'Premonição' retorna com mistura certeira de violência e humor irônico
- Guilherme Cândido
- 13 de mai.
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Essa semana, enquanto maratonava a fantástica série O Estúdio (Apple TV+), comédia escrita, dirigida e estrelada por Seth Rogen (Superbad: É Hoje), me peguei refletindo sobre uma das questões levantadas num dos episódios: a eterna discussão entre filmes de arte e filmes “pipoca”. Até Demi Moore, em sua campanha no último Oscar, jogou lenha na fogueira ao alimentar uma separação que, a meu ver, não deveria existir e faço dos argumentos de Rogen, os meus. Todo filme é Arte e, como tal, há exemplares bons e ruins. E não é porque desgostamos de um filme, que ele deixa de ser Arte. Um exemplo ilustrativo é Premonição, franquia nascida única e exclusivamente para satisfazer a curiosidade mórbida do espectador, sendo particularmente improvável permanecer indiferente perante suas sequências mais brutais. Arte não seria exatamente isso, uma expressão humana voltada para o despertar de sensações?

Assim como seus antecessores, Laços de Sangue, sexto longa-metragem da surpreendentemente longeva cinessérie a invadir os cinemas, não parte de um enredo mirabolante e nem se preocupa em construir reviravoltas surpreendentes; muito pelo contrário. A trama, escrita por Guy Busick (Abigail) e Lori Evans Taylor (O Nascimento do Mal) a partir de uma ideia de Jon Watts (diretor de Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa), é um mero subterfúgio (alguém lutando para impedir que suas visões se concretizem) para costurar set-pieces que invariavelmente terminam com alguém morrendo brutalmente. E conforme as tragédias se revelam cada vez mais estapafúrdias, os diretores Zach Lipovsky e Adam B. Stein (Aberrações) praticamente escancaram ao público que levar-se a sério passa muito longe de ser a principal diretriz do projeto.

Lipovsky e Stein injetam doses cavalares de ironia e humor negro ao texto já irreverente e acabam divertindo através da manipulação de nossas expectativas. Não por acaso, quando um restaurante em formato circular construído a mais de 150 metros de altura aparece pela primeira vez, ouvimos a canção “Ring of Fire” de Johnny Cash, assim como outra melodia dá uma dica sobre o destino dos pobres clientes do tal estabelecimento. Outra forma encontrada pela dupla de cineastas para usar a linguagem cinematográfica a seu favor é a oferta de planos-detalhe antes de cada momento sanguinário. Assim, quando a câmera foca em objetos como um cortador de grama, um prego enferrujado ou um caco de vidro caindo num copo (misturando-se habilmente ao gelo), conseguimos imaginar exatamente o que nos aguarda. Isso quando eles não resolvem soltar alguns alarmes falsos, pegando os desatentos na curva.

Quem se permitir deixar o preconceito do lado de fora da sala de projeção e manter a mente aberta quando as luzes se apagarem, será presenteado logo de cara com um prólogo não menos que excepcional ao cumprir com louvor a função de oferecer uma síntese dos noventa minutos seguintes: A narrativa começa na década de 50, quando um casal de jovens decide prestigiar a inauguração de um restaurante de luxo (sim, aquele do parágrafo passado). O rapaz planeja pedir a namorada em casamento, preocupando-se com todos os detalhes a fim de tornar aquele dia inesquecível. O espectador, claro, sabe o que esperar, mas o filme dilui sua atenção em outros personagens, que por sua vez são protagonistas de suas próprias histórias. São situações que funcionam completamente independentes até o pior finalmente acontecer, ligando cada desafortunado de maneiras inesperadas (e a emprego de uma moeda como fio-condutor é a cereja do bolo).

Para não estragar surpresas, me limitarei a dizer que a plateia lamentará o destino de alguns e sentirá o doce sabor da vingança quando o destino abater outros (como um menino dissimulado). Com início, meio e fim, trata-se de uma longa sequência encenada impecavelmente e que ainda traz o bônus da já citada irreverência, que se equilibra entre o cartunesco (alguém é esmagado por um piano) e o engenhoso (note como a moeda desencadeia toda a catástrofe). Ou seja, precisamente como o próprio filme se desenvolverá.

Premonição 6 também marca a última aparição do ator Tony Todd, ícone do terror e presença recorrente na franquia. Falecido aos 69 anos de causas não reveladas, Todd (famoso por Candyman) é um pontos que ligam este Laços de Sangue aos demais capítulos, ressaltando a pretensão da Warner em interligar a hexalogia tal qual Vin Diesel e seus roteiristas fizeram em Velozes e Furiosos, forçando a barra com conexões nem sempre orgânicas. Aliás, os fãs devem ficar atentos aos créditos finais, quando várias referências são expostas.

Embora tende a atrair atenção pela mistura de violência e bom humor, o roteiro faz bom proveito do discurso sobre destino, brincando com a intenção dos personagens de ludibriarem a Morte, aqui atuando para se certificar de que famílias que não deveriam existir, tenham o pior fim possível. Apesar de ter me lembrado da trilogia De Volta Para o Futuro, optarei por fazer uma comparação contemporânea. Pense na Dona Morte como uma vilã da fase mais atual da Marvel, agindo para manter a integridade das linhas temporais. Afinal, se alguém que não deveria estar vivo, acaba formando uma família, o subtítulo da produção será levado ao pé da letra pela entidade.

Mesmo que sofra para igualar as mortes mais memoráveis de seus predecessores, Premonição 6: Laços de Sangue é o tipo de produção que não tem vergonha de atender os desejos mais primitivos de sua audiência, fazendo-o com habilidade e sem o menor pudor por uma hora e cinquenta minutos que passam voando. Um passatempo escapista que tende a ser esquecido no momento que as luzes se acenderem, mas que será eternizado nos clipes que irão viralizar na internet nos próximos meses.
NOTA 7