top of page
  • Foto do escritorGuilherme Cândido

"Nosso Amigo Extraordinário" funciona como uma mistura de "E.T." e "Cocoon"


Milton (Sir Ben Kingsley) é um pacato senhor de 78 anos de idade. Aposentado, mora sozinho numa espaçosa casa repleta de itens descartados pela filha Denise (Zoe Winters, a Kerry de Succession) e que dividem espaço com outros objetos de relevante valor afetivo, especialmente as fotos tiradas ao lado da esposa falecida e do filho, com quem já não mantém tanto contato como em outros tempos. Sem maiores atribulações, costuma passar os dias cuidado do jardim, cujas azaleias recebem um carinho especial e as noites assistindo a reprises de CSI. Durante uma madrugada, porém, um estrondo o faz acordar e descobrir que um disco voador caiu em seu quintal.


Seu primeiro impulso, claro, é contar para os outros sobre o acontecimento extraordinário que lhe tirou o sono, mas quem acreditaria numa história como essa? Ainda mais quando contada por um senhor cujos primeiros sinais de Alzheimer já começam a se manifestar, algo apontado de forma eficaz pelo roteiro ao mostrá-lo comparecendo a reuniões semanais na prefeitura, mas sempre fazendo os mesmos pedidos: mudar o slogan da cidade e construir uma passarela numa via específica. Mas não para por aí, pois não demora muito até a nave espacial se abrir e revelar um debilitado alienígena estirando-se no gramado. Como não poderia deixar de ser, o sempre cordial e hospitaleiro Milton ajuda na recuperação da criatura, oferecendo-lhe maçãs e posteriormente acolhendo-a em sua própria casa. Sem pronunciar uma palavra sequer, o humanoide não aparenta oferecer qualquer tipo de ameaça, servindo de companhia para o idoso enquanto termina de consertar sua nave.

Funcionando como uma mistura peculiar entre o inesquecível E.T. – O Extraterrestre e o clássico da Sessão da Tarde Cocoon, Nosso Amigo Extraordinário desenvolve-se como uma fábula feita sob medida para engrossar a recente lista de produções voltadas para a terceira idade, como Do Jeito Que Elas Querem e o recente 80 for Brady: Quatro Amigas e uma Paixão, comprovando que se trata de um subgênero lucrativo. Apesar de possuir tropos familiares da ficção científica, Jules (no original) não envereda por esse caminho ao ilustrar os efeitos do alienígena na vida de Milton. Portanto, não espere uma presença massiva de engravatados do Serviço Secreto à caça do carismático extraterrestre, carinhosamente batizado de Jules, por mais que o roteiro brinque com essa e outras convenções do gênero.

Por se tratar de um crowd-pleaser (tipo de história concebida para agradar o público), Nosso Amigo Extraordinário não busca conflitos muito complexos e nem arquiteta arcos aprofundados, mantendo a atmosfera rigidamente sob controle. Com a ajuda fundamental da trilha de Volker Bertelmann (vencedor do Oscar por Nada de Novo no Front), o filme é daquele tipo gostoso de assistir, com um desenrolar agradável e que jamais descamba para o drama ou para o sentimentalismo barato.

Isso não significa, porém, que o roteiro carece de um discurso, já que o script do estreante Gavin Steckler tece comentários sobre o cotidiano dos idosos, retratados como pessoas solitárias e ávidas por alguém disposto a ouví-las. Nesse sentido, Jules cai como uma luva, já que está sempre por perto para absorver o desabafo do trio heterogêneo de terráqueos com quem divide sua rotina temporária. Por outro lado, falta sutileza na concepção de alguns argumentos, como no retrato que faz da juventude e a forma como os jovens se relacionam com os mais velhos. Da mesma forma, há uma distância muito curta entre duas atitudes tomadas por Milton, fazendo com que uma mudança de ideia soe brusca demais para ser encarada com naturalidade, por melhores que sejam as intenções, assim como a panfletária valorização da vida durante a terceira idade (“envelhecer é natural”, alguém chega a dizer).

Já o elenco se mostra o ponto forte da produção, a começar pela inspirada escalação de Sir Ben Kingsley como o protagonista. Vencedor do Oscar por Gandhi, que irônica e imperdoavelmente derrotou E.T. na cerimônia de 1983, o ator britânico traz sensibilidade a Milton, facilitando a conexão com Jules, que por sua vez merece todos os elogios possíveis. Fruto de um trabalho de maquiagem irrepreensível (os efeitos práticos jamais devem ser desprezados!), o alienígena ganha um visual que o aproxima dos famigerados Greys (ou Cinzentos), raça alienígena popular na Ufologia, de gênero indefinido e com detalhes que são aproveitados pelo roteiro (note como sua cabeça alterna entre o verde e o azul em momentos-chave).

Méritos também para a performance excepcional de Jade Quon, dublê consagrada que finalmente ganha o holofote que merece também como atriz. Trata-se de um trabalho admirável e extremamente difícil, não apenas pela ausência de diálogos, mas também por impor um tipo delicado e sutil de interação. Com gestos e olhares, Quon é bem-sucedida em transformar Jules numa criatura carismática e amigável, ganhando nossa simpatia instantaneamente.

Portanto, Nosso Amigo Extraordinário funciona muito melhor quando aposta na interação entre Jules e seus improváveis amigos terráqueos, perdendo um pouco de sua força sempre que resolve mudar o foco para o estado de saúde de Milton e sua conturbada ligação com a filha, algo que Marc Turteltaub, indicado ao Oscar como produtor do excelente Pequena Miss Sunshine, sofre para equilibrar até os instantes finais.


A produção ainda conta com ótimas participações das veteranas Harriet Sansom Harris (Licorice Pizza) e Jane Curtin (Meu Ex é um Espião), que comovem e divertem na mesma medida, contribuindo para que Nosso Amigo Extraordinário ofereça uma experiência agradável e, principalmente, reconfortante.


NOTA 6


bottom of page
google.com, pub-9093057257140216, DIRECT, f08c47fec0942fa0