"Resistência" busca conciliar humanos e IA em experiência vistosa, mas sem alma
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  • Foto do escritorGuilherme Cândido

"Resistência" busca conciliar humanos e IA em experiência vistosa, mas sem alma


Numa época em que o mundo vive apreensivo com a evolução desenfreada de inteligência artificial, (tanto que não faz muito tempo desde que Hollywood parou em função de greves que aconteceram justamente em função do uso de IA) é curioso que Resistência chegue aos cinemas pela contramão. Contrariando os recentes discursos contra a tecnologia supracitada, vide o recente Missão: Impossível, a produção busca um tom conciliatório ao mediar a relação entre humanos e máquinas. Falta de timing? Ousadia em pregar a coexistência em tempos bélicos? A verdade é que no meio dessa guerra, está um filme tecnicamente impecável e narrativamente ambicioso, mas que trilha caminhos convencionais ao elaborar o seu discurso.

Para corroborar essa tese, a estratégia adotada passa não pelo enobrecimento dos robôs, mas sim pela depreciação dos humanos, o que, convenhamos, não chega a ser uma tarefa muito difícil. Investindo em diálogos como “robôs são mais humanos que os próprios humanos” para ressaltar o que de pior as pessoas são capazes de fazer, o roteiro ainda cria situações para embasar esse argumento, como um soldado ameaçando matar o cachorro de uma criança em troca de uma informação importante e a natureza distinta entre os objetivos dos dois lados da guerra. Enquanto as máquinas (teoricamente) buscam a paz, a humanidade visa a aniquilação, uma postura historicamente verossímil.

Essa parte, por sua vez, se mostra intrincada, visto que tanto robóticos, como pessoas, possuem métodos agressivos no campo de batalha. Menos ruidosa é a mensagem que o roteiro passa ao citar a inteligência artificial como uma evolução, uma ferramenta pronta para ser incorporada ao cotidiano. É mais conveniente ao script focar nas facilidades promovidas pela “virtuosa” tecnologia do que nas consequências de seu uso indiscriminado, sem mencionar o caráter simplório com que a narrativa apela para o sentimentalismo, trazendo robôs como babás perfeitas enquanto seres humanos tratam seus semelhantes como meros soldados em potencial.

Mas também há espaço para o subtexto em Resistência, que constrói paralelos com as guerras do Vietnã, embora não tão sutis (a batalha acontece na “Nova Ásia”), do Afeganistão e até do Iraque, com os militares promovendo uma caça aos “terroristas” robôs enquanto usam a busca por uma arma de destruição em massa como pretexto. Retratando o Imperialismo como o grande vilão da h(H)istória, o longa-metragem alterna entre o intrincado e o simplório ao abordar seus elementos mais significativos. Simplório ao conectar suas referências cinematográficas em prol da narrativa, intrincado sempre que o discurso aponta rumos complexos, obrigando os roteiristas a recorrerem a alegorias nem sempre satisfatórias como respostas.

Assinado pelo próprio cineasta Gareth Edwards em nova parceria com Chris Weitz (eles já trabalharam juntos em Rogue One – Uma História Star Wars), o roteiro parte de uma premissa longe de ser encarada como original: Em 2065, a humanidade vive em guerra contra a Inteligência Artificial após um ataque nuclear supostamente perpetrado por robôs dizimar Los Angeles, ceifando mais de dez milhões de vidas. Enquanto as máquinas representam a maioria, os seres humanos depositam todas as suas fichas numa gigantesca estação na órbita da Terra, que representa a última resistência terrestre. A fim de acabar com o conflito de uma vez por todas, o sargento Joshua Taylor (John David Washington, filho de Denzel) é encarregado de se infiltrar entre os inimigos a fim de descobrir a localização de Nirmata, codinome do programador responsável pela criação da Inteligência Artificial e que é considerado pelos robôs como uma verdadeira divindade (se trata do criador deles, afinal). Apesar de fecharem o cerco aos humanos, com vigilância fortemente armada, as máquinas alegam que só querem ser livres.

Acontece que Nirmata possui uma carta na manga: trata-se de uma poderosa arma capaz de acumular conhecimento e ampliar seu poder com o passar do tempo. Tal arma é nada menos do que uma criança-robô, cujos poderes certamente serão fundamentais para acabar com a Guerra (independente do lado). Eis que tal criança, ou Alphie, como passa a ser chamada, é encontrada por Joshua, que por sua vez a utiliza para rastrear o paradeiro de sua esposa, anteriormente dada como morta. No meio do caminho, ele irá se afeiçoar à Alphie e compreender um pouco mais sobre o lado dos supostos inimigos, descobrindo um lado empático até então adormecido.

A premissa, embora familiar, é intrigante e fornece um prato cheio para que Gareth Edwards dê vazão à sua imaginação. Tendo despontado com a ficção científica independente Monstros, o britânico chegou a comandar o remake de Godzilla (o de 2014) antes de entrar para o universo de Star Wars, cujo visual exerce enorme influência em Resistência. Visual, aliás, é o ponto forte de Edwards, dono de um estilo singular que costuma combinar tecnologia avançada a um ambiente bucólico. Beneficiando-se imensamente dessa identidade estética, The Creator, no original, compensa sua falta de originalidade narrativa (comentarei mais adiante) com um CGI de encher os olhos e diante de um cenário em que os grandes estúdios investem cada vez menos no departamento de VFX (a Marvel, inclusive, já foi acusada de oferecer péssimas condições de trabalho a esses profissionais), se posiciona facilmente como um forte candidato ao Oscar de Efeitos Visuais.

Além da movimentação fluida dos robôs e do uso impecável de tela verde, a computação gráfica também ajuda o designer de produção James Clyne (de Avatar e Star Trek) a conceber Nomad, estação espacial que abriga os militares humanos, como um espaço rico em textura e cuja imagem colossal no horizonte lembra Distrito 9, filme sul-africano com quem divide uma série de paralelos. Até porque, o diretor e roteirista Neil Blomkamp, viu sua carreira decolar após o imenso sucesso de bilheteria daquela obra e, claro, ser indicado ao Oscar. E assim como aconteceu em Distrito 9, em que o realizador superou os limites dos efeitos visuais da época, fazendo parecer que estávamos diante de uma produção multimilionária quando na verdade custara “apenas” 30 milhões de dólares, Gareth Edwards usa os 80 milhões que recebeu para entregar um longa bem-acabado, com sofisticação visual e que poderia se passar por mais um blockbuster de 200 milhões de dólares a invadir os multiplexes.

O êxito técnico, por outro lado, não se reflete no roteiro. Embora seja eficiente na criação de mundo e no estabelecimento das regras que o regem, Edwards e Weitz pegam emprestado elementos de obras consagradas da ficção científica, como Blade Runner (além das cidades, qualquer semelhança dos “simulantes” com os “replicantes” não é mera coincidência), Avatar (as máquinas gigantes, o forasteiro abraçado como salvador), Contra o Tempo (o dispositivo que “revive” o soldado por tempo limitado) e O Exterminador do Futuro (a Skynet fazendo escola). Durante o desenrolar da trama, é possível identificar outras inspirações, o que contribui para um efeito quase permanente de déjà vu, transformando Resistência numa colcha de retalhos, uma espécie de “greatest hits” do Cinema Sci-Fi. Essa obstinação em “homenagear” clássicos demanda uma energia que deveria ser utilizada pelos roteiristas para desenvolver os personagens a contento, o que infelizmente não acontece.

Eles parecem satisfeitos com a concepção de Joshua, por exemplo, sugerindo que sua motivação é o que basta para gerar identificação com o público. Se teoricamente isso em algum momento pode ter feito sentido para a dupla, na prática significa um protagonista definido por seu trauma, sem qualquer tipo de nuance. Vazio por dentro, Joshua não oferece material suficiente para John David Washington, que já provou sua competência em obras superiores como Beckett e Tenet, mas que aqui fica refém do próprio carisma. A relação de Alphie com o sargento vai pelo mesmo caminho, seguindo uma dinâmica previsível e monocórdica. É uma pena também que a falta de interesse em trazer complexidade à narrativa contagie outros setores da produção. Nesse caso, é frustrante ver Resistência apresentar uma infinidade de robôs sem jamais fazer uma explanação sobre as evidentes distinções de cada um dos tipos que surgem na tela. Há máquinas “corredoras” que se sacrificam em prol da lealdade aos humanos, os já citados “simulantes” e até strippers. Se estes últimos até ganham uma sequência divertida, os demais representam um imenso potencial desperdiçado.

Enquanto isso, o gênio Hans Zimmer (Duna) faz o que pode para engrandecer os eventos da narrativa, especialmente a epopeia de Joshua, compondo melodias que variam entre o épico e o frugal. Aliás, é bom ver o compositor alemão variando, deixando de lado os sintetizadores que costumam dar o tom de suas faixas mais enérgicas, para apostar em instrumentos de cordas, ironicamente (ou não), remetendo a histórias mais clássicas (as comparações com A Missão se fazem pertinentes até em função da fonte do título). Da mesma forma, os efeitos sonoros conferem realismo e até contribuem para o suspense em determinadas sequências, como um robô kamikaze cuja proximidade é identificada pela intensidade de seus passos.

No papel, Resistência possui praticamente todos os requisitos para ser considerada uma ótima ficção científica, como efeitos visuais deslumbrantes, sequências de ação bem orquestradas e um universo suficientemente instigante. O que impede a produção de alçar voos maiores é sua incapacidade de se conectar com o espectador, resultando numa experiência vistosa, mas sem alma.


Se aqui os humanos são menos “humanos” do que as máquinas, Resistência é mais “robótico” do que seus robôs.


NOTA 6

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