Nicolas Cage é o maior atrativo de "Renfield - Dando Sangue Pelo Chefe"
Como é bom ver Nicolas Cage voltando a ter destaque nos cinemas! Após uma longa temporada relegado a produções de quinta categoria para se recuperar de uma gravíssima crise financeira, o vencedor do Oscar chegou a ensaiar uma volta por cima ao se dedicar a filmes independentes como Mandy e Mãe & Pai, mas foi com Pig – A Vingança em 2021 que Cage oficializou seu retorno à boa forma, não apenas por protagonizar um bom filme, mas por oferecer uma performance digna de seu talento. E se ano passado ele já havia estrelado o irreverente O Peso do Talento (simbólico em seu retorno aos cinemas por se tratar de uma homenagem à sua própria carreira), Renfield – Dando Sangue Pelo Chefe representa outro marco nesta retomada ao colocá-lo de volta no radar dos grandes estúdios. Em Renfield, no entanto, o protagonista é Nicholas Hoult (que interpretou o filho de Cage no bom O Sol de Cada Manhã).
Para quem não sabe ou não se lembra, Robert Montague Renfield está presente no romance original escrito por Bram Stoker e foi imortalizado por Dwight Frye no Drácula de 1931, que ganha em Renfield – Dando Sangue Pelo Chefe uma continuação quase direta, com Renfield atuando por décadas como servo do Conde Drácula (antes vivido por Bela Lugosi e agora por Nicolas Cage). Acontece que Renfield finalmente se dá conta do relacionamento tóxico que possui com o vampiro, que exerce uma abusiva influência psicológica sobre o rapaz. Infeliz, ele busca a ajuda de um grupo de apoio (no estilo “Alcoólicos Anônimos") para enfrentar o chefe e conseguir sua independência, mas Drácula possui outros planos. A essa altura você já deve ter percebido que Renfield é bem diferente do clássico de 1931, substituindo o terror pela comédia oddball e nessa proposta, Nicolas Cage cai como uma luva como o intérprete do Príncipe da Valáquia.
Normalmente, Cage não é um ator fácil de ser dirigido. Se tem muita liberdade para atuar, o ator tende a se descontrolar e ultrapassar os limites do overacting, o que pode soar como algo divertido na teoria, mas que nem sempre dá certo na prática. E quando o diretor o mantém em rédeas curtas, isso costuma gerar performances no piloto automático. Felizmente, o cineasta Chris McKay (do bom A Guerra do Amanhã e do divertidíssimo LEGO Batman: O Filme), encontra um meio-termo que permite ao sobrinho de Francis Ford Coppola se divertir e oferecer uma de suas atuações mais irreverentes dos últimos anos. Cage aproveita cada minuto interpretando o papel que sempre sonhou (ao lado do Capitão Nemo e do Super-Homem), presenteando o espectador com uma composição ameaçadora, mas que jamais se leva a sério.
Essa, aliás, é a tônica do roteiro escrito por Ryan Ridley (da série animada Rick & Morty) e Robert Kirkman (criador de The Walking Dead), que subverte a atmosfera formal e solene do filme antecessor para priorizar uma comédia que aproveita a presença do maior vampiro de todos, mas sem ridicularizá-lo. As piadas muitas vezes surgem das diferenças entre a criatura de meio milênio e os mortais contemporâneos, mesmo que aqui e ali pintem brincadeiras com algumas convenções famosas.
Inclusive, McKay e os roteiristas se esbaldam com as referências à mitologia de Drácula, já iniciando a projeção com imagens saídas diretamente do filme de Tod Browning, por exemplo. Sobram gags envolvendo a natureza dos vampiros, como o fato de eles só entrarem em recintos aos quais são convidados (capachos contam como boas-vindas) e a formalidade arcaica do personagem, que veste figurinos extremamente fiéis aos da produção clássica.
No entanto, Kirkman e Ridley, já limitados pela própria estrutura (com clichês agravados por diálogos expositivos), acabam traindo a própria lógica em determinados momentos, o que gera furos incômodos: ora, se Drácula queima ao ser banhado pela luz solar, qual a justificativa para Renfield, que têm os mesmos poderes do vilão, ser capaz de andar de dia sem qualquer ferimento? E como Drácula não percebe os planos secretos de Renfield se ambos estão conectados telepaticamente (o Conde chega a saber seu paradeiro exato)? E para uma história com tanta volúpia para satirizar a relação tóxica entre seus personagens centrais, é de se estranhar que o final traga uma certa seriedade ao evidenciar as intenções dos roteiristas em transmitirem uma mensagem edificante.
Nada que comprometa a diversão, pois Renfield – Dando o Sangue Pelo Chefe possui algumas boas cartas na manga na hora de cativar o espectador. Nicholas Hoult, por exemplo, além de se sair bem nas gags, funciona espetacularmente bem ao protagonizar as sequências de ação, que por sua vez, abusam da sanguinolência para mascarar a falta de uma coreografia mais elaborada. Os fãs de gore irão se deliciar com os desmembramentos, especialmente no terceiro ato, palco de um invejável banho de sangue.
Quando os créditos finais começam a rolar, é inevitável lembrar dos planos da Universal de construir seu próprio universo cinematográfico baseado nos filmes de monstros que marcaram sua história centenária, mas que foram abandonados com o fiasco colossal representado pela refilmagem de A Múmia com Tom Cruise. Pois, Renfield – Dando Sangue Pelo Chefe pode ser o início de uma nova franquia para o estúdio, resgatando Drácula para uma jornada menos ambiciosa, mas muito mais promissora.
NOTA 6,5
Vou assstir.