Projeto James Bond #09: 007 Contra o Homem Com a Pistola de Ouro (1974)
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  • Foto do escritorGuilherme Cândido

Projeto James Bond #09: 007 Contra o Homem Com a Pistola de Ouro (1974)

007 Contra o Homem Com a Pistola de Ouro

(The Man With The Golden Gun, 1974)



Segundo filme com Roger Moore na pele de James Bond, 007 Contra o Homem Com a Pistola de Ouro marca a mudança definitiva no tom das aventuras do agente secreto. Se Com 007 Viva e Deixe morrer, o roteiro de Tom Mankiewicz já dava pistas do que planejava para o desenrolar da nova fase, testando elementos junto ao público, é este filme de 1974 que consolida suas ideias.


Para começar Roger Moore, que havia deixado uma boa impressão em sua estreia, surge mais confortável no papel e começa a deixar sua marca, adequando sua composição ao estilo despojado da série. Aqui, o James Bond de Moore se distancia de vez das encarnações sarcásticas de Connery e abraça um descompromisso quase inocente, do tipo incapaz de questionar os absurdos que começam a envolver suas missões, e sua reação ao ver o carro do vilão Scaramanga levantar vôo ou quando resolve executar uma proeza a bordo de um veículo (“já ouviu falar de Evil Knievel?”, ele pergunta ao xerife JW Pepper no banco do carona) são reveladores do ponto de vista narrativo.

Novamente concebido por Tom Mankiewicz, mas reescrito por Richard Maibaum, O Homem Com a Pistola de Ouro é praticamente um capítulo à parte. Não fossem pelas presenças de figuras recorrentes como M, Q e Moneypenny, seria difícil encará-lo como uma típica aventura de James Bond, tamanha a discrepância na atmosfera. Caso funcionasse, não seria um problema, mas a verdade é que o caricato xerife Pepper (Clifton James), trazido de volta após a histriônica participação no filme anterior, não vale o esforço dos roteiristas, que transportaram o sujeito da Louisiana para o sudeste asiático apenas pelos efeitos cômicos, bobos e descartáveis na maioria das vezes, como a gag envolvendo um elefante ou os comentários (hoje politicamente incorretos) que faz. Com isso, 007 deixa de usar o humor como válvula de escape para incorporar um núcleo voltado especificamente para a comédia.

Aproveitando a onda dos filmes de Kung Fu da mesma forma que Com 007 Viva e Deixe Morrer pegou carona na popularidade do Blaxploitation, Mankiewicz e Maibaum fazem um trabalho preguiçoso ao limitarem-se a estereótipos para referenciarem a cultura oriental, lembrando em alguns momentos o fraco 007 Os Diamantes São Eternos, que ao menos dedicou tempo suficiente para conferir peso às convenções que utilizou. Aqui somos surpreendidos com lutadores de sumô que surgem repentinamente em cena e uma academia de artes marciais convenientemente mantida por um aliado de Scaramanga, possibilitando mais um dos absurdos da história ao colocar dezenas de aprendizes sendo derrotados por duas moças enquanto Bond não move um músculo para ajudar. É clara a impressão de que esses momentos foram concebidos sob medida para agradarem aos fãs de filmes shaolin.

Estranhamente, o roteiro possui um volume maior de diálogos, evidenciando o desequilíbrio da experiência como produto voltado para o entretenimento. Verdade seja dita, as poucas sequências de ação merecem elogios, especialmente as ótimas perseguições, a essa altura uma especialidade da série. O mesmo não pode ser dito, porém, dos ridículos momentos compartilhados por Bond e Pepper e que culminam na já citada acrobacia veicular, que de tão estapafúrdia ganha um efeito sonoro cômico.

Indo ao encontro dessa proposta, alguém da produção julgou que seria interessante brincar com a tradição da série de apresentar capangas estilosos, o que resultou na concepção de Nick Nack, braço direito de Scaramanga e que conta com a peculiaridade de ser interpretado pelo anão Herve Villechaize, famoso por contracenar com Ricardo Montalban na série televisiva A Ilha da Fantasia (“O Avião! O Avião” era seu bordão mais célebre). Além da estatura incomum para os padrões da franquia, Nick Nack tem pouco a acrescentar tirante um constrangedor embate com Bond já nos minutos finais da projeção. Mal construído, falta carisma ao personagem, cujas motivações mais mundanas engessam a atuação de Villechaize, limitando-se a um ar brejeiro que torna seu sadismo apenas curioso.

A trilha sonora de John Barry, seu trabalho menos solene dentro da série, tenta acompanhar o clima leve, quase satírico da produção e ao menos tem mais sucesso do que a canção-tema: embalando os créditos de abertura, “The Man With The Golden Gun” é um desastre completo quando comparada às outras faixas da franquia, exibindo um ar pop que fica ainda mais dissonante na voz adolescente da cantora Lulu, corroborando a tese de que 007 Contra o Homem Com a Pistola de Ouro mais parece uma paródia de James Bond do que uma aventura canônica.

Já o vilão Francisco Scaramanga se beneficia da performance espirituosa do britânico Christopher Lee, o Drácula dos estúdios Hammer, que tira leite de pedra para driblar a superficialidade do assassino descrito pelo autor Ian Fleming como “um oponente à altura de Bond, por se parecer com ele”. Cobrando 1 milhão de dólares por trabalho, Scaramanga nada mais é do que um misantropo excêntrico que passa os dias em sua ilha particular escapando dos jogos mortais idealizados por Nick Nack, que herdará seu obscuro império. Tirando sua extravagante e engenhosa pistola que dá nome ao filme, é seu famigerado terceiro mamilo que acaba destacando-o na galeria de vilões da série.

O que nos leva ao Solex, MacGuffin do filme que consiste num pequeno dispositivo capaz de catalisar energia solar e que merece créditos quando lembramos da crise energética que assolava o mundo na época e que é aproveitada pelo roteiro. Enquanto Scaramanga busca o objeto para abastecer uma arma a laser com alto potencial destrutivo (mais um indicativo do desperdício de potencial do personagem), Bond é escalado pelo MI6 para levar à Inglaterra aquela que poderá ser a solução dos problemas do mundo.

E se Scaramanga deixa poucas lembranças no espectador, as Bond Girls se saem ainda pior. A começar pela péssima Mary Goodnight (Britt Ekland), encarada pelo roteiro como uma agente incompetente que parece ter sido escolhida apenas em função do corpo escultural. Além dela, Maud Adams encarna Andrea Anders como uma figura concebida apenas para aparecer na tradicional cena do chuveiro e para ser estapeada por Bond numa assustadora cena de tortura que remete a Moscou Contra 007, quando o espião não hesitou em bater na devotada Tatiana Romanova.

Por fim, é notável o esforço feito pelos produtores para darem a Roger Moore um James Bond único, diferente das versões anteriores, mas o humor quando combinado a elementos absurdos provoca um flerte ainda mais perigoso com a autoparódia (não esqueçamos de 007 Os Diamantes São Eternos). E quando temos um filme de 007 com vilões e bond girls opacos, a dependência das sequências de ação torna-se inevitável, sobrando poucas alternativas para salvarem a experiência. Após a era de ouro do personagem, com Sean Connery, e um período transicional, James Bond entra definitivamente em sua fase mais controversa, aquela que demoraria mais tempo para chegar ao fim.


NOTA 4,5


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