CRÍTICA | "Memórias de um Verão"
- Guilherme Cândido

- há 3 dias
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Um drama familiar ambientado num complexo insular ao Norte da Europa traz fortes ecos da filmografia do demiurgo Ingmar Bergman. Mas esse singelo projeto dirigido por Charlie McDowell, filho dos astros Mary Steenburgen e Malcolm McDowell, não ambiciona muito mais do que servir de vitrine para a veterana Glenn Close nos lembrar porque é uma das melhores atrizes em atividade. Mas o que poderia ser apenas uma isca sedutora para os votantes do Oscar, acaba se transformando numa das experiências mais agradáveis do ano, como a rememoração de um verão bem aproveitado, tal qual sugere o título brasileiro.
Close encarna o único pilar que mantém de pé uma família destroçada por uma tragédia. O norueguês Anders Danielsen Lie, parceiro de outro mestre, o conterrâneo Joachim Trier, com quem fez o fantástico A Pior Pessoa do Mundo (2021), o inédito e ainda melhor Valor Sentimental e tantos outros, é um pai enlutado pela perda da esposa. Aliás, o luto é chega a ser palpável durante os longos silêncios compartilhados, embora quase sempre interrompidos pela jovem Sophia, vivida pela novata Emily Matthews. Para tentar recuperar algum brilho, o trio viaja para a casa de veraneio, em algum lugar da Finlândia. Lá, a conexão com a natureza mostra-se fundamental para a cura de feridas abertas.

O roteiro adaptado por Robert Jones do romance de Tove Jansson exibe uma estrutura sem complicações, algo refletido também nos diálogos, embora esporadicamente seja contaminado pelo vírus da artificialidade (como em quase todas as discussões que tomam a tela de assalto). Sem a pretensão de levar pérolas de reflexão e sabedoria ao público, Jones se concentra em refletir no texto o calor humano e a bonança evocados pela direção de McDowell, que ao lado do diretor de fotografia Sturla Brandth Grøvlen (parceiro habitual do dinamarquês Thomas Vinterberg, vencedor do Oscar pelo inesquecível Druk - Mais Uma Rodada), capta todo o potencial pictórico do litoral finlandês, com paisagens de encher os olhos.

Na mesma toada, uma Glenn Close habitualmente sob farta maquiagem, canaliza toda a densidade dramática da narrativa numa personagem fadada à expressividade. Cada olhar, gesto e fala calculadamente planejada denota algum movimento em prol do próximo, algo que reforça a natureza generosa da Avó. Já Anders Danielsen Lie é confinado num papel de condensar o sentimento de perda, reprimindo emoções até o inevitável acerto de contas com a filha, que por sua vez é interpretada com espantosa naturalidade por Matthews. A pouca idade e a inexperiência, claro, impacta em alguns momentos, como explosões repentinas e conversas mais acaloradas, mas a jovem é um belo vértice desse triângulo. Mas não é culpa de Matthews o fato de o roteiro exibir alegorias tão óbvias como a tempestade que ocorre na segunda metade ou algumas alegorias que compõem a retórica da Avó.

Contando com uma trilha sonora harmoniosa e nada invasiva de Hania Rani (outra de Valor Sentimental), Memórias de um Verão é o tipo de filme que permanece conosco mesmo depois dos créditos rolarem, provando de fato que valeu a pena passar noventa minutos nesse microcosmo.
NOTA 7









