Thor - Amor e Trovão | Herói chega ao seu quarto filme sem ter encontrado o tom certo
top of page
  • Foto do escritorGuilherme Cândido

Thor - Amor e Trovão | Herói chega ao seu quarto filme sem ter encontrado o tom certo

Desde que estreou como estúdio lá nos idos de 2008, a Marvel sempre deu prioridade para franquias estruturadas como trilogias, quebrando essa fórmula somente com Os Vingadores, que superou Homem de Ferro como carro-chefe da chamada Casa das Ideias ao se transformar num colosso multibilionário cujo encerramento, culminância de uma grande saga contada em 22 filmes, dividiu-se em dois longas-metragens: Guerra Infinita e Ultimato, que ousou destronar Avatar temporariamente do posto de maior bilheteria de todos os tempos (sem o ajuste da inflação). No entanto, nem mesmo Tony Stark teve a chance de protagonizar mais de três histórias independentes, luxo que coube, espantosamente, a Thor, que com este Amor e Trovão se torna o primeiro super-herói do Marvel Studios a contar com quatro filmes-solo.


A História


Após os desgastantes eventos de Vingadores – Ultimato, Thor (Chris Hemsworth) resolve dar uma pausa em sua vida de super-herói, juntando-se aos Guardiões da Galáxia em jornadas onde se permite mergulhar em seu lado mais contemplativo, aposentando o machado Rompe-Tormentas e assumindo uma postura voltada para paz. No entanto, a chegada de Gorr (Christian Bale) com a promessa de matar todos os deuses obriga o vingador a voltar à ativa, juntando um improvável novo grupo de heróis formado por Korg (Taika Waititi), Valquíria (Tessa Thompson) e até mesmo sua ex, a Dra. Jane Foster (Natalie Portman) que surge empunhando o Mjölnir e surpreendendo-o como a Poderosa Thor.


A mente por trás do projeto


Após dois filmes de qualidade extremamente questionável, a Marvel resolveu mudar de direção, contratando o cineasta neozelandês Taika Waititi para comandar a última parte da trilogia do Deus do Trovão. Construindo uma carreira no Cinema Independente famosa por filmes que equilibram bem o humor e o drama, Waititi resolveu reconstruir a franquia do zero, conduzindo uma produção que tinha não apenas a responsabilidade de encerrar a história individual de Thor, mas fazer isso utilizando como base o Ragnarök, evento apocalíptico da mitologia nórdica assimilado pela Marvel nos quadrinhos e famoso por trazer consequências trágicas ao super-herói.


A experiência com o filme anterior


Taika Waititi acabou pesando a mão, fazendo um filme tão carregado no humor que acabou descaracterizando seu protagonista: Famoso pela força, mas também pela personalidade arrogante e o estilo formal, Thor transformou-se numa espécie de palhaço, estrelando sua própria comédia pastelão, contrariando o que já havia sido estabelecido em suas duas aventuras anteriores e nas quatro ao lado de seus colegas vingadores.


E não ficou só nisso, pois Waititi, muito influenciado pelo que James Gunn fez em Guardiões da Galáxia, trouxe a Thor – Ragnarok um visual espalhafatoso, com muito brilho e cores fortes, possibilitando a adição de personagens como o estrambólico Grão-Mestre de Jeff Goldblum e o tenro Korg, vivido pelo próprio diretor.


É preciso reconhecer, todavia, a confiança exibida pelo cineasta na criação de sequências de ação exuberantes, remetendo aos clássicos tableaux vivants franceses em planos pictóricos que mereciam ser emoldurados e pendurados na parede. Ele também foi capaz de resgatar a imponência de Thor em combate, finalmente dando ao espectador a chance de vê-lo dar vazão a todo o seu poder, arrebentando com relâmpagos, trovões e muitas acrobacias.


Continuando Ragnarok


Depois do sucesso comercial alcançado por Ragnarok, que lhe alçou ao status de queridinho de Hollywood, Taika Waititi teve o sinal verde da Marvel para dar prosseguimento à sua missão de desconstruir Thor, estabelecendo-o como o líder do espetáculo circense no qual se converteu sua franquia. Pois todos os personagens principais, em algum momento, entram em cena com o objetivo de fazer rir. Com a trupe de Waititi, a seriedade não dura mais do que alguns minutos.


O respeitável público deve ficar constrangido com a vencedora do Oscar Natalie Portman, um ícone da cultura popular, presente em obras como Star Wars, V de Vingança e O Profissional, que já trabalhou com autores do calibre de Wong Kar-Wai, Milos Forman e Darren Aronofsky, recitando pérolas como “engula meu martelo” e “fique de coração aberto”.


Entretanto, o problema não reside em tentar fazer rir, mas fazê-lo em momentos inoportunos. Como alguém à beira da morte, em seu último suspiro e durante uma batalha mortal encontraria forças para soltar uma frase de efeito rasteira como a citada acima? Waititi parece não compreender a função do alívio cômico, diluindo seu efeito ao transformar todos os seus personagens em alívios cômicos.


O Roteiro


Em seu primeiro trabalho após levar para casa o Oscar de Melhor Roteiro Original por Jojo Rabbit, Taika Waititi concebe uma estrutura problemática em Amor e Trovão. Sem saber como situar seu público, acaba inundando a narrativa com flashbacks que prejudicam seu ritmo, interrompendo a história. O fã, então, é obrigado a aguentar longas sequências que resumem eventos importantes da trajetória de Thor, o que deve ser, no mínimo, tedioso.


Mais interessado na forma como recontará esses momentos do que na coesão interna de sua narrativa, o diretor/roteirista derrapa ao colocar seu simpático Korg para narrar eventos que não presenciou, num descuido assustador por parte de alguém que ganhou o Oscar de Melhor Roteiro há pouco mais de dois anos. Além disso, na aparente indecisão sobre um prólogo envolvendo o grande vilão da vez ou um revival cômico (e descartável) do epílogo de Ragnarok, ele opta por incluir os dois, um seguido do outro.


Abusando dos diálogos expositivos, num esforço que impressionaria até mesmo Christopher Nolan (aqui homenageado com uma referência a Interestelar), Waititi não encontra formas criativas de transmitir informações ao público, concebendo interações que em nada se assemelham a conversas, pois quando não estão fazendo piadas, os personagens de Thor – Amor e Trovão estão mastigando elementos narrativos para o público. Ignorando o conceito básico do “não conte, mostre”, em seu script há sempre alguém para dizer como outro personagem está se sentindo e “você está perdido” é apenas um dos exemplos.


O curioso é que esse mesmo empenho que o roteirista demonstra para manter o espectador sempre a par do que está acontecendo desaparece na hora de justificar, por exemplo, como Jane Foster foi de Doutora em Astrofísica para versão feminina de Thor. Bastaram a leitura de alguns livros sobre mitologia nórdica e uma visita à Nova Asgard para a moça empunhar o lendário martelo Mjölnir (até então destruído) e surpreender seu ex ao entrar de penetra em sua batalha usando seu mesmo figurino e detonando inimigos com a mesma facilidade.

E o que falar do inacreditável momento em que Thor fere gravemente um importante personagem e os aliados deste (literalmente Deuses!) assistem inertes a tudo?


Os Personagens


Talvez o maior mérito de Taika Waititi resida na ideia de resgatar Jane, interesse amoroso de Thor: mal aproveitada nos dois primeiros filmes, a personagem de Natalie Portman acabou ficando de fora do terceiro, mas retorna em Amor e Trovão com um arco dramático que serve como um belo pedido de desculpas por parte de Waititi.


Além de pequenas participações especiais de figuras recorrentes do universo de Thor, o filme aproveita para desenvolver alguns coadjuvantes, como a Valquíria, que ganha nuances inesperadas ao revelar traumas românticos de seu passado. Korg é outro que recebe atenção especial, num esforço da Disney em reverter sua imagem perante acusações de falta de diversidade.


Já em relação a novos personagens, é o Zeus de Russell Crowe (o eterno Gladiador) quem chama mais atenção, ainda que negativamente. Distante do físico atlético exibido no auge da carreira, Crowe falha miseravelmente ao tentar uma composição voltada para o humor, algo que nunca foi seu forte. O resultado é uma atuação irregular, que faz de Zeus uma figura caricata.


O Vilão


Prestigiado na Indústria pela entrega absoluta aos seus papéis, sendo capaz de aliar drásticas mudanças físicas a um método rigoroso de atuação, o também vencedor do Oscar Christian Bale (o Batman da trilogia O Cavaleiro das Trevas) acaba desperdiçado na pele de um antagonista que tem pouco a oferecer além de um visual que lembra (e muito) Valak, a freira demoníaca de Invocação do Mal.


Bale tenta compensar o desenvolvimento fugaz de Gorr com uma performance que muitas vezes remete ao memorável coronel nazista Hans Landa de Bastardos Inglórios, incorporando os sorrisos largos e as exclamações agudas de Christoph Waltz. O Carniceiro dos Deuses, infelizmente, é mais um a integrar a galeria de vilões esquecíveis da Marvel e se não chega a ser tão genérico quanto Malekith (Thor – O Mundo Sombrio), Aldrich Killian (Homem de Ferro 3) ou o Jaqueta Amarela (Homem-Formiga), muito se deve aos esforços do ator galês.


Trilha Sonora


Se Amor e Trovão conta com uma das piores trilhas incidentais do compositor Michael Giacchino, que ainda por cima rompe completamente com o tema de Ragnarok, abandonando a atmosfera retrô dos sintetizadores para investir numa sonoridade mais convencional, as canções selecionadas por Taika Waititi para embalar a narrativa são o ponto alto do filme: com quatro clássicos da banda Guns N’Roses (vastamente referenciada), até as burocráticas sequências de ação tornam-se envolventes. O clima hard rock, aliás, permeia toda a narrativa (nem a vinheta da Marvel escapa) e deve fisgar o público mais velho.


Humor


A comédia é tão abundante em Amor e Trovão, que seria improvável não funcionar pelo menos algumas vezes (até um relógio parado acerta duas vezes ao dia, afinal). Waititi é perspicaz, por exemplo, ao fazer referência a um antigo meme envolvendo uma cabra gritando, introduzindo dois bodes gigantes que roubam a cena sempre que aparecem (e gritando exatamente como no vídeo).


Além disso, as gags envolvendo uma inesperada crise de ciúmes do machado Rompe-Tormentas (Stormbreaker, no original) são bem construídas, tornando-se uma divertida piada recorrente. Mas o melhor momento de Waititi é a inspirada sacada envolvendo um local onde Thor luta contra Gorr pela primeira vez, onde uma nave choca-se com uma enorme esfera acinzentada que, de longe, parecia se tratar de um planeta, extraindo humor da subversão de expectativa.


Ação


Taika Waititi não faz muita questão de inovar, repetindo as mesmas estratégias utilizadas no filme anterior, incluindo os supracitados tableaux vivants. Desta vez, ele conta com um repertório musical ainda maior e melhor, o que ameniza a ausência de sequências de ação mais elaboradas.


Felizmente, Chris Hemsworth segue convencendo como astro de ação, trazendo uma leveza bem-vinda a Thor, que por sua vez possui alguns bons momentos lançando raios, distribuindo machadadas e... abrindo espacate, numa irreverente homenagem a Jean-Claude Van Damme.


Visual


Como já era de se esperar, Thor – Amor e Trovão investe pesadamente no visual, ainda que sem o mesmo impacto atingido por Ragnarok. A Cidade da Onipotência (lar dos deuses), acaba se destacando, concebida visualmente como um imponente aglomerado de edificações douradas que dividem espaço com cachoeiras e jardins. A fotografia também merece elogios pela arrojada paleta monocromática que acompanha uma longa passagem por um local que é tão terrível que “até as cores têm medo de entrar”, num momento de rara inspiração.


Na maior parte do tempo, entretanto, a produção chama a atenção por ser acometida pelo crônico descaso da Marvel com o CGI (sua marca registrada), chegando ao ápice na batalha final, quando, assim como em outras produções do estúdio (em especial, Homem-Aranha – Sem Volta Para Casa) é tomada pela escuridão, um artifício baixo para baratear o custo de efeitos visuais e esconder eventuais imperfeições digitais.


Drama?


Contrastando com o tom infantil que pontua toda a história, o terceiro ato de Amor e Trovão decide abraçar o drama, mas tão desajeitadamente que acaba resvalando na pieguice sempre que tenta emocionar. Há também uma leve sugestão de que a famigerada falta de consequência (outra marca registrada da Marvel) será quebrada, quando ficamos sabendo que uma personagem acabou perdendo um rim após uma dura batalha, mas isso não a impede de fazer piada e surgir pronta para a ação no momento seguinte. O destino de um determinado personagem também acaba sendo suavizado num momento mais próximo do acender de luzes da sala de projeção.


Falando nisso, nem é preciso avisar que o novo Thor conta com cenas pós-créditos (duas), pavimentando o caminho para mais uma aventura.


Considerações Finais


Ancorado pelo carisma de seu protagonista (com o fôlego renovado), Amor e Trovão talvez seja a mais decepcionante continuação de um filme individual de Thor, justamente por mostrar que a Marvel, mesmo depois de tantos filmes ainda não encontrou o tom certo para o seu personagem, cujos fãs deverão se contentar com sua ótima participação em Vingadores: Guerra Infinita, onde os diretores Joe e Anthony Russo apresentaram o Deus do Trovão em toda a sua glória. Ou talvez Thor simplesmente funcione melhor como coadjuvante.


Resta saber se a Marvel será capaz de investir numa nova reformulação ou se seguirá à mercê de um cineasta já em piloto automático.


NOTA: 4

bottom of page
google.com, pub-9093057257140216, DIRECT, f08c47fec0942fa0