'Superman' volta repaginado aos cinemas em aventura vibrante
- Guilherme Cândido
- 9 de jul.
- 5 min de leitura

Desde que Christopher Reeve forçosa e tragicamente deixou o papel que imortalizou, foram produzidos quatro filmes, com duas encarnações diferentes do Homem de Aço. Ainda que Henry Cavill tenha chegado perto de protagonizar um estudo de personagem, nunca o Superman foi tão humano e vulnerável como neste recomeço escrito e dirigido por James Gunn. E justamente em seu filme mais bobo. O que nesse caso não chega a ser um demérito, visto que Gunn, alçado a Midas por ter adaptado os inadaptáveis Guardiões da Galáxia naquela que se revelou a melhor trilogia da concorrente Marvel, se tornou um especialista em conduzir comédias extravagantes, mas emotivas. A exceção fica por conta da releitura de O Esquadrão Suicida (2021), já sob as asas da Warner/DC.
O que o diretor e roteirista faz pode ser considerado uma proeza das mais desafiadoras, uma vez que estamos diante de um super-herói famoso e amaldiçoado pela onipotência. Já a guinada brusca em direção ao cartunesco é reflexo do reboot agressivo orquestrado pelo próprio Gunn, contratado para chefiar os projetos do novo DC Studios e cuja missão é dar ao universo cinematográfico da marca não apenas credibilidade, mas organização semelhante ao que fez do Marvel Studios o que é hoje.

Batizado simplesmente como Superman, a aventura por vezes cambaleia em sua corrida desesperada para dar a impressão de ocorrer num universo pré-estabelecido, sem precisar recorrer a uma desgastada história de origem. Uma suntuosa cartela, por exemplo, situa o espectador logo nos primeiros instantes, mas a exposição onipresente, especificamente na hora de estabelecer o passado entre personagens. Os diálogos, cafonas toda vida, seriam um tremendo problema nas encarnações anteriores da criação dos quadrinistas Jerry Siegel e Joe Shuster, mas são um reflexo puramente instintivo da ambientação colorida e estrambólica da narrativa, mais uma assinatura “do diretor da trilogia Guardiões da Galáxia”.

A propósito, James Gunn construiu uma carreira longa e consistente o bastante para reconhecermos várias de suas marcas registradas, especialmente no que tange a ação. Há, inclusive, uma sequência que poderia facilmente ser protagonizada pelo Senhor das Estrelas, com um sujeito derrotando facilmente uma série de inimigos ao som de uma faixa musical marcante. A competência do cineasta permanece intacta, assim como seu olhar para a estilização de set-pieces.

Da mesma forma, ele contorna sem dificuldades o excesso de personagens, particularidade latente na maioria de seus projetos, atribuindo funções importantes a cada um deles. Nesse sentido, merece destaque o aproveitamento dos pais biológicos do herói, aqui centralizados numa decisão polêmica fadada a fortes debates. Já a família adotiva é parte da costura dramática do texto, desenvolvendo conflitos psicológicos, ao passo que um determinado grupo de vigilantes funciona tanto como alicerce para o fundamento “meta-humano”, quanto para um comentário bem-humorado acerca das grandes corporações e seus líderes extravagantes. Falando nisso, ao rechear a história com participações especiais, a produção apela diretamente ao fã, antecipando dinâmicas futuras.

O que nos leva a David Corenswet, estadunidense de 32 anos recém-completados cumprindo a assustadora missão de honrar o legado de um ícone amado. Representando uma ruptura definitiva com a figura melancólica e atormentada sustentada por Henry Cavill, (seu ótimo antecessor) e adequada à onda sombria e realista de sua época - graças ao sucesso da abordagem revolucionária de Christopher Nolan para o Batman de Christian Bale - o ator de Pearl e Twisters se sai bem ao evocar a inocência e a leveza do inigualável Christopher Reeve, além de possuir porte físico semelhante (ambos com 1,93 de altura). Corenswet, no entanto, ficará marcado como o Superman mais vulnerável dos cinemas, fruto também de outro (senão o maior) acerto do roteiro.

Ao abrir a projeção anunciando a primeira derrota do antes quase imbatível super-herói, o realizador abre um precedente sempre almejado, mas jamais atingido com a contundência apresentada aqui. Kal-El nunca foi tão humano. Sim, ele sangra, mas não é preciso confrontar outro titã super-heroico para ficar à beira da morte. Ele fica e depende de ajuda para se recuperar (física e psicologicamente); não apenas do Sol, fonte de seus poderes, mas também de seus aliados, incluindo aquele destinado a arrebatar o coração do mais sisudo espectador.

Krypto, o Supercão, é mais do que um poderoso meio para vender brinquedos e figuras de ação. O mascote é fundamental dentro da engrenagem concebida por Gunn. Como não poderia deixar de ser, sua contribuição maior é na área do humor, bem manuseado através de sua personalidade deliciosamente desobediente e impulsiva, mas não subestimemos sua relação com o Superman (quase um John Wick em determinado momento). A produção não alivia para o sidekick: como um legítimo super-herói, ele bate (ou morde), mas também apanha (espere sérias dificuldades). No clímax, porém, além de dar a volta por cima, ganha de presente uma das melhores passagens do filme (incluindo uma interação a la Hulk X Loki com o Lex Luthor de Nicholas Hoult).

E como é bom vê-lo em grande fase: não bastasse a participação no divertido Renfield, em 2023, vem de três categóricos acertos no ano passado, brilhando em Nosferatu, Jurado Nº 2 e A Ordem. Seguindo a linha disruptiva da estrela da companhia, Luthor é ainda mais estrategista e inteligente, mas sua determinação mascara a inveja que sente do kryptoniano. E note como até a desnecessária verbalização desse sentimento (em mais uma das cafonices da produção) torna-se um bom momento nas mãos de Hoult, que abraça a grandiloquência do vilão com gosto.

Ainda que falte - a despeito de excepcionais efeitos visuais - uma sequência tão emblemática quanto o voo ao redor do mundo em Superman: O Filme (1978), a bala no olho de Superman - O Retorno (2006) ou a luta final de O Homem de Aço (2013), o esforço para fazer jus à grandeza do personagem não passa despercebido, e sua imponência é acentuada pela combinação de ângulos de câmera e pela trilha sonora vibrante de John Murphy (Kick-Ass: Quebrando Tudo) e David Fleming (The Alto Knights – Máfia e Poder), que acertadamente resgatam os indefectíveis acordes compostos pelo mestre John Williams para o filme de 1978.

Como se não bastasse o reposicionamento do Superman, a reverência ao seu legado e o pontapé inicial de um universo cinematográfico totalmente repaginado, o roteiro ainda surpreende através da inclusão de temas adultos que fazem parte das discussões contemporâneas. Ao trazer a geopolítica para o centro nervoso, o texto corajosamente toma partido num conflito a ser facilmente reconhecido pelo público, de quebra referenciando o papel das redes sociais na efervescente problemática das fake news (por tabela tirando sarro das milícias digitais). Gunn é firme até mesmo ao valorizar o Jornalismo verdadeiro como principal aliado na guerra contra a desinformação, delegando um nobre e relevante papel à normalmente subaproveitada Lois Lane, interpretada com uma bem-vinda pitada de ironia pela mesma Rachel Brosnahan da premiada série Marvelous Mrs. Maisel.

Apesar de nem sempre bem-sucedido em suas investidas cômicas, Superman representa um reinício sólido e empolgante não apenas para sua trajetória, mas principalmente para uma marca (DC) tão maltratada nos últimos anos, refletindo com rara perfeição os valores de um ícone da cultura popular mundial. Que tudo isso venha embalado numa aventura pra lá de divertida e auspiciosa, é um bônus a ser celebrado.
NOTA 7,5
Observação: Há duas dispensáveis sequências adicionais durante os créditos.