"Operação Red Sparrow" traz Jennifer Lawrence em performance corajosa
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  • Foto do escritorGuilherme Cândido

"Operação Red Sparrow" traz Jennifer Lawrence em performance corajosa

Extremamente popular nos anos 80, o thriller erótico sempre foi um subgênero fácil de ser vendido, graças não somente à óbvia combinação de erotismo e suspense (geralmente embutida numa trama policial), mas também à força de sua protagonista feminina. Nesse contexto, força e sensualidade caminham lado a lado e são a receita perfeita do sucesso, como comprovado em ‘Instinto Selvagem’ e ‘Atração Fatal’ (ambos com Michael Douglas), responsáveis por alçarem Sharon Stone e Glenn Close, respectivamente, ao estrelato. Porém, depois de um período sem muito brilho, o subgênero voltou com tudo através da trilogia iniciada por ‘Cinquenta Tons de Cinza’, apresentando uma história que aos poucos trocava o sadomasoquismo pela famigerada trama policial intercalada com cenas de sexo. E, ao que parece, voltou para ficar, já que Operação Red Sparrow vai pelo mesmo caminho, trazendo certo frescor narrativo ao ambientar a trama numa típica atmosfera de filme de espionagem.


Seguindo o legado de Stone e Close, Jennifer Lawrence encarna uma jovem bailarina russa que, após um suposto acidente em cena, vê-se em extremas dificuldades para manter a casa que divide com sua adoecida mãe. Sem saída, acaba aceitando o convite de seu tio para entrar num polêmico internato onde é treinada para tornar-se uma ‘pardal’, uma espécie de espiã do governo russo que utiliza o corpo para manipular inimigos.


Diante de uma premissa como essa, conseguir uma atriz capaz de exalar sensualidade e perigo era fundamental ao projeto que encontra em Jennifer Lawrence uma aposta arriscada, mas certeira. Sem a bagagem ou o porte de suas inspirações supracitadas, Lawrence entrega-se de corpo e alma para compensar suas fragilidades, surgindo em cenas provocantes onde seu corpo é explorado em sua totalidade, surgindo até mesmo em nu frontal, em momentos que impactam muito mais pelo contexto no qual estão inseridos do que pela própria imagem em si. Além disso, Lawrence é inteligente ao interpretar Dominika como uma mulher vulnerável, sensível, mas que é obrigada, a todo momento, a sustentar uma fachada oposta.


Assim, a crescente tensão sexual da história é quase sempre alternada com a forte carga dramática que vem embutida, o que, paradoxalmente, acaba esterilizando a produção. Tesão e constrangimento acabam se repelindo em meio ao ambiente abusivo onde transcorre boa parte do segundo ato. O resultado são cenas frias e que só conseguem algum efeito devido aos esforços de sua protagonista, como na cena em que a personagem de Lawrence despe-se completamente para desafiar um abusador, num brilhante momento onde o erotismo é conduzido de forma a engrandecer a figura feminina.


Aliás, o maior acerto do filme é justamente afastar completamente o machismo inerente a produções como essa, explorando o corpo de Jennifer Lawrence não como um mero artifício para excitar o homem, e sim como um instrumento de manipulação. Aqui, a mulher é forte, inteligente e, sobretudo, consciente de seu próprio poder perante os homens, utilizando sua beleza apenas como um meio de conseguir o que quer, seja através da persuasão ou mesmo da distração.


Por isso, embora a própria produção coloque alguém para rotular uma pardal como ‘uma prostituta do Governo’, e fomente o debate contra essa abordagem, o roteiro em nenhum momento foge da polêmica, encarando-a abertamente e replicando com situações que fortalecem uma postura pró-feminismo. Não por acaso, há uma sequência emblemática onde uma pardal, ao sofrer uma tentativa de estupro, reage violentamente, assumindo o controle ao neutralizar o agressor e expô-lo, numa apropriada alegoria que, num momento onde inúmeros casos de abuso sexual estão vindo à tona, traz um poderoso gosto de vingança, no qual uma mulher é capaz de defender-se e punir seu nêmese.


Pena que isso tudo seja apenas uma parte de uma convoluta trama que se estica o tempo todo para permitir reviravoltas que justifiquem o clima de espionagem. E o cineasta Francis Lawrence, de ‘Constantine’, ‘Eu Sou a Lenda’ e dos três últimos ‘Jogos Vorazes’, até tenta colocar seu estilo a serviço do suspense demandado e por melhores que sejam seus esforços, a sensação que fica é a de uma história arrastada e que não precisava ter mais de duas horas de duração (são quase duas horas e vinte minutos de projeção). Sua competente direção, em contrapartida, ficará marcada pela ótima sequência que se passa numa cozinha, onde uma típica cena de tortura muda repentinamente para um tenso combate de armas brancas, com direito a um belo design de som que faz questão de valorizar cada golpe cortante, extraindo ainda mais tensão através da pele que é cortada aos poucos.


Isso, claro, denota uma precisão técnica que é refletida pelo bom design de produção, que utiliza bem a cor vermelha para pontuar a história, ao utilizá-la em praticamente todas as cenas, mas com diferentes significados, seja através dos opressivos cenários do internato, passando pelos figurinos luxuosos de Jennifer Lawrence até chegar a detalhes sutis da direção de arte.


A despeito do que fez Atômica, no ano passado, Operação Red Sparrow emprega corretamente o tom conspiratório, influenciado por uma visão datada e maniqueísta que insiste em antagonizar russos e estadunidenses, com os europeus como vilões, é claro. Só que no filme estrelado por Charlize Theron, os objetivos eram outros e muito mais honestos. Se lá o maniqueísmo era posto a serviço de uma narrativa essencialmente comercial, aqui Red Sparrow procura desesperadamente esconder essa sua vocação, optando por (tentar) sustentar uma fachada claramente inexistente. Não há a decência em admitir que seu público-alvo são aqueles facilmente atraídos por uma estrela de belas curvas e tramas rocambolescas, mas que quebrarão a cara jocosamente graças a uma campanha de marketing mal conduzida.


Desperdiçando talentos do calibre de Ciáran Hinds (da série ‘Roma’) e Mary Louise Parker, o roteiro prefere dar espaço para um Matthias Schoenaerts (‘A Garota Dinamarquesa’) que surge em cena com a aparência de uma espécie de irmão mais novo do Le Chiffre vivido por Mads Mikkelsen em ‘007 Cassino Royale’. Pouco expressivo e interpretando uma figura unidimensional e que, no final das contas, serve apenas como uma ferramenta narrativa, o ator belga é facilmente engolido por seus colegas mais experientes, especialmente Jeremy Irons, que mesmo com uma participação pequena consegue ter bons momentos na pele de um agente.


Por outro lado, Charlotte Rampling encarna um papel contundente e essencial na formação da jovem Dominika, desdobrando-se em cena para extrair mais do que a caricatura sugerida pelo script, ao passo que o talentoso Joel Edgerton é sabotado por uma subtrama que força uma química inexistente entre seu personagem e a de Jennifer Lawrence.


Encerrando a história com os tradicionais plot twists que norteiam os clássicos de espionagem, Operação Red Sparrow é um filme que passa longe de ser o escapismo adolescente sugerido por seus materiais promocionais, mas tampouco chega perto do poço de ousadia, sensualidade e inteligência que julga ser. Uma experiência pesada, com ritmo lento e arrastado, mas que se destaca pela entrega inquestionável de sua estrela e pelo forte discurso que permeia sua narrativa. No final das contas, um legítimo produto comercial que, assim como sua protagonista, esconde-se sob uma identidade oposta.


NOTA 6

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