"Um Lugar Silencioso" é mais uma grata surpresa do terror contemporâneo
Conhecido por interpretar Jim Halpert na versão americana da premiada série cômica The Office, John Krasinski parecia acomodado às comédias românticas, mas em 2016, submeteu sua carreira a uma severa reviravolta quando estrelou o filme de guerra 13 Horas: Os Soldados Secretos de Benghazi e dirigiu seu primeiro longa-metragem, o simpático Família Hollar, indicando não só uma ambição maior como artista, como também a capacidade de estrelar produções de outros gêneros. E ainda que esteja patinando no território dos filmes de ação, parece ter se encontrado como diretor, ao acertar em cheio com este Um Lugar Silencioso. Seguindo os passos recentes de Jordan Peele (vencedor do Oscar por Corra!), Krasinski assume a direção de um gênero pouco familiar, desafiando-se como realizador.
Assinando também a última versão do roteiro (que por sua vez passou pelas mãos de Bryan Woods e Scott Beck), o cineasta opta por iniciar sua história catapultando o espectador direto para a ação, quando acompanhamos uma família buscando mantimentos num mercado abandonado. O cenário, com estradas repletas de folhas e sujeira, o silêncio quase que absoluto e a falta de pessoas na rua dão uma prévia da atmosfera que virá a ser construída. Em pouco tempo notamos que os personagens não só evitam falar, como tomam extremo cuidado para não provocarem qualquer tipo de som. Algo terrível é atraído pelo barulho e não demora muito para descobrirmos o quê.
Com essa premissa enigmática, Um Lugar Silencioso já nos coloca ao lado de seus protagonistas, nos permitindo experimentar cada sensação. A tensão é constante e o perigo é adjacente, restando aos membros da família Abbott a sobrevivência. Nesse contexto, a produção é econômica, apresentando somente cinco personagens e que raramente separam-se. Além disso, demonstra uma coragem admirável ao exibir seu primeiro diálogo falado só depois dos 40 minutos de projeção, quando resolve deixar de lado, por pouco tempo, a linguagem de sinais.
Assim, a força do elenco é fundamental para segurar a narrativa e manter o interesse do espectador, saindo-se admiravelmente bem: Emily Blunt (também esposa do cineasta), para começar, interpreta a matriarca da família com uma mistura de carinho e firmeza, protegendo sua família a qualquer custo, o que não a impede de demonstrar afeto em vários momentos. Determinada, ela esconde uma vulnerabilidade que só aumenta com o decorrer da história. Já o próprio diretor John Krasinski surge na pele do patriarca, exibindo uma imensa barba que ajuda, ainda mais, a deixar de lado a imagem construída ao longo dos anos. Com um semblante que combina segurança e melancolia, Lee é um homem de modos gentis (repare como evita gritos ao repreender seus filhos), mas que mal consegue esconder que é atormentado por acontecimentos do passado, o que o leva a assumir o fardo da liderança com ainda mais vigor.
Já em relação aos mais jovens, Noah Jupe (de Extraordinário) usa sua surpreendente expressividade para incorporar todos os traumas que atormentam o pequeno Marcus, convencendo nas sequências mais intensas através de uma composição que prioriza a naturalidade, ao passo que Millicent Simmonds (Sem Fôlego) comprova mais uma vez seu talento inquestionável como a adolescente Regan. Deficiente auditiva como sua intérprete, Regan começa sua jornada provocando irritação em função de seu comportamento típico da idade, que acaba levando a atitudes equivocadas que vez ou outra a levam a colocar em perigo sua segurança e/ou de sua família.
Sem se prender a explicações mais extensas, o roteiro limita-se ao básico: algo letal está à espreita e age não só à noite, como também à luz do dia. Graças a uma direção de arte bem trabalhada, ficamos sabendo através de jornais ou de anotações feitas por Lee, que o mundo inteiro está sofrendo com essa ameaça. E isso é tudo o que interessa ao diretor norte-americano, que constrói a atmosfera ameaçadora através da movimentação de câmera e dos enquadramentos, sendo auxiliado nessa tarefa pelo compositor Marco Beltrami (Logan), que concebe uma trilha eficaz ao evocar o clima inquietante, embora soe intrusiva em alguns momentos (repare nos instrumentos de corda que surgem repentinamente em determinada cena).
Além de ser bem sucedido ao manter o tom pesado da narrativa, John Krasinski também é hábil na condução das sequências mais intimistas, conseguindo imprimir doçura e até mesmo alguma esperança ao ilustrar o amor incondicional entre Lee e Evelyn, com destaque para aquela que mostra os dois conversando sobre sentimento de culpa e a outra que envolve uma dança. Paralelamente, Krasinski demonstra uma disciplina pouco comum em cineastas menos experientes, ao investir com parcimônia nos jump scares e utilizar a paciência para conduzir as set-pieces, tendo equilíbrio o bastante para conter excessos.
Os efeitos visuais, diga-se de passagem, só não são mais impressionantes do que o excepcional design de som que merece ser lembrado na próxima temporada de premiações. Digno de aplausos, o trabalho do departamento de som é brilhante no que diz respeito à distinção dos ambientes. Com silêncios diferentes para cada locação, o esmero é tanto que o impacto de sequências simples ganha um aprimoramento superlativo, convertendo um simples prego num instrumento poderoso ao arrancar determinada reação. No que diz respeito a esse departamento, Um Lugar Silencioso é meticuloso e surpreendente.
Igualmente surpreendente é a facilidade com que o filme consegue provocar terror ao utilizar elementos simples. Atividades banais e até mesmo cotidianas ganham contornos tão sombrios que a imprevisibilidade quase torna-se palpável, destacando-se, novamente, o supracitado prego e um elemento narrativo (que não revelarei para evitar spoilers), que potencializa praticamente tudo o que o sucede, chegando ao ápice num momento onde uma banheira parece oferecer a melhor chance de sobrevivência.
Tenso, comovente, muito bem atuado e extremamente envolvente, Um Lugar Silencioso é mais uma ótima surpresa de um gênero que vem apresentando bons sinais de renovação, colocando o cineasta John Krasinski como uma das maiores promessas da atualidade.
NOTA 8
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