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Festival do Rio 2025 | Dia 11 (Último)

  • Foto do escritor: Guilherme Cândido
    Guilherme Cândido
  • há 1 dia
  • 6 min de leitura

Atualizado: há 2 horas

Franz

(Idem, Rep. Tcheca/Alemanha/Polônia)


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Como muitos pensadores brilhantes, Kafka só alcançou relevância mundial após a morte, parte inexpugnável da vida que tradicionalmente desperta a curiosidade do público sobre a obra do falecido, especialmente se este foi um artista. E como um artista, das palavras e do pensamento, o tcheco não poderia ser menos exótico e antissocial, características que distanciavam potenciais admiradores, mas que servem como atributos irresistíveis ao conterrâneo Marek Epstein (do bom O Charlatão), que assina o roteiro dessa biografia incomum indicada à Concha de Ouro no Festival de San Sebastián.


Dirigido pela polonesa Agnieszka Holland, a produção é tão interessada no homem por trás do mito que chega ter apenas seu primeiro nome como título. Por outro lado, por mais que tente agregar dispositivos incomuns à narrativa, o modelo utilizado pelo roteiro ainda é convencional e os tormentos sofridos pelo biografado, em última análise, não são maiores do que os de tantas outras mentes brilhantes, fazendo com que o longa-metragem soe mais banal do gostaria.


A história acompanha a juventude tardia de Kafka (Idan Weiss), um homem ainda tentando caminhar com as próprias pernas, dividido entre a vocação como escritor e os planos de seu pai (Peter Kruth), que o vê como futuro parceiro nos negócios da família. Enquanto o tempo avança, amores surgem, amizades se enfraquecem, mas seus interesses permanecem intactos, prontos para marcarem a humanidade.


Entre as “novidades” propostas por Holland, acostumada a narrativas mais formais como a do ótimo Zona de Exclusão, exibido no Festival do Rio em 2023, estão recursos que vão desde o desenvolvimento não-linear até personagens quebrando a quarta parede para oferecer depoimentos diretamente ao público. Enquanto o primeiro  mais soa intrusivo por interromper bruscamente sequências rodadas no passado para suceder passagens no presente que ilustram o legado de Kafka quase em “tempo real”, o segundo é ainda mais chocante, seja pela inesperada conversa puxada pelos personagens ou pelo óbvio problema decorrente do simples fato de que eles fornecem informações que não poderiam possuir em primeiro lugar (como detalhes da personalidade do protagonista).


Idan Weiss, em seu primeiro papel no Cinema, é bem-sucedido em retratar a patetice de Kafka em algumas de suas tolas convicções, revelando-se apenas irritante nos momentos em que tenta ilustrar a teimosia do sujeito. O novato, no entanto, acaba sendo eclipsado por seus colegas de elenco, especialmente o veterano Peter Kruth (visto esse ano na comédia alemã O Grande Golpe do Leste), intérprete do rigoroso pai do protagonista. As figuras femininas também são encarnadas com mais profundidade, enfraquecendo a figura central por tabela.


Exibindo um design de produção competente e uma reconstituição histórica correta, Franz é o tipo de filme engolido por suas próprias pretensões que, mesmo compreensíveis, apenas disfarçam a natureza inexoravelmente convencional de sua narrativa.



NOTA 6



Se Eu Tivesse Pernas, Eu Te Chutaria

(If I Had Legs I’d Kick You, EUA)


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O Festival do Rio 2025 não tem sido muito amigável para com as mulheres que sonham com a maternidade. Após filmes como Me Ame Com Ternura, Morra, Amor, Hamnet e agora este Se Eu Tivesse Pernas, Eu Te Chutaria, é bem provável que as espectadoras pensem com mais carinho antes de decidir ser mãe.


O título já diz tudo, ilustrando a estafa mental e física da personagem de Rose Byrne, uma mulher que tem de se desdobrar em múltiplas funções no dia-a-dia. Além das obrigações com a filha pequena, portadora de uma doença jamais plenamente esclarecida, mas que claramente necessita de cuidados especiais (como uma máquina responsável por alimentá-la através de um tubo conectado diretamente em seu estômago), o teto de um dos cômodos de seu apartamento simplesmente desaba, inundando o local e obrigando-a a morar provisoriamente num hotel de beira de estrada. Tudo isso sozinha, pois o marido, militar, está no meio de uma longa viagem. Como se isso tudo não bastasse, ela ainda deve parecer mentalmente equilibrada para suas pacientes, já que também trabalha como terapeuta.


Se parece cansativo só de ler o parágrafo anterior, prepare-se para uma experiência ainda mais intensa, pois a diretora/roteirista Mary Bronstein faz o espectador ter a mesma sensação excruciante experimentada por Linda. Para isso, a nova-iorquina lança mão de quadros fechadíssimos, sempre buscando a expressividade de Byrne, que oferece de longe sua atuação mais visceral. Aliás, com a câmera tão próxima de seu rosto, é possível perceber até a mais sutil mudança de expressão, o que só engrandece seu desempenho.


O design de som também é diretamente responsável por provocar essa ansiedade que Linda acaba compartilhando conosco. Seja pelo som da máquina de alimentação, os ruídos da babá eletrônica ou mesmo a voz da filha (cujo rosto não é revelado), somos lembrados o tempo todo das responsabilidades da protagonista. E o fato de demorarmos a ver o rosto da menina, além de desumanizá-la, ajuda a manter o foco em Linda, como se só seus problemas importassem no momento.


O roteiro não fica atrás e promove uma série de debates, a começar pelo papel da mulher na Sociedade para além da função de mãe, outra tônica dessa edição do Festival, diga-se de passagem. A maternidade é outro ponto friamente debatido pela perspectiva de Linda, que talvez não seja capaz de carregar o fardo de ser mãe. O problema, desenvolvido com cuidado pelo texto, é o acúmulo de responsabilidades, o que acaba sendo desumano para qualquer um.


Incluindo ainda uma ponta de Conan O’Brien, apresentador da cerimônia mais recente do Oscar, que surpreende pela complexidade, Se Eu Tivesse Pernas, Eu Te Chutaria, é um filme que apesar de todo o estresse provocado, ainda se deixa levar pelo humor inexpugnável de Rose Byrne, trazendo doses esporádicas de leveza numa história pesadíssima e digna de reflexão.



NOTA 8



O Que a Natureza Diz Para Você

(Geu Jayeoni Nege Mworago Hani, Coreia do Sul)


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Amenidades. Essa é a matéria-prima dos diálogos que movem não só a trama do novo longa-metragem de Hong Sang-soo, como também de sua vasta filmografia. Bebendo vorazmente do estilo da nouvelle vague, o sul-coreano se especializou na confecção de histórias que soam como meras conversas improvisadas entre seus (nem sempre profissionais) atores. E mesmo que ocasionalmente esses momentos sejam ensaiados, isso não mina a atmosfera agradabilíssima construída pelo cineasta.


Dong-hwa (Park Mi-so), um poeta tentando sobreviver sem o patrocínio do pai, um figurão jurídico, oferece à namorada Jun-hee (Kang So-yi) uma carona para a casa dos pais desta. Aproveitando o ensejo para finalmente conhecer os sogros, o sujeito se entrega a intermináveis papos principalmente com O-ryeong (Kwon Hae-hyo), patriarca da família da moça, que por sua vez se reconecta com a irmã enquanto aguarda a chegada da mãe.


Produzido de forma artesanal, O Que a Natureza Diz Para Você tem todas as assinaturas visuais de seu diretor, como os zooms, os cortes secos e as longas tomadas gravadas com a câmera estática. Em grandes festivais como este do Rio de Janeiro, uma produção como essa cai como uma luva, proporcionando uma bem-vinda lufada de leveza e otimismo em meio à maratona cinéfila. Especialmente depois da sessão do pesado Se Eu Tivesse Pernas, Eu Te Chutaria.


A própria ambientação corrobora esse clima ameno, com a casa de O-ryeong localizando-se num amplo espaço verde que ilustra o lado bucólico do interior da Coreia do Sul. Assim como ocorreu em obras anteriores de Sang-soo, espere por pausas introspectivas, com personagens contemplativos enquanto filosofam perante monumentos.


A Música, presença forte em As Aventuras de uma Francesa na Coreia (exibido no Festival do Rio passado), agora retorna para endossar o relacionamento dos personagens, especificamente entre Jun-hee com seus familiares. Também há espaço para a tradicional conversa regada a makgeoli (o favorito da protagonista vivida por Isabelle Huppert no longa supracitado), embora dessa vez sirva de combustível para um raro momento em que as tensões se elevam (a discussão durante o jantar).


Mais uma vez encarnando um homem gentil  e compreensivo, Kwon Hae-hyo mostra fluência na linguagem de Sang-Soo, justificando a duradoura parceria entre os dois. Note como o experiente ator tira de letra não só as mudanças de assunto, como também é capaz de oferecer opiniões com firmeza sem soar grosseiro. Da mesma forma, ele protagoniza uma boa piada envolvendo o carro de Dong-hwa que, como não poderia deixar de ser, vira o centro de uma das conversas.


Por se tratar de uma narrativa essencialmente desenvolvida através de diálogos superficiais e até banais (a barba de Dong-hwa é tão mencionada que chega a parecer objeto de fascínio), Geu Jayeoni Nege Mworago hani (no título original) pode ser de difícil consumo para espectadores menos versados no Cinema produzido fora de Hollywood e seu ritmo diametralmente oposto. Por outro lado, são pouco mais de 100 minutos ao lado de personagens que jamais deixam de soar como pessoas de carne e osso, com sentimentos, preferências e pensamentos únicos, protagonizando situações com as quais todos nós já nos deparamos.


Tudo isso captado praticamente sem intervenções, reforçando a vocação de Hong Sang-soo para o cinema naturalista.


NOTA 7,5

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