"O Estrangulador de Boston" expõe sexismo em história convencional
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  • Foto do escritorGuilherme Cândido

"O Estrangulador de Boston" expõe sexismo em história convencional


Assim como vários serial killers ao longo da história, o Estrangulador de Boston mobilizou uma intensa investigação por parte da imprensa local durante a década de 60. Assim como o Zodíaco e tantos outros assassinos tornados famosos, o “Fantasma de Boston”, como ficou conhecido”, fez das mulheres seu principal alvo. Porém, após uma fase em que matava apenas idosas, logo mudou bruscamente seu perfil ao atacar moças e se antes apresentava-se como pintor ou encanador, passou a encarnar um falso agente de modelos. Todas essas peculiaridades foram detectadas primeiramente por uma dupla de jornalistas, Loretta McLaughlin e Jean Cole, pioneiras na investigação ao ponto de irritarem a polícia com os furos constantes. Ora, mas se elas foram tão importantes, por que jamais receberam o devido crédito? É justamente esse questionamento que move O Estrangulador de Boston, filme escrito e dirigido por Matt Ruskin (Conexão Escobar).

Competente ao estabelecer uma atmosfera triste e sombria através da paleta dessaturada da fotografia e do clima constantemente nublado, Ruskin mal consegue disfarçar sua inspiração em Zodíaco, no qual David Fincher redefiniu os padrões para este tipo de filme na época em que foi lançado. Seja por meio do tom ou pela estrutura narrativa (milimetricamente concebida em três atos), há até mesmo uma “homenagem” a uma das sequências mais famosas da produção de 2007: o arrepiante encontro de um dos jornalistas com o principal suspeito que ocorre no interior de um porão, aqui substituído pelos fundos de um apartamento.

Ruskin, no entanto, merece créditos por apontar sutilmente o ambiente dominado pelo patriarcado ocupado por suas protagonistas, como no instante em que o editor interpretado por Chris Cooper (Adoráveis Mulheres) mostra as editorias da redação, com a seção policial preenchida apenas por homens e as mulheres relegadas a colunas sobre trivialidades, incluindo Loretta (Keira Knightley, de A Última Noite), que escreve sobre estilo de vida. A ausência quase completa de repórteres femininas serve também para destacar a chegada de Jean Fulana, interpretada com segurança por Carrie Coon (Ghostbusters: Mais Além). Já Keira Knightley, que num passado não muito distante era famosa pelas caras e bocas, desaparece numa composição discreta e eficaz, com destaque para o sotaque britânico bem disfarçado.

Numa época em que os jornais impressos eram a principal fonte de informações, a produção é competente ao mostrar a importância da mídia impressa pelo prisma dos personagens, sempre empunhando periódicos ou dedicando boa parte do tempo à leitura de manchetes. Além disso, nem a greve dos caminhoneiros fica de fora, sendo contextualizada através do rádio, assim como Ruskin não hesita em escancarar o sexismo presente na atitude do Jornal em exibir fotos das repórteres com o objetivo de “atrair leitores”, com o qual até o íntegro editor acaba se envolvendo.

É uma pena, portanto que a inspiração de Ruskin se resuma aos predicados acima mencionados, pois no restante do tempo, esforça-se para, no máximo, replicar elementos narrativos já testados em produções melhores, como o supracitado Zodíaco. Promovendo uma enxurrada de clichês e convenções que incluem desde os telefonemas obscuros até a típica obsessão que afasta o cônjuge inicialmente apoiador (num momento batidíssimo com o marido unidimensional anunciando uma promoção e rebatendo a expressão surpresa da esposa com o clássico “você não tem estado muito presente esses dias”). Para piorar, a montagem confere um ar episódico à narrativa ao apostar em estratégias visuais que fazem a trama se mover de acordo com a morte (sempre off-screen) apresentada anteriormente, reagindo ao invés de agir.

Há momentos de lucidez no meio dessa sequência de banalidades, como a forma sutil encontrada para sugerir a experiência de Jeanie (quando Loretta pergunta se a colega também vem recebendo ligações estranhas, ela responde que há muito tempo tirou seu número da lista telefônica, após cobrir as eleições municipais) ou a ótima passagem que acompanha Loretta até a residência de um suspeito, utilizando o plano aberto e a baixa iluminação para induzir o espectador a esperar que algo surja do fundo da cena para ameaçar a repórter.

Ocasionalmente subestimando o espectador (relembrando o momento em que uma testemunha reconhece um suspeito ou mastigando informações), O Estrangulador de Boston é um filme que parte de uma premissa instigante, mas que se desenvolve de forma convencional, o que pode depauperar a experiência dos espectadores mais familiarizados com o tema, ainda que o resultado esteja longe de decepcionar.


NOTA 5,5


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