"The Square - A Arte da Discórdia" discute moralidade em sátira feroz
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  • Foto do escritorGuilherme Cândido

"The Square - A Arte da Discórdia" discute moralidade em sátira feroz

Em setembro do ano passado, um vídeo rapidamente viralizou na internet mostrando uma criança interagindo com um homem nu durante uma apresentação no Museu de Arte Moderna de São Paulo. O tal “homem nu” era Wagner Schwartz, um coreógrafo que realizava uma leitura interpretativa de “Bicho” de Lygia Clark e a criança (uma menina de aproximadamente 5 anos), mesmo acompanhada da mãe, havia sido incentivada a participar da interação apesar do aviso feito pelo Museu sobre a presença de nudez artística.


A repercussão imediata, claro, gerou intensa discussão na Sociedade e, entre aqueles que defendiam a liberdade artística e os outros que faziam acusações de “incentivo à pedofilia”, o debate parecia longe de um consenso: Afinal, quais são os limites da Arte? Essa discussão, diga-se de passagem, é exatamente o objeto de estudo de The Square – A Arte da Discórdia, produção sueca dirigida por Ruben Östlund e que me lembrou instantaneamente do caso supracitado.


Mas a questão da liberdade artística não é a única reflexão proposta pelo ambicioso roteiro escrito pelo próprio Östlund, que oferece comentários ásperos sobre o senso de comunidade, critica ferozmente os arroubos moralistas da Sociedade (não só brasileira, como do mundo) e, tudo isso, sob a ótica do multifacetado Christian (interpretado pelo dinamarquês Claes Bang), o curador de um museu de arte em Estocolmo (a Arte imitando a vida) que, ao inserir-se nesse contexto, também nos coloca à mercê de uma série de situações que, de tão absurdas, acabam tendo efeito cômico.


E Östlund extrai humor com elegância e inteligência, sempre utilizando as gags em prol da trama (e não o contrário). Sendo assim, ao vermos inicialmente pedintes sendo ignorados por pessoas bem vestidas num local movimentado da capital sueca, não demora até que o próprio protagonista se torne uma vítima ao também ser ignorado. Além da eficaz crítica social, Östlund não se furta em provocar risos ao mostrar o sofisticado método de alguns bandidos para tomarem o celular de Christian. Vê-lo desesperado pedindo ajuda, espelha a situação dos pedintes, evidentemente, além de ganhar contornos cômicos graças à situação e à boa performance de Claes Bang.


Não só isso, a grande exposição pela qual Christian é responsável (e que dá nome ao filme) é uma pertinente reflexão sobre a moralidade, mas, novamente, não é jogada ao acaso, propiciando mais uma deixa perfeita para o humor mordaz de Östlund. E o que dizer da palestra que é interrompida várias vezes por um homem que (sofrendo de Síndrome de Tourette) insiste em gritar palavrões?


Além do casamento exemplar entre a reflexão e a comédia, The Square também merece elogios por suas belas atuações, a começar por Claes Bang, que vive o protagonista com a combinação perfeita de inocência e inteligência e sua performance naturalista é essencial para gerar empatia, caso contrário, não seria difícil transformar Christian numa figura repugnante em função de seu egocentrismo latente.


E se Dominic West faz uma pequena (mas eficiente) ponta, Elisabeth Moss (da finada série Mad Men) confere personalidade e carisma a Anne, ao passo que Christopher Læssø diverte como o inconsequente Michael. Porém, o grande destaque mesmo é Terry Notary que, conhecido pelo motion capture dos símios de Planeta dos Macacos, faz de sua única cena o momento mais marcante de toda a produção, graças à sua atuação, literalmente, animalesca.


Essa sequência, vale ressaltar, resume bem a intenção de Östlund em promover um olhar sobre o comportamento dos indivíduos durante a fragilidade (em qualquer sentido) de outrem. Isso nos faz retornar à cena dos mendigos que são ignorados, já que não é raro passarmos por pedintes como os vistos em The Square, sem ao menos nos importarmos em encará-los. E essa é uma ferida que o cineasta sueco não hesita em cutucar, expondo facetas que a Sociedade procura fingir que não existem.


Por esse motivo, o arco dramático de Christian merece aplausos, já que esculpe com perfeição a figura de um homem que inicialmente dá de ombros aos problemas de seus semelhantes, mas que ao provar dessa falta de empatia compreende a necessidade de sentir a tragédia alheia. A questão não é não se importar, pois Christian nunca deixou de fazer isso, e sim de reconhecer a indiferença e fazer algo para mudar, pois são exatamente os pequenos gestos que podem levar a grandes mudanças.


E independentemente de questões referentes à natureza da Arte ou seus limites (já que pode-se concordar ou não), o maior legado deixado por The Square é sua valiosíssima lição de humanidade/igualdade. Afinal, ricos ou pobres, esclarecidos ou não, somos todos humanos, acima de tudo (e de qualquer coisa).


NOTA 9

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