filha desapareceu num suposto sequestro justamente quando os dois estavam curtindo uma tarde no parque. Num dia corriqueiro, logo após ser liberado pela terapia, Rourke se depara com um estranho caso de assalto a banco em que uma pista sobre o paradeiro da filha surge inexplicavelmente através de um misterioso homem engravatado com uma aparente influência sobre as autoridades. Tal influência, no entanto, não é política e, sim, psicológica. Ou psíquica. Afinal, estamos falando de uma história que envolve hipnóticos, ou seja, pessoas capazes de influenciar o cérebro de outros por meio de “abordagem psíquica”. Foi difícil escrever essa sinopse sem esbarrar em spoilers, o que certamente impactaria na experiência de assistir a Hypnotic – Ameaça Invisível, novo filme escrito e dirigido por Robert Rodriguez.


Numa premissa tão absurda como essa cairia bem um enfoque menos sisudo, algo que parece escapar do entendimento não apenas de Rodríguez, mas também de sua estrela, Ben Affleck (comentarei mais adiante). O cineasta texano, cujos maiores acertos se devem a colaborações com o amigo Quentin Tarantino (Sin City – A Cidade do Pecado e Planeta Terror), sempre se dividiu entre projetos voltados exclusivamente para crianças (Pequenos Espiões, As Aventuras de Sharkboy e Lavagirl) e aqueles desesperadamente à procura da atenção dos adultos (Era Uma Vez no México, Machete), mas nunca havia explorado o território da ficção científica como tenta fazer neste Hypnotic, desconfortavelmente aplicando os signos de um gênero que claramente não domina.


Em contrapartida, há momentos em que a fotografia e a montagem (ambos departamentos também creditados a ele) trabalham juntos para alcançarem algum grau de inventividade, encontrando soluções visuais para brincar com o tema do projeto ao tirar a credibilidade do que o espectador está vendo. É o caso de um local cujo acesso se dá abrindo uma geladeira, por exemplo, ou das perseguições que até tentam evocar os brilhantes e inventivos efeitos visuais de A Origem, mas que o orçamento jamais permite. Além disso, Rodriguez é bem-sucedido ao criar imagens plasticamente atraentes, como a prisão mergulhada em sombras, mas com feixes de luz entrando no espaço entrecortado por lâmpadas vermelhas ou o raccord entre uma cela e um pedaço de madeira.


Enquanto isso, o roteiro jamais alcança o seu potencial. Embora a trama inclua absurdos difíceis de digerir, cineastas mais experientes já encontraram formas de torná-los mais palatáveis. O texano, no entanto, parece inseguro ao lançar conceitos complexos, demonstrando imensa dificuldade em desenvolvê-los de maneira orgânica ao apelar para muletas narrativas que afastam o espectador. É o que acontece com a personagem vivida pela brasileira Alice Braga (O Esquadrão Suicida), infelizmente um instrumento concebido para verbalizar tudo o que Rodriguez quer explicar ao espectador.


Assim, Braga é limitada ao papel clássico da mentora encarregada de guiar o espectador pelo intrincado caminho descrito no roteiro, protagonizando uma sucessão ininterrupta de explicações que deixariam Christopher Nolan perplexo, tornando difícil a conexão com a narrativa quando esta pausa de cinco em cinco minutos para atirar e explanar conceitos. Os melhores momentos da projeção são justamente aqueles em que Robert Rodriguez, despe-se desse compromisso e entrega-se à sua verve de cineasta de filmes B, mesmo que empregue closes dramáticos cujo principal efeito colateral é escancarar a canastrice de Ben Affleck.


O ator insiste numa performance marcada pela rigidez, quando tudo ao redor demanda o oposto. Mais recentemente, em Air – A História Por Trás do Logo, no qual também assinou a direção, Affleck foi capaz de atuar de forma mais descontraída, mas aqui ele infelizmente se equivoca ao adotar uma seriedade inabalável, além de investir nos mesmos maneirismos que fazem a alegria dos seus detratores (o jeito de andar com os braços afastados do tronco, as caretas e a dificuldade em pronunciar frases de efeito). Seu pior momento é aquele em que Danny resolve encarar o poderoso vilão interpretado por William Fichtner (com quem contracenou em Armageddon), provocando gargalhadas involuntárias com suas expressões, no mínimo, inusitadas.


A trilha sonora, por outro lado, é o que de melhor Hypnotic tem a oferecer, precisamente por não compartilhar do medo de Robert Rodriguez em abraçar o exagero, com acordes pesados de sintetizadores eficientes em incutir tensão e alimentar o suspense. Falando nisso, Rodríguez merece elogios pela forma com que conduz as sequências mais próximas do terror, com destaque para o momento protagonizado por Jackie Earle Haley (o Rorschach de Watchmen). Talvez o cineasta não soubesse de sua competência como um eventual diretor de terror, o que explicaria o motivo de não ter investido em mais passagens como aquela. Aliás, caso Hypnotic conseguisse se equilibrar entre a farsa e o suspense, a experiência oferecida teria sido infinitamente superior.


A realidade, porém, é mais dura, pois expõe uma produção que não parece muito segura de suas intenções. Inicialmente tratados como agentes treinados para utilizarem habilidades psíquicas, logo os hipnóticos demonstram habilidades praticamente sobrenaturais, gerando dúvidas pouco exploradas pelo roteiro. Seriam dons sobrenaturais ou um mero treinamento? É possível nascer com esse dom ou trata-se de uma habilidade a ser dominada? Da mesma forma, a tal Divisão surge como uma vilã cujas motivações não vão além do genérico.


Eventualmente se entregando à obsessão por dominós, Robert Rodriguez ainda tem a pachorra de incluir uma sequência pós-créditos que escancara a intenção de transformar Hypnotic – Ameaça Invisível numa franquia, ao invés de se concentrar em entregar um final menos artificial. Talvez seja o momento de chamar Quentin Tarantino de volta para uma parceria em seu próximo filme...


NOTA 4


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