"Nas Terras Perdidas" traz Paul W. S. Anderson sem brilho
- Guilherme Cândido
- 17 de abr.
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Hoje, Paul W. S. Anderson (não confundir com o mestre Paul Thomas Anderson, de obras como Boogie Nights e Sangue Negro) é mais lembrado como o diretor de quatro filmes da franquia Resident Evil, mas ele fez mais do que adaptar os games da Capcom. Na verdade, enquanto os fãs da marca lamentavam cada adaptação infiel, Anderson se solidificava como um dos bastiões da gamificação das narrativas cinematográficas. Falando assim, Anderson parece ser mais proeminente do que é, até porque, seu maior acerto, Alien vs. Predador (2004), nada tem a ver com videogame e tampouco é celebrado. Cinco anos após cometer o abominável Monster Hunter, o britânico volta a trabalhar com a esposa e musa Milla Jovovich, adaptando desta vez um conto escrito por George R. R. Martin (sim, o autor dos best-sellers que originaram Game of Thrones).
Publicado em 1982 como parte de uma coletânea, a história é uma fantasia que gira em torno de feiticeiras, lobisomens e toda a sorte de criaturas místicas convivendo de forma nada pacífica. A narração, expositiva como um tutorial para jogadores impacientes, é feita por Boyce, pistoleiro de aluguel vivido por Dave Bautista (o Drax de Guardiões da Galáxia) cujo caminho se cruza com o da poderosa bruxa Gray Alys (Jovovich). Sob o lema de “recusar ninguém”, ela realiza o desejo de quem a procura, por uma recompensa adequada é claro, atraindo pessoas das mais diferentes castas, como A Rainha e seu servo Jerais, clientes com pedidos altamente perigosos, a ponto de despertarem a atenção de uma enforcadora vilanesca e o misterioso Patriarca, que possui seu próprio plano para usurpar o trono.

A trama, sob os cuidados de realizadores mais pragmáticos, seria menos complicada, para permitir que o espetáculo visual falasse mais alto, mas Anderson, colaborador no texto assinado por Constantin Werner, sequer possui a ambição de encher os olhos do espectador, concebendo o universo de Nas Terras Perdidas, como uma derivação feia daquele visto em Mad Max. A paleta dessaturada da fotografia de Glen MacPherson, drena qualquer traço de vivacidade, indo ao encontro da proposta desesperançosa do texto.

Por outro lado, o diretor procura filmar as sequências de ação com vigor. E o faz com alguma habilidade, mesmo que apele para a câmera lenta (um vício antigo) e construa Boyce com um estilo que deixou de ser descolado há mais de duas décadas. Nesse caso, a culpa deve ser dividida com a polonesa Milena Jaroszek, que veste o pistoleiro com roupas pretas e um chapéu suspeito. Já as poses, clássicas para permanecer lisonjeiro, podemos colocar na conta de W. S. Anderson (não confundir com Wes Anderson, artista de olhar único, responsável por O Grande Hotel Budapeste e outras preciosidades).

Bautista, que revelou seu lado sensível no bom The Last Showgirl, volta a se entregar a rompantes histriônicos, assustando o espectador mais do que qualquer jump scare ao soltar gritos no meio de diálogos aparentemente inofensivos, além de ser obrigado a proferir frases dolorosas como “Todos os homens são feras, mas nem todos são monstros”. Quando sua única função é caprichar na pose e fazer expressão de durão, o ex-lutador se sai melhor, amenizando a falta de química com Milla Jovovich.

A atriz russa, prestes a completar espantosos cinquenta anos de idade, surge com cabelos grisalhos, mas segue ostentando o rosto jovial e o olhar fulminante de sempre, além da obrigatória boca semiaberta (uma marca registrada que deveria ter sido patenteada por Megan Fox). Gray Alys não exige muito e mesmo assim Jovovich tem dificuldades para transmitir os dilemas de uma Bruxa que só lembra de usar magia quando é conveniente ao roteiro.

Sem qualquer cerimônia, Paul W. S. Anderson apaga as linhas que separam videogames e filmes ao pausar a jornada dos heróis para abrir o mapa, mostrando ao espectador (ou jogador, nessa altura as diferenças são irrelevantes) as fases que restam a serem passadas, cada uma reservando um confronto com um chefão (ou vilão, nesse caso, são sinônimos). Porém, se nos jogos há a tradição de sair no braço pelo simples fato de ter invadido um território, aqui, o maior desafio é detectar o motivo que leva a Enforcadora a perseguir Alys com tamanha determinação (inveja? Vingança?).

Em meio à falta de apelo estético, surpreende que os efeitos digitais utilizados para a criação de determinados vilões (você saberá quando vê-los sendo chamuscados) funcionem tão bem. Pode não haver criatividade em termos visuais, mas a textura e a fluidez dos movimentos não decepcionam. Já o Lobisomem, embora consideravelmente inferior àquele visto há vinte e um anos em Van Helsing: O Caçador de Monstros, não aparece por tempo suficiente para comprometer (exceto pela previsível reviravolta do qual é pivô).

Lutando ferozmente para trazer algum sentido à sua narrativa, enquanto tenta deslumbrar o espectador com um arsenal de artifícios dignos de um profissional claramente desconectado das tendências contemporâneas, Paul W. S. Anderson se distancia ainda mais da área nobre de Hollywood, mas reafirma seu status como líder do culto aos filmes gamificados, seja lá qual for o valor disso.
NOTA 3