"Mentes Sombrias" é uma mistura ruim de filmes adolescentes de sucesso
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  • Foto do escritorGuilherme Cândido

"Mentes Sombrias" é uma mistura ruim de filmes adolescentes de sucesso

Jogos Vorazes, O Jogo do Exterminador, Divergente, Maze Runner, O Doador de Memórias, Os Instrumentos Mortais – Cidade dos Ossos, A Quinta Onda…


A lista tá longa? Pois é e só citei adaptações de histórias distópicas, sem contar as inúmeras outras que integram os mais diversos subgêneros (lembre de Crepúsculo e seus derivados). Será que os produtores ainda não perceberam a saturação desse mercado das aventuras distópicas protagonizadas por adolescentes ‘escolhidos’? Nem mesmo com a bilheteria cada vez menor? A resposta, aparentemente, é “não”, já que estamos diante de Mentes Sombrias, adaptação da série literária Young Adult escrita por Alexandra Bracken.


Aqui, vários jovens no mundo todo estão manifestando estranhos poderes que podem ser psíquicos, telecinéticos, elétricos, entre outros. Então surge o professor Charles Xavier… Ah, me desculpe, errei o filme. Onde eu estava? Pois bem, esses poderes passam a ser tratados como ‘doenças’ (com direito à nomenclatura) e os jovens são transferidos para verdadeiros campos de concentração onde são divididos por cores de acordo com a periculosidade e a natureza do poder. A cor verde simboliza a erudição, a azul representa a amizade… desculpe, me enganei novamente. Eu quis dizer que a cor é literal, os olhos também brilham de acordo com o poder (sim, isso mesmo).


A protagonista é Ruby (Amandla Stenberg) considerada uma ‘laranja’, uma raridade por se tratar de uma das mais poderosas. Exatamente por isso, passa a ser perseguida pelo lado do Governo (que busca a cura, ou morte, já que aqui são sinônimos) e por um misterioso grupo de resistência que visa a liberdade a partir do assassinato do Presidente Snow. Oi? De novo? Prometo que foi a última vez. Ruby, querendo apenas voltar para casa, acaba se deparando com um grupo de jovens ‘doentes’ no meio do seu caminho. Eles, por sua vez, estão indo até uma espécie de acampamento onde os adolescentes podem viver livremente. O resto você já sabe.


O roteiro escrito por Chad Hodge (estreante em longas-metragens) nem faz questão de disfarçar as dezenas de semelhanças com outras obras, aliás, até as escancara em certos momentos, como aquele em que um personagem diz “isso parece Hogwarts!”. Não, não parece mesmo. “Isso é um insulto à obra de J.K. Rowling!” alguém deveria ter respondido, mas aí percebi que já estava exigindo muito de um roteiro que mostra uma cidade devastada e vazia sem nem sugerir o motivo, já que não houve qualquer tipo de confronto ou catástrofe. “Isso deve ser explicado no livro”, você deve estar pensando. Porém, um filme deve ter um fim em si mesmo, ser autossuficiente e não precisar de uma espécie de bula para ser acompanhado. Literatura e Cinema são Artes distintas. Voltemos ao ‘roteiro’ de Hodge.


Lembra quando eu disse que os adolescentes são separados por cores de acordo com os olhos/seus poderes? Então, o procedimento envolve um médico sozinho com um adolescente (mesmo num local abarrotado de militares altamente armados) tentando descobrir seu poder para poder segregá-lo. Somente Hodge para acreditar que isso poderia dar certo. E o que dizer do personagem capaz de ler mentes que não consegue extrair uma confissão? Mas talvez pior seja a cena onde esse mesmo personagem obriga um(a) inimigo(a) a andar para sempre, não parando nem mesmo em caso de fome, plagiando descaradamente outro filme que também passa longe de ser um exemplo de dramaturgia (X-Men Origens: Wolverine).


Como se não bastasse a peneira que os créditos insistem em rotular como “roteiro”, Mentes Sombrias demonstra o mesmo cuidado ao desenvolver seus personagens. O vilão (comentarei mais adiante), por exemplo, não se contenta em ser um manipulador e suas intenções não deveriam ser apenas questionáveis. Claro que ele também tem que tentar estuprar a protagonista, pois aqui ou você é bom, ou você é hediondo. Mas eu até entendo a necessidade de incluir uma característica tão radical como essa. Afinal, há também um personagem que só se comunica através de conselhos de livros de autoajuda, como “nunca se envergonhe de quem você é”, “os únicos que podem nos ajudar somos nós mesmos”, e por aí vai. Para ser pior que esse cara, só sendo um estuprador mesmo.


Voltando ao vilão, é uma pena que este tenha caído nas mãos de Chad Hodge. Em outras, certamente seria mais interessante do que um sujeito que, diante da fuga da protagonista (a quem tentou estuprar), lamenta com a seguinte declaração “nós podíamos ter liderado um exército juntos”. Além disso, o tal vilão é tão unidimensional que mal consegue resistir ao famigerado “matem todos!”. Só faltou a risada diabólica.


O restante do elenco limita-se a se enquadrar em estereótipos. Assim, o alívio-cômico só faz piadas, o inteligente tem de usar óculos e etc. Nem mesmo Amandla Stenberg, tão adorável em Tudo e Todas as Coisas (outra adaptação Young Adult) é capaz de oferecer uma performance interessante, investindo em olhos marejados e numa expressão que me lembrou o Gato de Botas de Shrek 2. Entre os adultos, Bradley Whitford (um dos vilões de Corra!) é desperdiçado numa ponta como o presidente dos Estados Unidos e Mandy Moore é aquela que se sai melhor, fazendo da enigmática Cate uma figura relativamente intrigante.


Depois de investir em conflitos como um triângulo amoroso (envolvendo o tal estuprador) e uma intriga ocasionada por alguém ouvindo uma conversa atrás da porta, Mentes Sombrias até tenta aproveitar o óbvio subtexto segregador para tecer comentários sobre o preconceito. Qualquer produção que repudie o preconceito (seja ele racial, sexual ou de qualquer outra esfera) já merece elogios, mesmo que esse repúdio seja transmitido com a mesma desenvoltura de uma criança de cinco anos tentando explicar a Segunda Guerra Mundial.


Mas, verdade seja dita, a produção possui seus pontos positivos. Além do esforço claro de seu elenco, os efeitos visuais, quando não estão sendo aplicados para mostrar estradas sendo destruídas, convencem na maior parte do tempo, principalmente ao ilustrarem os poderes dos adolescentes. E é só isso mesmo.


Encerrando a projeção com um longo flashback que prova que não é só o estalar de dedos de Thanos que é capaz de pulverizar pessoas, Mentes Sombrias ainda tem a prepotência de deixar um gancho para uma continuação sem sequer ter resolvido a maioria de seus conflitos. Mais um equívoco de um filme extremamente previsível e povoado por estereótipos em situações que há anos já são consideradas clichês. Também pode ser resumido como uma mistura nada inspirada de X-Men, Maze Runner e Jogos Vorazes. Os fãs desses três filmes que me perdoem pela comparação.


NOTA 1,5

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