"Mundo Estranho" apresenta aventura familiar sobre legado e ecologia
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  • Foto do escritorGuilherme Cândido

"Mundo Estranho" apresenta aventura familiar sobre legado e ecologia


Seguindo uma fórmula nada contemporânea, mas que voltou a ser tendência nos últimos anos, Mundo Estranho é mais uma animação a explorar relações dentro de uma família durante uma grande aventura. Nos moldes de obras de sucesso como A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas (indicada ao Oscar mais recente), Encanto (também da Disney e atual vencedora do Oscar de Melhor Animação) e Os Croods, o longa-metragem que estreia a luxuosa vinheta comemorativa dos 100 anos da casa do Mickey parece não se preocupar com inovações, sejam elas narrativas ou técnicas, oferecendo o tipo de aventura que parece mais afeito ao catálogo de um serviço de streaming do que propriamente ao cinema.


A trama tem início com a família Clade fazendo uma expedição rumo às montanhas que limitam o horizonte de Avalônia, lugar de origem misteriosa, mas que abriga uma simpática população. No meio do trajeto, porém, o jovem Searcher Clade (voz original de Jake Gyllenhaal, do recente Ambulância – Um Dia de Crime) descobre uma planta luminosa cuja aparência peculiar imediatamente chama sua atenção. Seu pai, o lendário explorador Jaeger Clade (dublado originalmente por Dennis Quaid, de Midway – Batalha em Alto-Mar), dá de ombros, fixando-se em sua obsessão pelo que está além da cordilheira. Os dois entram numa discussão que termina com o restante do grupo, que inclui a desbravadora Callisto Mal (Lucy Liu, de Kill Bill), decidindo por apoiar o instinto de Searcher, frustrando Jaeger, que opta por seguir sua jornada sozinho.

25 anos se passam e além do desaparecimento de Jaeger Clade, descobrimos que a tal planta, quase um vibranium, gera uma pequena esfera chamada Pando, que produz energia e possui uma série de utilidades, abastecendo veículos, eletrodomésticos e servindo até mesmo como chá. Pilar da sociedade, tal descoberta científica fez de Searcher Clade, agora um próspero fazendeiro de Pando, uma figura idolatrada em Avalônia. No entanto, a tranquilidade que parecia eterna é ameaçada por uma praga que afeta diretamente o precioso recurso, fazendo com que Callisto (alçada à presidência da comunidade), vá pessoalmente pedir a ajuda de Clade para solucionar esse problema.

Acontece que Searcher, no alto de seus quarenta anos, se tornou o patriarca de sua própria família. Casado com Meridian (Gabrielle Union, do remake de Doze é Demais) e pai de Ethan (Jaboukie Young-White, de Sempre em Frente), seu lar é dotado de uma felicidade quase utópica, contrastando com as memórias que tem de sua infância. Seu grande medo era se tornar uma espécie de versão atualizada do pai, com quem tinha diferenças aparentemente inconciliáveis. Assim, quando finalmente foi capaz de atingir o sucesso (e do seu próprio jeito), Searcher esqueceu de olhar para o filho, que possui ambições diferentes do que ele pensa.

Assim, Mundo Estranho faz um estudo instigante sobre o legado, utilizando as diferentes gerações de Clades para examinar também elementos importantes como tradições familiares (um dos temas favoritos da Disney) e, principalmente, expectativas. Pois todos os conflitos trazidos pelo roteiro de Qui Nguyen (do subestimado Raya e o Último Dragão) nascem a partir do que se espera, seja de um ente querido, uma planta salvadora ou de um mundo subterrâneo diretamente inspirado por Viagem ao Centro da Terra.

Fazendo jus ao título da produção, o lugar faz do exótico sua razão de ser, abrigando criaturas de design pouco atraentes, mas que funcionam dentro da narrativa, como as bolotas repletas de espinhos que, quando não estão grudadas no solo (assemelhando-se a parasitas), revelam tentáculos ameaçadores. Já a flora apresenta um grau superior de criatividade, abusando de cores e luzes que muitas vezes remetem (mesmo que de longe) o visual de Avatar. Já o cardume flutuante serve apenas para confundir o espectador, visto que em nenhum momento fica claro como funciona a física do local, virando uma conveniência preguiçosamente utilizada pelo roteiro.

E já que mencionei a preguiça de Nguyen, chega a ser alarmante o volume de elementos reciclados por ele, a começar pela estrutura narrativa, concebida como uma colagem de sequências de ação intercaladas com momentos de respiro que são aproveitados exclusivamente como uma forma de extravasar sua veia melodramática. É o que acontece em praticamente todas as cenas passadas no interior da nave, com os familiares desenvolvendo conflitos rasos e sonolentos. Ao menos Mundo Estranho segue a tradição Disney de apresentar coadjuvantes carismáticos, como Lenda, o cachorrinho de três patas da família Clade e Splat, um tipo estrambólico de bolha azul que se comunica através de gestos e rouba a cena graças ao elo que forma com Ethan.

Como a Disney resolveu exibir a versão brasileira na cabine de imprensa carioca, não pude conferir os trabalhos de Jake Gyllenhaal e Dennis Quaid, reunindo-se dezoito anos após protagonizarem o sucesso O Dia Depois de Amanhã. Enquanto Gyllenhaal aproveita para se tornar uma figura onipresente em Hollywood, Quaid, infelizmente, anda sumido das grandes produções, frustrando admiradores (como eu) apegados às memórias de pérolas como Inimigo Meu, Alta Frequência, Operação Cupido e Viagem Insólita (referenciado pelo roteiro). Da dublagem brasileira, destaco positivamente o trabalho de Marcelo Campos (para mim, eternamente lembrado como o Max de Pateta – O Filme) dando voz a Searcher e negativamente o de Carla Matsumoto, cujas inflexões mecânicas atrapalham Callisto Mal.

Previsível em seu desenvolvimento e excessivamente didático em seus instantes finais, Mundo Estranho é salvo por uma ótima reviravolta, que, além de surpreender, ressignifica (e melhora) tudo o que vimos previamente, trazendo um discurso ecológico e pacifista que cai como uma luva para o momento que vivemos (especialmente no Brasil). Contraria o longevo (e eficaz) costume das animações Disney em procurar agradar igualmente crianças e adultos, mas mesmo que mire exclusivamente nos mais jovens, merece elogios por não tentar emplacar sequências musicais. Analisando a qualidade mediana do que foi apresentado, é melhor guardar esses momentos para projetos mais inspirados...


NOTA 6


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