O Exterminador do Futuro 2 e como fazer um filme de ação profundo
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  • Foto do escritorGuilherme Cândido

O Exterminador do Futuro 2 e como fazer um filme de ação profundo

Se uma máquina, um Exterminador, pode aprender o valor da vida humana, talvez nós também possamos


Apesar do que o título sugere e por mais estranho que possa parecer, O Exterminador do Futuro 2 - O Julgamento Final, é um filme humanitário. A frase que abre esse texto, dita por Sarah Connor (Linda Hamilton), não apenas serve para definir as intenções da produção, como também sinaliza a inteligência de um script concebido, surpreendentemente, para um filme de ação dos anos 1990.


Com o acachapante sucesso do primeiro filme sete anos atrás, o cineasta e roteirista James Cameron se viu na curiosa obrigação de transformar o cultuado vilão daquela obra no mocinho de sua continuação, numa inversão de papéis muito clamado pelo público. Agora o Exterminador modelo T-800 interpretado por Arnold Schwarzenegger volta no tempo não para eliminar Sarah Connor e, sim, para proteger seu filho John (Edward Furlong) que está sendo perseguido por um ciborgue (T-1000) ainda mais avançado e letal.


Nesse meio tempo, o roteiro exibe uma estrutura que, aparentemente simples, cria oportunidades mais que adequadas para que Cameron ponha em prática todo o seu talento na construção das sequências de ação. Beneficiando-se do farto orçamento de 102 milhões de dólares (um recorde até então) e do trabalho excepcional da Industrial Light & Magic (empresa de efeitos visuais de George Lucas), O Exterminador do Futuro 2 apresenta algumas das maiores revoluções da história recente do Cinema em termos de computação gráfica, fazendo da concepção visual do T-1000 um triunfo técnico que impressiona até hoje.


Porém, Cameron é inteligente o bastante para não depender desse tipo de recurso, investindo em efeitos práticos que ajudam a tornar a ação mais verossímil, como ao realizar explosões reais e empregar modelos animatrônicos em cena, numa escolha de produção que viria a ser adotada também por Steven Spielberg, por exemplo, em seu Jurassic Park. Sendo assim, quando vemos um caminhão colidir com um viaduto em alta velocidade ou o andar inteiro de um prédio ser consumido em chamas, estamos presenciando o trabalho impecável (vencedor de 4 Oscars) da equipe técnica e seus dublês.


E por falar na equipe técnica, outro elemento que salta aos olhos em T2 (como a produção ficou conhecida) é a maquiagem de Stan Winston, que confere um tom realista sem precedentes para a época, o que fica comprovado ao notarmos os ‘ferimentos’ do T-800 através do rosto parcialmente sem pele de Arnold Schwarzenegger, expondo partes do crânio metálico de seu personagem sem jamais deixar de convencer.


E já que citei Arnold Schwarzenegger, é preciso reconhecer a grande sacada da produção ao escalá-lo: marcado por papéis unidimensionais que escancaravam suas limitações dramáticas já década de 80 (vide obras como Comando Para Matar e O Predador), o ator austríaco cai como uma luva para a interpretação do Exterminador, uma figura inexpressiva e de modos , obviamente, robóticos. Trata-se de um daqueles casos onde o ator parece ter nascido para interpretar o personagem. Ou, nesse caso, para “reprisar” o personagem.


“Reprisar” pois, afinal, agora seu T-800 não é mais aquela figura atroz do filme anterior. O Exterminador ainda é um ser implacável e muito difícil de ser abatido por seres humanos, mas também é altamente inteligente e dono de uma determinação, literalmente, sobre-humana. Essas duas últimas características são aproveitadas pelo roteiro para pavimentar o caminho da interação entre homem e máquina, ou, mais precisamente, entre Exterminador e John Connor.


John, por sua vez, é vivido pelo jovem Edward Furlong como uma legítima criança-problema: negando-se a respeitar os mais velhos e incapaz de proferir duas frases sem ao menos um palavrão, John Connor é fruto de uma criação conturbada, alguém que subitamente viu sua única heroína (a mãe) cair em desgraça, encarando como traição a suposta descoberta de todas as histórias que ouviu serem alucinações de uma mente perturbada. Com isso, Furlong traz personalidade a um personagem que poderia soar desagradável e/ou irritante nas mãos de um intérprete menos talentoso.


Talento que, se não sobra em Linda Hamilton, ao menos é compensado com muito esforço e presença em cena, convertendo Sarah Connor numa mulher forte e independente, mas inexoravelmente abalada pelos eventos de 1984. Como se não bastasse, ela é amaldiçoada pelo conhecimento, tomando ciência de que a humanidade está a caminho de sua extinção, mas sem a capacidade de impedi-la. Em momentos mais sutis, a atriz é hábil ao transmitir o sentimento de impotência diante do inevitável e a confusão a respeito do futuro.


E é nesse ponto que voltamos à frase que abre este texto. O futuro era encarado por James Cameron no primeiro Exterminador do Futuro como algo sacramentado, porém longe de ser irreversível. Ao menos era o que bradava Kyle Reese, salvador de Sarah Connor e pai de John, que voltou do futuro para proteger aquela com quem viria a conceber o futuro líder da humanidade na batalha contra as máquinas. Desta vez, somos, sim, apresentados a um futuro pessimista e de muito sofrimento, mas pela primeira vez vislumbramos a possibilidade real de alterá-lo.


Nessa jornada de reestruturação da história humana, a narrativa de O Exterminador do Futuro 2 convida o espectador a uma reflexão, onde nós podemos acreditar em destino, que todos os acontecimentos e desdobramentos já estão pré-determinados. Caminhando rumo à extinção que nós mesmos causamos e indo de encontro à observação feita pelo T-800 de que “a autodestruição faz parte da natureza humana”. Ou podemos agir e criar nosso próprio destino, aprendendo com os nossos erros e fazendo o que é certo.


Num mundo louco como o de T2, talvez a escolha mais sensata seja justamente a de olhar para um robô, um Exterminador vindo do futuro, como um exemplo de humanidade. Alguém capaz de reconhecer o valor de uma vida humana, mesmo programado para tirá-la. Por isso, não é difícil de entender o que leva John Connor a admirar tanto aquela máquina, aceitando-a como o pai que nunca teve. E vou além, pois não chega a ser absurdo acreditar que Sarah Connor, de fato, o aceita como uma figura paternal para o seu filho. “Ele jamais beberá e agredirá John. (...) Sempre estará presente e disposto a dar a vida por ele”, diz ela em certo instante.


Essa relação é a âncora emocional do filme, o elo com o subtexto humanitário (óbvio desde o início) e o alicerce de uma família improvisada que vai além do ‘disfuncional’, onde a bússola moral é um delinquente juvenil (o filho), um robô assassino é capaz de gerar empatia (o pai) e a figura materna é personificada por quem frequentou uma prisão psiquiátrica e está preparada para o apocalipse.


Pois no fim das contas, O Exterminador do Futuro 2 - O Julgamento Final é isso, um filme que usa a antítese para provocar catarse, que se utiliza de extremos para revelar sutilezas e que usa a ficção científica para debater o que há de mais básico na humanidade. E no meio de tudo isso ainda encontra espaço para oferecer ação de qualidade. Ou seja, não se trata apenas de um raro exemplar de blockbuster com conteúdo. Trata-se de uma proeza cinematográfica.

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