"Trem-Bala" combina ação frenética com humor certeiro
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  • Foto do escritorGuilherme Cândido

"Trem-Bala" combina ação frenética com humor certeiro

Atualizado: 31 de ago. de 2022


O filão das comédias de ação nunca esteve em baixa. Pelo contrário, todo ano somos bombardeados por produções que fazem da diversão um fim em si mesmo, investindo em roteiros irreverentes e que buscam o equilíbrio perfeito entre ação e comédia. Seja por meio de filmes de super-heróis, de zumbis, ou apostas mais autorais, esse subgênero nem sempre é garantia de sucesso (para cada Zumbilândia, por exemplo, temos dois Hotel Artemis). Nesse caso, embora não conte com personagens comedores de cérebro, Trem-Bala está muito mais para Zumbilândia, para nossa sorte.


Sorte, aliás é exatamente o que move a história do filme: protagonizada por um Brad Pitt confortável no papel do assassino desastrado, a trama se passa quase que inteiramente no transporte que dá nome à produção, povoado por personagens tão díspares quanto singulares e cujos caminhos se entrelaçam enquanto uma maleta serve como o MacGuffin da vez. Após uma introdução a la Os Embalos de Sábado à Noite – com direito a versão japonesa de Stayin' Alive -, logo descobrimos que o personagem de Pitt é chamado de Joaninha, codinome dado por sua misteriosa chefe como uma ironia ao seu azar “de proporções bíblicas”, segundo ele.


E não para por aí, pois a maleta procurada por Joaninha está com os “gêmeos” Limão (Brian Tyree Henry) e Tangerina (Aaron Taylor-Johnson) e quem viu Eternos e Kick Ass já sabe que os dois não poderiam ser mais diferentes. O problema é que dentro do trem-bala há outros criminosos cujos interesses vão muito além do tal objeto. O lobo (vivido pelo rapper porto-riquenho Bad Bunny), por exemplo, quer vingança pela morte da esposa, Kimura (Andrew Koji, de G.I. Joe Origens – Snake Eyes) quer encontrar quem empurrou seu filho do telhado e Príncipe (Joey King, protagonista de A Barraca do Beijo) possui intenções enigmáticas...


À primeira vista, seguir a história de Trem-Bala pelo prisma de seus vários personagens pode parecer complicado, e é mesmo, portanto, o cineasta David Leitch ao lado da montadora islandesa Elísabet Ronaldsdóttir (sua parceira em Deadpool 2) busca facilitar o trabalho do espectador com uma série de artifícios didáticos, seja por meio de flashbacks ou conversas entre os personagens, no melhor estilo Guy Ritchie.


Pois assim como o cineasta londrino fez em suas comédias urbanas, aqui somos presenteados com diálogos que frequentemente transportam a narrativa para lugares distintos, ilustrando o papo entre os personagens. Com isso, o roteirista Zak Olkewicz (Rua do Medo – Parte 2) se diverte com divagações que, se em nada acrescentam à trama, ao menos desenvolvem os assassinos de forma bem-humorada, destacando-se a passagem em que Limão e Tangerina discutem sobre o número real de vítimas que fizeram na missão anterior e que conta com participação especial do próprio diretor.


Leitch, para variar, constrói sequências de ação inventivas, lembrando em alguns momentos os grandes filmes de Jackie Chan ao colocar seus personagens para interagirem com os objetos de cena, o que fica patente na sequência em que Joaninha e Tangerina lutam usando garrafas, hashis e outros instrumentos de cozinha. O humor, vale ressaltar, é utilizado com parcimônia, surgindo como um respiro entre as várias sequências de ação e também nos próprios set-pieces, resultando numa irresistível combinação que é o sonho molhado da Marvel. Sobram referências à cultura japonesa, especialmente na trilha sonora, mas são aquelas envolvendo Thomas e Seus Amigos que acabam sendo o ponto alto da projeção, com Brian Tyree Henry transmitindo com imensa seriedade todas as pérolas de sabedoria aprendidas com o programa infantil.


Henry, assim como aconteceu no módico Eternos, sobressai no elenco coadjuvante, roubando a cena como Limão e construindo uma boa dinâmica com Aaron Taylor-Johnson que, como Tangerina, consegue soar estiloso e jocoso ao mesmo tempo, ao passo que Joey King, numa bela sacada de casting, brinca com as expectativas do público ao conceber uma vilã que se aproveita da própria aparência jovial para manipular seus inimigos. Entretanto, por mais eficiente que seja o elenco secundário, é Brad Pitt quem comanda o show, sabendo rir de si mesmo e construindo um personagem que diverte ao se beneficiar, mesmo que involuntariamente, do acaso que rege o universo.


Essa, aliás, é a força motriz do roteiro de Zak Olkewicz que elabora um engenhoso discurso sobre acaso/destino, sorte/azar como o ponto de convergência dos caminhos de seus personagens. Com isso, Olkewicz cria o subterfúgio perfeito não apenas para justificar determinadas conveniências narrativas, incorporando-as como elementos orgânicos, como também se diverte ao exacerbá-las, criando situações que divertem justamente por serem estapafúrdias.


Em tempos em que superproduções estão cada vez menos investindo em efeitos visuais, optando por set-pieces mergulhados em escuridão ou fumaça, Trem-Bala vai na contramão, brindando o espectador com um suntuoso clímax em plena luz do dia (com direito a raios de Sol e tomadas aéreas) onde todo o (bom) trabalho de computação gráfica pode ser desfrutado com clareza.


Com um design de produção que busca absorver a estética japonesa, incorporando ideogramas e flertando com o anime em vários momentos (principalmente aqueles onde o personagem de um programa local está em cena), Trem-Bala está sempre a um passo do precipício, mas quando sempre parece se entregar ao caos, a produção mostra que há ordem. Embora exiba coesão ao mostrar seus personagens em figurinos quase sempre dominados por cores chapadas, contrastando com a paleta drenada do interior do trem, a fotografia salta de padrões completamente distintos, indo dos tons pasteis ao neon em poucos minutos, fazendo da heterogeneidade sua principal diretriz.


Incluindo ainda uma série de participações especiais que surpreenderão o público, Trem-Bala é um daqueles blockbusters feitos à moda antiga e sob medida para aqueles que queiram uma bela experiência cinematográfica regada a muito refrigerante e acompanhada por um senhor balde de pipoca.


Após Deadpool 2 e Velozes e Furiosos: Hobbs & Shaw, o cineasta David Leitch consolida de vez seu nome na Indústria como um especialista em histórias que combinam ação e humor. Que seu próximo passo não demore a ser dado.


NOTA 7,5



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