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Perturbador, 'Faça Ela Voltar' mergulha no pesadelo de perder alguém

  • Foto do escritor: Guilherme Cândido
    Guilherme Cândido
  • 20 de ago.
  • 4 min de leitura

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Tendo debutado nos cinemas há dois anos após fazerem sucesso no YouTube, os irmãos gêmeos Danny e Michael Philippou provavelmente induzirão ao erro os espectadores que entrarem na sala de projeção esperando o mesmo tipo de terror divertido que marcou Fale Comigo, o filme de estreia da dupla de cineastas. Faça Ela Voltar, no entanto, não poderia estar mais distante daquele projeto que conquistou o público de Sundance com um misto de gargalhadas e arrepios, alçando os irmãos australianos à condição de promessas do horror. Mas não se engane, a atmosfera jocosa, cortesia do comportamento tipicamente hedonista dos adolescentes dá lugar a uma experiência claustrofóbica e tão sombria que quase temos certeza de que algo terrível acontecerá a qualquer momento.

 

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Se Fale Comigo brincava com as nossas expectativas ao começar a projeção sugerindo ser mais um daqueles filmes de terror protagonizados por jovens estúpidos, Bring Her Back, no original, tem início com uma série de imagens gravadas em VHS contendo o que parece ser um ritual macabro, dando o primeiro sinal do que está por vir. Em seguida somos apresentados aos meios-irmãos Andy (Billy Barrett, do juvenil A Cratera) e Piper (Sora Wong), cujo pai acabou de falecer, deixando-os órfãos à espera de uma família adotiva. Ao menos por alguns meses, quando Andy completará 18 anos e poderá solicitar a guarda de Piper.

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Ela é quase cega, sendo capaz apenas de enxergar formas e luzes, fazendo com que ele se mostre extremamente protetor. Ao contrário do que normalmente acontece em histórias do gênero (vide Presença), ambos são gentis e simpáticos, nutrindo uma relação de respeito e confiança. Por isso, quando surge o risco de serem acolhidos por famílias diferentes, a mera cogitação de uma separação é encarada como o verdadeiro horror pelos dois. É quando entra em cena Laura (Sally Hawkins, indicada ao Oscar por A Forma da Água), uma ex-terapeuta infantil que recentemente perdeu a filha, afogada na piscina de casa. Estranhamente atraída pela condição de Piper e imediatamente contrariada pela presença de Andy, ela surge agradável até demais como a nova mãe da dupla, que passa a ter a companhia do enigmático Oliver (Jonah Wren Phillips), o outro filho adotivo e que apresenta um comportamento incomum.

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O que salta aos olhos logo de cara é a sensibilidade dos Phillippou em evitar transformar a deficiência de Piper num ponto fraco a ser explorado pelo roteiro. Pois a menina, além de não ser definida pela própria condição, luta para ser reconhecida como igual, chegando a recusar o uso da bengala longa para não motivar um tratamento especial. Também por isso, o relacionamento com o irmão funciona tão bem, já que Andy é o único que parece entendê-la, sem deixar que a deficiência paute suas interações. O laço entre os irmãos, aliás, é o coração de Faça Ela Voltar e o principal motivo por trás de seu sucesso também como drama. Aliás, confesso ter dificuldades para lembrar de um terror tão emocionante lançado nos últimos anos.

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Felizmente, se o longa é suficientemente marcante do ponto de vista emocional, como terror consegue ser ainda mais forte, com destaque para uma sequência de puro body horror feita sob medida para incomodar o mais versado dos fãs de filmes de terror (aquela envolvendo uma fruta), por mais que demande concessões a respeito da imprudência (ou inocência?) de um determinado personagem. Vale um alerta também para os mais sensíveis a cenas com animais, embora trate-se de um clichê do gênero e, portanto, esperado. O repertório da produção, porém, vai além das imagens chocantes, pois os Phillipou sabem o valor de uma atmosfera bem construída.

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É preciso reconhecer também a ambição dos australianos, que não apenas criam a expectativa por algo impactante, como também o oferecem sem reservas, estabelecendo uma relação de confiança com o espectador que potencializa o efeito de sua estratégia. Para isso, eles lançam mão de quadros quase sempre fechados, reforçando a claustrofobia das tomadas no interior da casa. A trilha sonora econômica, quiçá minimalista, também contribui para o desconforto. No entanto, se a narrativa é tão potente, é porque nos importamos com os personagens e, nesse sentido, estamos muito bem servidos.

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Billy Barrett, por exemplo, é hábil ao ressaltar a bondade de Andy, algo crucial para que possamos desconfiar das intenções de Laura. Ora, se o rapaz é genuíno em suas intenções, algo errado está acontecendo e é a dona da casa quem se apresenta como a principal suspeita. Exibindo semelhanças curiosas com seu papel no formidável Simplesmente Feliz (2008), Sally Hawkins encarna Laura como uma mulher irremediavelmente abalada pelo falecimento da filha, conseguindo a proeza de fazer com que o espectador entenda (não confundir com “aceite”) suas motivações, ao invés de demonizá-las de imediato. Essa compreensão, diga-se de passagem, é o que torna os rituais vistos no início da projeção tão assustadores, pois soam mais como um recurso desesperado, do que um mero instrumento para a maldade. E se a estreante Sora Wong não tem dificuldades para justificar a devoção de Andy, é Jonah Wren Phillips (o Theo da série Sweet Tooth) o destaque deste já admirável elenco. Para evitar spoilers, me limitarei a elogiar a forma como o jovem ator ilustra dois momentos distintos de Oliver: um em profundo desespero e outro... selvagem.

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Enfraquecendo-se nos minutos finais ao apelar para uma conclusão mais comercial e menos adequada ao desenvolvimento da narrativa, Faça Ela Voltar consolida Danny e Michael Phillippou como novas vozes do Terror contemporâneo e mal posso esperar para ouví-las novamente.

 

NOTA 8

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